domingo, 28 de novembro de 2021

Patrimônio negro

Cais do Valongo - foto Roberto Anderson
No mundo todo, a noção de Patrimônio passou por uma revisão conceitual, que implicou na ampliação das categorias e bens a serem considerados como tal. No Brasil, como não poderia deixar de ser, essa evolução levou à incorporação de bens que não se enquadram nas visões tradicionais sobre arte e cultura, mas que são pertinentes ao conceito mais amplo de Patrimônio Cultural. Como consequência, houve a abertura para a proteção também de bens que foram elaborados por pessoas negras, ou que estão embebidos de valores da cultura negra. Esse é um aspecto importante do processo de ampliação da visão sobre Patrimônio, não ainda devidamente ressaltado, e que apenas começa a ser observado na ação do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural, o Inepac.

O que se quer chamar a atenção aqui é para uma situação bastante diferente daquela observada, por exemplo, no tombamento da Fazenda Machadinha, em Quissamã, onde a senzala foi preservada como parte do conjunto. Aliás, ela é atualmente o único elemento daquele conjunto ainda razoavelmente mantido, já que a tradicional incúria com os bens de Patrimônio levou ao arruinamento da casa grande. Não se trata, tampouco, do tombamento de boa parte da arquitetura produzida até o século XIX, que usou mão de obra escravizada.

O tombamento, em 1984, da Pedra do Sal, na Área Portuária, é um belíssimo marco dessa possibilidade de novos olhares. É o reconhecimento dos valores agregados a um acidente físico pelo trabalho de braços negros, pela cultura do samba, pelo estabelecimento de um território negro na Cidade do Rio de Janeiro, a Pequena África, e pela afirmação da ocupação de um lugar.

Em 1983, já havia ocorrido o tombamento da Casa da Flor, obra da paciência e obstinação de Gabriel dos Santos, nascido em 1893, filho de ex-escravizado, que juntou caquinhos de cerâmicas para fazer uma linda casa de sonhos em São Pedro da Aldeia. Nesse mesmo ano ocorreu o tombamento do mural “Samba e Carnaval”, de Di Cavalcanti, realizado em 1929 no Teatro João Caetano, o primeiro mural modernista do Brasil. Lá está uma representação do povo brasileiro, da sua música, mulheres e homens negros, o morro e a vida das ruas.

Em 2001, o Estado do Rio de Janeiro tombou a igreja de Santo Elesbão e Santa Efigênia, no Centro, construída por uma confraria de negros, reverenciando os dois santos que, mesmo sendo ambos etíopes, viveram em momentos distintos. Infelizmente, ela não se encontra bem conservada. E em 2016, foi feito o primeiro tombamento pelo Estado de um terreiro, a Casa de Candomblé Ilê Axé Opô Afonjá. Ele havia sido fundado em 1896 numa casa na Pedra do Sal, tendo se mudado em 1947 para o local atual, um loteamento de casas simples em São João de Meriti.

Em 2018, em sequência ao reconhecimento pela Unesco como Patrimônio Mundial, o Inepac realizou o tombamento do sítio arqueológico do Cais do Valongo, que hoje é o ponto focal da memória da escravização e do traslado forçado de africanos para o Brasil.

Sem os avanços ocorridos na compreensão da complexidade da produção cultural, e a consequente ampliação do conceito de Patrimônio, bens ligados à cultura negra não teriam sido enxergados e protegidos. Até o momento, são esses os bens dessa natureza tombados pelo Estado do Rio de Janeiro. Poucos, não é mesmo? Mas a porta se abriu e é preciso passar.

artigo publicado em 25 de novembro de 2021 no Diário do Rio.

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

O Serro e a mineradora

Igreja de Santa Rita - Serro - foto Rogério Emerson

A cidade em que nossos pais nasceram, quando diferente da nossa, é um pouco como o segundo time do coração. A cidade da minha mãe é o Serro, em Minas Gerais. Dela, ouvia histórias, como a da caça a pepitas de ouro feita pelas crianças entre as pedras das ruas, após uma chuvarada. Ou a da marcha dos jovens se despedindo da cidade por terem se alistado para lutar na Segunda Guerra. Mas as melhores histórias eram sobre bailes no clube da cidade, quando minha mãe podia se gabar dos seus feitos como boa dançarina, de sua predileção por esse ou aquele parceiro de tango, e de como seu pai não achava nada apropriadas aquelas liberdades.

