segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Antigo Museu do Índio sem seus índios é como Fundição Progresso sem Perfeito Fortuna

Pequenas índias no antigo Museu do Índio - foto Roberto Anderson

Pela exclusividade de notícias sobre o poder público e pelo constante apoio a lançamentos de projetos e factoides dos governos, a coluna do Ancelmo Gois, no jornal O Globo, se tornou uma filial dos Diários Oficiais do Município e do Estado. Nessa coluna foi possível acompanhar as idas e vindas desses governos na sua conturbada relação com o prédio do antigo Museu do Índio no Maracanã. Inicialmente o governador o demoliria, alegando seguir orientações da Fifa. Isto, se viu depois, era falso. Em seguida o governador afirmou, com todo o seu conhecimento sobre a história urbana da cidade, que o prédio não tinha qualquer valor. O prefeito foi atrás e, passando por cima de seu Conselho de Patrimônio, autorizou a demolição. O governador licitou a empresa que faria a implosão e colocou sua tropa de choque para expulsar os índios que lá haviam constituído a Aldeia Maracanã.

No entanto, a reação da sociedade foi fortíssima e crescente. Não só os jovens que acorreram na primeira hora, mas também artistas e políticos passaram a apoiar a permanência da edificação e do projeto de um centro de referência da cultura indígena. Abaixo-assinados agitaram as redes sociais e o assunto esteve em pauta durante todos esses dias. Por fim, a Ministra da Cultura fez ver ao Governo do Estado que não haveria apoio federal para a demolição. Na Coluna do Ancelmo o governador Cabral, que sabe quando está isolado, anuncia agora que o antigo Museu do Índio não será mais demolido, e que ele e o prefeito irão restaurá-lo "após a saída dos invasores". Curiosamente esta notícia vem logo depois da confirmação do empresário Eike Batista a um jornal paulista do seu interesse em receber o complexo do Maracanã e ali construir estacionamentos e um shopping.

Ora, se toda essa lindíssima luta pela preservação surgiu exatamente da insistência dos índios de diversas etnias em lutar contra o desaparecimento de uma edificação que representava algo importante para sua memória coletiva, como é possível separar a preservação do prédio de uma finalidade ligada à questão indígena? A edificação que para o governador não tinha qualquer valor, e que para muitos apressados estava em ruínas, agora teria outro valor esvaziado de seu conteúdo imaterial? Ou o senhor Eike teria conseguido comprovar ter sangue indígena?

Há aí uma esperteza do governo, já que muitas pessoas que são contra a demolição do prédio não têm uma opinião favorável à presença dos índios naquele local. Mas imaginar o antigo Museu do Índio apartado da questão indígena é como imaginar a Fundição Progresso sem Perfeito Fortuna.(1) É jogar ao mar quem verdadeiramente lutou por sua preservação. É perder uma excelente oportunidade oferecida à cidade pelos que ocuparam o prédio de termos um local de troca cultural entre diferentes povos. Aliás, todas as atividades que já se desenvolvem no antigo Museu do Índio como parte da resistência à sua demolição, e o apoio e participação de pessoas de várias origens é o fato cultural mais interessante que se pode observar na cidade nos últimos tempos. Pena que o Ancelmo não vá lá para conferir.    

(1) No governo Chagas Freitas, Perfeito Fortuna e outros artistas subiram na fachada da Fundição Progresso, na Lapa, cuja demolição já havia começado. Só saíram de lá após receberem garantias de que o prédio seria preservado. Depois criaram um dos centros culturais de maior êxito na cidade.     

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