quinta-feira, 23 de maio de 2013

Alternativas à demolição de estádios esportivos no entorno do Maracanã


Este estudo pretende analisar as alternativas de criação de espaços para a circulação de pedestres no entorno do Estádio Mário Filho – Maracanã, avaliando a necessidade de demolição dos equipamentos de atletismo e de natação existentes nas imediações do estádio, conforme indicado pelo projeto do Governo do Estado do Rio de Janeiro em licitação de concessão desse equipamento à iniciativa privada.  


O projeto original


Ao iniciar o longo processo de reforma do Maracanã, o Governo do Estado do Rio de Janeiro, através do Escritório de Gerenciamento de Projetos do Governo, órgão da Secretaria de Estado da Casa Civil, contratou a empresa Steer Davies Gleave (http://www.steerdaviesgleave.com/) para que esta fizesse um estudo do fluxo de pedestres na área no entorno daquele estádio. O documento preliminar desse estudo (draft), em anexo, indicava a carência de espaços para pedestres no entorno do Maracanã (Fig 1) e a necessidade de acréscimo de áreas de circulação para os mesmos. A empresa então propôs a ocupação de área do Ministério da Agricultura, junto à Rua Mata Machado. Ela propôs também o avanço da área destinada aos pedestres junto aos dois portais principais sobre áreas de trânsito de veículos, por meio de um inteligente redesenho do entorno.

Na área próxima ao portal da Radial Oeste, foi proposto o desvio das faixas de rolamento de veículos que vêm da Avenida Professor Manoel de Abreu em direção à Avenida Radial Oeste (Fig. 2). Este desvio é possível com a transferência dessas faixas de rolamento para o centro de uma ilha de tráfego existente entre essas duas avenidas. Do ponto de vista do desenho urbano, essa proposta é interessante, já que o traçado atual demonstra ter sido pensado de forma a não haver redução de velocidade dos veículos provenientes da Avenida Professor Manoel de Abreu, o que contraria visões mais contemporâneas da cidade, que dão prioridade aos pedestres e propugnam por um trânsito de veículos em baixa velocidade no espaço urbano.    

Na área próxima à Avenida Maracanã o acréscimo de área de pedestres é feito com a incorporação de uma baia para veículos junto à entrada do estádio voltada para aquela avenida. Como já dito, na área próxima à nova rampa da Rua Mata Machado é proposta a incorporação de uma área anteriormente utilizada pelo Ministério da Agricultura.

Fig. 1 - Atuais áreas de circulação de pedestres no entorno do Estádio do Maracanã

Fig. 2 - Proposta de áreas de circulação de pedestres – Steer Davies Gleave 

Vale observar que na proposta da Steer Davies Gleave há uma preocupação em acrescentar áreas livres diante das três entradas principais, não havendo indicação de demolição do Estádio Célio de Barros e do Parque Aquático Julio Delamare, respectivamente estádio de atletismo e estádio de natação. 



O projeto da Prefeitura para a reurbanização do entorno do Maracanã 


Em 2011 a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro chegou a anunciar que licitaria a urbanização do entorno do Estádio Mário Filho, tal como proposto pela Steer Davies Gleave, ao custo de R$ 117,9 milhões (Fig. 3, 4 e 5) O projeto paisagístico era do escritório Burle Marx.


Fig. 3 – projeto da Prefeitura do Rio de urbanização do entorno
conforme proposta da Steer Davies Gleave 

Fig. 4 - projeto da Prefeitura do Rio de urbanização do entorno
conforme proposta da Steer Davies Gleave, mantendo Estádio Célio de Barros

Fig. 4 - projeto da Prefeitura do Rio de urbanização do entorno
conforme proposta da Steer Davies Gleave, mantendo Estádio Célio de Barros

O atual projeto do Governo do Estado do Rio de Janeiro


O documento Projeto Maracanã, de 2012, em anexo, da Secretaria de Estado da Casa Civil, prevê a demolição do Estádio Célio de Barros e do Parque Aquático Julio Delamare e as reconstruções dos mesmos, sem indicar o local onde isto se daria.