Visitei a cidade por diversas vezes ao longo da vida. Alguns tios e primos lá permaneciam e eu tinha onde me hospedar. Lá presenciei a força da enxurrada pelas ruas, imaginando se ainda seria possível encontrar pepitas. Lá vi uma procissão com as mulheres carregando pedras nas cabeças em cumprimento a promessas nem sempre atendidas. Lá subi em árvores gigantescas para comer bacupari. E lá conheci o “footing”, o hábito de passear todas as noites pela praça, indo e vindo, os brancos na parte externa e os negros na parte interna da mesma.

O Serro é uma cidade colonial do ciclo do ouro, protegida na primeira leva de cidades tombadas pelo Iphan, de onde já saíram brasileiros ilustres (essa frase sempre é usada por serranos) e que depois parou no tempo, como Parati, esquecida da rota do progresso. Foi nessa cidade esquecida que vi pela televisão a maior conquista da minha modernidade, o homem pisando na lua!

Mas isso foi quando já havia televisão nas casas. Quando a televisão chegou ao Serro, os donos das poucas casas privilegiadas se sentiam na obrigação de abrigar os vizinhos e amigos, além dos que se aglomeravam do lado de fora para ver pela janela as peripécias da novela O Sheik de Agadir. Depois o prefeito colocou uma televisão num poste da praça e as pessoas pararam de circular. Formavam uma rodinha em torno da tv. Mas quando, mais tarde, as tvs se popularizaram nas casas, a praça se esvaziou.

O Serro tem um queijo único, conhecido em diversas partes do Brasil, e tem uma linda festa de Nossa Senhora do Rosário. Na véspera da festa acontece a queima de fogos, que desenham a imagem da santa num mastro. Já no dia da dedicado à Virgem do Rosário, três grupos com roupas e instrumentos distintos desfilam pela cidade, após terem assistido à missa da manhã. Os caboclos são os mais vistosos, usam batom, cocares e saiotes de penas, brincos com pingentes, colares, peitilho com bordados e pedras coloridas e, às vezes, sob eles, camisas coloridas de times de futebol. Os caboclos manejam um pequeno arco de madeira, cuja flecha produz um som seco ao ser puxada contra o mesmo. O acordeom acompanha o ritmo produzido pelos arcos dos demais caboclos.   

Há também os catopês, com seus mantos de chita colorida, seus cocares, seus tambores e sua dança contida. E há os marujos, vestidos de marinheiros, tocando violões e acordeons, com sua música de influência mais europeia, marcada pelo ritmo das espadas do capitão riscando o chão. Acompanhados do rei e da rainha da festa, os três grupos vão às casas dos festeiros, que oferecem comidas e muita bebida. Circulam pela cidade e quando se encontram fazem as “embaixadas”, quando recitam falas imemoriais relembrando guerras passadas, a nau catarineta e um tanto de coisas que só os mais velhos sabem o significado.

Pois essa terra, de onde vieram minha mãe e toda a sua família, com suas igrejas e casario centenários, vive agora um conflito pela aceitação por parte do prefeito da instalação da mineradora Herculano na cidade. Ela se propõe a explorar uma jazida do mais puro minério de ferro ali adormecido por milhões de anos. E há os que se opõem à proposta em nome da defesa do meio ambiente e da qualidade das águas locais.

artigo publicado em 25 de fevereiro de 2021 no Diário do Rio

O pequeno ipê roxo de Laranjeiras

o ipê de Laranjeiras
Numa calçada da rua das Laranjeiras, ali quase em frente à rua Alice, havia uma muda de ipê roxo. Não era muito crescida, uns dois metros talvez. Não sei dizer quem plantou, mas isso não importa para nossa história. 

Estava plantada num canteiro defronte a uma loja, cujo proprietário se preparava para abrir um novo negócio. Por alguma razão, ele achou por bem dar um trato nesse canteiro, plantando espécies que ele julgava ornamentais, mas suprimindo o pobre do pequeno ipê. 

 

Sua ação foi filmada, ele sacudindo a muda, puxando para deslocar as raízes, que teimavam em se agarrar ao solo onde já tinham feito a sua morada. Transeuntes questionaram sua atitude, mas ele nada, seguiu em frente e sumiu com a nossa mudinha.

 

Talvez ele não soubesse que isso é um crime ambiental. Ou talvez, não se importasse. O fato foi denunciado. A Prefeitura foi ao local, plantou novo ipê e emitiu uma multa. E o dono da loja foi cancelado nas redes sociais, castigo dos mais temidos atualmente. Resta saber se aprendeu a lição. 

 

Árvores e mudas nas calçadas e praças são vítimas constantes de vandalismo. Como essa de Laranjeiras, centenas de outras são arrancadas, partidas, derrubadas pelo infame prazer de destruir. Muitas outras são envenenadas por obstruírem a vista de algum morador, ou por abrigarem morcegos e pássaros. E não podemos nos esquecer de que a própria Prefeitura realiza algumas podas muito questionáveis, deformando árvores ou cortando-as radicalmente. A empresa concessionária de energia é outra destruidora de árvores que impactam sua fiação, fiação essa que deveria ser subterrânea. Por sua ação, as árvores debaixo dos fios ficam abertas em taça ou pendendo para um único lado. 

 

Algo que talvez explique em parte essa relação abusiva de alguns moradores com as árvores urbanas é o fato de que os proprietários dos imóveis são responsáveis pela manutenção das calçadas defronte a seus imóveis. A Prefeitura se responsabiliza pela manutenção das pistas dos automóveis, mas não pelas calçadas dos pedestres! É um contrassenso que vai contra o movimento mundial de valorização dos espaços dos pedestres e da facilitação do hábito de caminhar, com redução dos espaços destinados aos automóveis. Na situação atual, é como se somente os automóveis fossem importantes para o poder público.

 

Em geral, é a Prefeitura quem planta as mudas de árvores nas calçadas. Mas é o morador quem deve arcar com o conserto da pavimentação. E ele o faz como pode, ou como acredita ser satisfatório, estando os controles da municipalidade um pouco frouxos. Aí, ele se acha dono da calçada, podendo expulsar moradores de rua, gerenciar o que é plantado defronte, tapar os espaços destinados a futuras árvores, ou cimentá-las até o tronco.

 

O pequeno ipê de Laranjeiras foi substituído. A pronta reação dos vizinhos foi fundamental para que esse fato não passasse em branco. Agora nos resta torcer para que a nova muda, ainda frágil, encontre o caminho do sol, cresça e floresça. Laranjeiras agradece.


artigo publicado em 18 de novembro de 2021 no Diário do Rio.

quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Meio ambiente, quem se mobiliza?

Caminhada pelo Clima no Rio de Janeiro em 2014 - foto Roberto Anderson
Sábado, 6 de novembro de 2021, dia de Ação Global pela Justiça Climática. Debaixo da chuva fria, milhares de pessoas vibrantes, a maioria de jovens, marcham em Glasgow, onde se desenrola a COP26. O mesmo acontece em centenas de outras cidades do mundo. É noticiado que também no Brasil, em cidades como Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Fortaleza teriam ocorrido manifestações. Alguém viu?

Eleições recentes em nações europeias mostram o crescimento dos partidos ambientalistas. Eles parecem mobilizar as melhores esperanças da juventude daqueles países. Na Alemanha a representante dos verdes chegou a estar à frente nas pesquisas. De qualquer maneira, o futuro gabinete alemão deverá contar com uma importante participação dos verdes.