Sabe-se por declarações das autoridades estaduais que atualmente tal reconstrução ocorreria nas duas áreas com disponibilidade de uso do outro lado da via férrea, junto à Quinta da Boa Vista (áreas C e D da Fig. 6). No entanto, originalmente elas seriam destinadas ao estacionamento de automóveis e receberiam um parque público com 92 mil m², o Parque Glaziou, com projeto do escritório Burle Marx, ampliando a área da Quinta da Boa Vista e representando um importante legado da Copa para a cidade (Fig. 7). Haveria uma larga passarela ligando o estacionamento à área do Estádio Maracanã (Fig. 8 e 9). O vídeo explicativo do projeto pode ser visto em http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=uOt3NnuqBwU. O mesmo documento Projeto Maracanã, de 2012 prevê a construção de edifícios de estacionamento sobre parte da área indicada pela Steer Davies Gleave como sendo para a ampliação de espaços de circulação de pedestres (Fig. 10 e 11).

Fig. 6 – Áreas no entorno do estádio do Maracanã – Documento da casa Civil


Fig. 7 – Indicação de passarela, parque e área para estacionamento
junto à Quinta da Boa Vista

Fig. 8 – Indicação de passarela e parque junto à Quinta da Boa Vista em vídeo institucional

Fig. 9 – Projeto de passarela junto ao Maracanã
(notar a presença dos estádios de atletismo e de natação) 


Fig. 10 – Proposta do Governo do Estado com construção de garagem – setor Radial Oeste


Fig. 11 – Proposta do Governo do Estado com construção de garagem – setor Av. Maracanã


Ora, há aí uma enorme incoerência: as áreas conquistadas ao tráfego de veículos para servirem aos pedestres passariam a ser usadas como estacionamentos e comércio, e as áreas hoje ocupadas pelos estádios de atletismo e de natação seriam oferecidas para suprir a nova necessidade de circulação de pedestres criada com a construção dos edifícios comerciais e de estacionamento. Isto seria um enorme desperdício de recursos públicos, já que esta solução implica a demolição de equipamentos em uso e sua reconstrução.

Um problema adicional, advindo da localização proposta para os novos edifícios, é o empachamento ou obstrução da visualização do Estádio Mário Filho, bem tombado federal. A altura daqueles edifícios (o projeto parece indicar um térreo mais três pavimentos e uma mureta na cobertura, perfazendo algo em torno de 12m) impedirá a visão do estádio por quem esteja a pé ou de carro em trechos consideráveis das vias que circundam o estádio.


A necessidade de áreas de circulação de acordo com a FIFA

Além do já exposto, há que se considerar que muito provavelmente as áreas hoje ocupadas pelos estádios não supririam bem a necessidade de circulação dos pedestres que chegarem ao estádio, uma vez que são laterais às entradas principais.

O documento da FIFA “Estádios de Futebol – 5ª Edição 2011”, em anexo, em seu item 3.2, intitulado Acesso e Saída de Público indica a necessidade de uma “cerca localizada a certa distância”. Nesta cerca seriam feitas “as primeiras verificações de segurança e, quando necessárias, revistas corporais seriam feitas nessa área.” Uma segunda verificação do público “será feita nas catracas do estádio”. Ora, é evidente que esta área antes da referida cerca necessita ser diante das principais entradas e não em posição lateral. O atual projeto proposto pelo Governo do Estado para o entorno do Maracanã ocupa uma boa parte destas áreas frontais com edifícios de estacionamento e lojas no térreo. Dessa forma o projeto negligencia a necessidade de área diante das entradas principais, privilegiando a oferta de área livre diante dos bares e restaurantes a serem implantados pelos futuros concessionários sob os edifícios dos estacionamentos.