 

Mas no Brasil o movimento político ambientalista não consegue avançar muito. Os dois partidos mais ligados às questões ambientais lutam para superar as cláusulas de desempenho. A maior parte da juventude, quando se mobiliza, deposita suas esperanças de mudanças nos partidos de esquerda. Estes, apesar de assumirem algumas bandeiras ambientais, nem sempre compreendem muito bem a falência do desenvolvimentismo a qualquer custo, do século XX. 

 

No passado, a natureza brasileira serviu de material simbólico para a construção de uma nacionalidade romantizada. Do indianismo no segundo Império, passando pelos abacaxis e palmeiras de Carmen Miranda, ao tropicalismo, a natureza brasileira foi um forte componente da construção da identidade e da cultura nacional. Enquanto isso, os verdadeiros indígenas eram sistematicamente assassinados e a natureza real destruída. Hoje ela parece mais importante para quem vive no exterior do que para nós mesmos.

 

É preciso se perguntar por que razão, no país da maior diversidade ambiental, no país onde a destruição do meio ambiente é um fato presente, avassalador e criminoso, não há mobilização a contento por tais questões. Até já houve, mas não mais. O sacrifício de Chico Mendes, de Paulino Guajajara, e de tantos outros que lutaram pela preservação das florestas foi imenso. Muitos que ousaram lutar pagaram com a própria vida.

 

É verdade que mobilização tem sido artigo em falta no Brasil atual. Muita energia se dissipa nas redes sociais, mas não parece conseguir chegar às ruas. E motivos não faltam. Mais de 610 mil mortes, em grande parte evitáveis, conluio descarado entre parlamentares fisiológicos para inviabilizar o país, destruição de mecanismos de controle social do governo, retrocesso em questões comportamentais, desemprego, aumento da pobreza, a volta da fome, etc., etc.

 

Num país com tantos problemas sociais, talvez seja compreensível a primazia das questões sociais na mobilização dos que se dispõem a tentar mudar algo. Por isso, é fundamental que se alie a questão ambiental às questões sociais. Se partidos de esquerda souberam se apropriar de algumas bandeiras ambientais, o caminho inverso também deve ser trilhado. Partidos e movimentos ambientalistas precisam falar a língua da justiça ambiental, da percepção de que as questões ambientais atingem a todos, mas atingem mais fortemente àqueles socialmente mais vulneráveis.

 

É preciso renovação, caras novas, falando para os jovens, com credibilidade. É preciso quem se disponha a estar nas ruas com cartazes mambembes, dialogando com Greta Thunberg, Txai Suruí, Adenike Oladosu e Vanessa Nakate, porque o ambientalismo é internacionalista. A crise climática é real, bate às nossas portas, inunda bairros, provoca deslizamentos em encostas habitadas, produz incêndios intermináveis, destruidores, e sufoca com tempestades de poeira. Justiça social é inalcançável sem atenção ao meio ambiente e ao controle do clima. É hora de acordar.


artigo publicado em 11 de novembro de 2021 no Diário do Rio.

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

A mobilidade ativa é o futuro

Ciclovia na Tijuca - foto Roberto Anderson 
Enfim, começou a COP26 em Glasgow, que deveria ter acontecido um ano antes, mas foi adiada em função da pandemia. Ela representa um momento decisivo na luta contra o aquecimento global, já que os países deverão ampliar as suas metas de reduções de emissões dos gases do efeito estufa (NDC), tanto em termos de prazos, quanto em quantidades. 

O Brasil, que já foi um ator importante nessas negociações, chegou a Glasgow sem a presença de seu presidente e de seu Ministro do Meio Ambiente. Muito provavelmente isso se deve à dificuldade de encarar a comunidade internacional. Resultado das ações dos últimos anos de desmonte dos órgãos ambientais e de incentivo a invasões de áreas florestadas para o desmatamento e a realização de queimadas, além do garimpo, tudo à margem da lei. Para culminar, o governo brasileiro havia revisado as bases de cálculo das emissões de gases, aumentando a sua capacidade de emissão, o que contrariava o Acordo de Paris. Essa revisão resultaria em uma permissão para emissão adicional de 400 milhões de toneladas de gás carbônico equivalente (CO2e - métrica que representa todos os gases do efeito estufa em uma única unidade) em relação à meta anunciada em 2015, no que vem sendo chamado de “pedalada de carbono”. 