As áreas para evasão do público


O Estádio Mário Filho ficou conhecido, entre outras razões, por sua capacidade recorde de público no Brasil. Ali já couberam quase 200 mil pessoas (199.854 pessoas na final entre Brasil e Uruguai na final da Copa de 1950). Com novas intervenções visando o conforto dos usuários, como a supressão da geral, sua capacidade caiu para 86 mil pessoas. As obras ora em curso, de adaptação do estádio para a Copa de 2014, reduzirão ainda mais esta capacidade, que passará para 76 mil lugares.

O citado estudo da Steer Davies Gleave informa que uma das exigências da FIFA é a possibilidade de escoamento do público do estádio em casos de pânico em até 8 minutos. Para tanto, além de saídas bem dimensionadas, são necessárias áreas de acumulação do público que saia apressadamente do estádio.

A reforma do Maracanã criou mais duas novas saídas de público, reduzindo em aproximadamente 50% a responsabilidade das antigas saídas da Avenida Radial Oeste e da Avenida Maracanã. Se cada uma dessas saídas recebesse ¼ do público total, teríamos uma demanda de 19 mil pessoas por saída. Se cada uma das pessoas que optassem pelas duas antigas saídas necessitasse de 0,70x1,00m, ou seja 0,70m² (largura mais que suficiente, considerando que uma porta tem em média 0,70m), seriam necessários 13.300m² para acomodá-las, caso as mesmas não continuassem a se dispersar pelas ruas vizinhas, situação mais próxima da realidade.

Quando se calcula a área livre para pedestres na proposta da Steer Davies Gleave, que não implica na demolição dos estádios de atletismo e de natação, chega-se à conclusão que haveria uma oferta de 170 mil m² de área livre diante do portal voltado para a Avenida Radial Oeste e 228 mil m² nos espaços diante do portal voltado para a Avenida Maracanã e na área anteriormente ocupada pelo Ministério da Agricultura (Fig. 12). Ou seja, são áreas mais que suficientes para acomodar com folga todos os torcedores que viessem a sair de uma só vez naquelas direções.    


Fig. 12 – Cálculo das áreas livres propostas por Steer Davies Gleave

Conclusão


O cálculo de áreas disponíveis na proposta feita pela Steer Davies Gleave, que não indica a necessidade de demolição do Estádio de Atletismo Célio de Barros e do Parque Aquático Júlio Delamare, atende à necessidade da FIFA de uma área diante das catracas para a realização dos primeiros controles dos torcedores. Estas áreas são suficientes para acomodar os torcedores em caso de saída apressada em casos de pânico.

A atual proposta do Governo do Estado do Rio de Janeiro (Projeto Maracanã, de 2012) tem os inconvenientes de ocupar parte das áreas diante das entradas da Avenida Radial Oeste e Avenida Maracanã, prejudicando os procedimentos de segurança. Esta proposta, que parece privilegiar a oferta de áreas para lojas, bares e restaurantes, desconsidera a hipótese de se levar o estacionamento de veículos para os terrenos existentes nas proximidades da Quinta da Boa Vista, acessíveis por futura passarela. Ela ainda é prejudicial à ambiência do bem tombado. Por fim, ela implica em desperdício de recursos públicos com a demolição de equipamentos já construídos e sua reconstrução em outros locais.

Face ao exposto, conclui-se que a atual proposta do Governo do Estado do Rio de Janeiro, que implica a demolição dos referidos estádios esportivos, não é a melhor solução a ser adotada. 



5 comentários:

  1. Concordo perfeitamente, alias há tempos me decidi por este projeto que revitaliza ambientalmente o entorno, e preserva as edificações existentes!

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  2. o projeto atual além de ruim, demolindo esses espaços, vem sem sombra de dúvida favorecer os novos arrendatários com a oferta de áreas para exploração comercial

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  3. Excelente analise, Roberto. Abracos

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