Na abertura da COP26, o governo brasileiro apresentou uma nova meta climática, mais ambiciosa na aparência, passando a redução da emissão de carbono dos prometidos 43% para 50% até 2030, e de neutralidade de carbono até 2050. Mesmo não tendo ficado claro qual será a base de cálculo utilizada para essa atualização, a nova meta apenas deverá reduzir à metade, ou até eliminar, a "pedalada de carbono" que o governo brasileiro vinha buscando. 

E como entra a Cidade do Rio de Janeiro nesse programa de redução de emissões? Sim, é fundamental o envolvimento das cidades, onde mora a maioria da população brasileira, e onde se dá boa parte das emissões danosas ao clima. A Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, assim como o governo federal, tem como meta para 2050 atingir a neutralidade das emissões de carbono. É o que consta do seu Plano de Desenvolvimento Sustentável. O Plano estabelece também a meta de reduzir em 20% as emissões de gases de efeito estufa até 2030, em relação ao ano de 2017. 

Segundo o Inventário das emissões dos gases do efeito estufa de 2010, o setor energia correspondia a 64% das emissões totais da Cidade do Rio de Janeiro. Por sua vez, o setor transportes correspondia a outros 64% das emissões do setor de energia. Esse é, portanto, um setor chave para se alcançar reduções das emissões. A boa notícia é que, de 2012 a 2019, o setor de transportes puxou a queda de 14% das emissões de dióxido de carbono-equivalente na cidade, com decréscimo de 24 % nos 7 anos. A alta do preço dos combustíveis pode estar por trás dessa redução, já que desincentiva o uso de automóveis. 

Mas não podemos depender da alta dos combustíveis para reduzirmos as emissões de gases pelo setor de transportes. São necessárias ações concretas, como a eletrificação dos veículos, inclusive os coletivos. O Plano da Prefeitura propõe eletrificar 100% da frota de ônibus municipal até 2050, ou seja, em 30 anos. A Prefeitura de Niterói já deu início a esse processo, e planeja a eletrificação de 10% da frota de coletivos até 2024. 

É fundamental, ainda, um maior incentivo ao emprego de mobilidade ativa ou não motorizada, o que inclui melhores condições para a caminhabilidade. Item fundamental na redução das emissões é a facilitação do saudável hábito de caminhar. Para tanto, nossas calçadas precisam ser muitíssimo melhoradas. Em geral, elas são estreitas, mal pavimentadas, com buracos e excesso de obstáculos, como bancas de jornais que ocupam mais da metade da sua largura. 

O Planejamento de Desenvolvimento Sustentável e Ação Climática da Cidade do Rio de Janeiro propõe quadruplicar as viagens por bicicleta até 2030. É um objetivo importante, mas que necessita de ações imediatas, já que 2030 está logo ali. Para iniciar, seria fundamental uma revisão da situação das atuais ciclovias, ciclofaixas e ciclorotas da cidade Em geral, a pavimentação das mesmas está muito deteriorada. Pedalar nas ciclovias cariocas, às vezes, é como estar numa pista de mountain bike. Se já é difícil ocorrer a manutenção das pistas de rolamento de automóveis, cujos usuários pagam IPVA, muito menor, ou quase inexistente, é a manutenção da pavimentação e dos limites das ciclovias. Outro problema recorrente é o uso das ciclorotas como área de estacionamento em fila dupla. Somos indisciplinados, mas se o poder público não fiscalizar a contento, a coisa só piora. 

Muitas ciclovias cariocas são, na verdade, pistas em que os ciclistas competem com os pedestres pelo mesmo espaço. Se no início da implantação do programa isso era compreensível, hoje em dia, com o aumento do número de ciclistas, essa é uma situação indesejável. Há também ciclovias ou ciclofaixas que ocupam 100% do que um dia foi uma calçada. Essa não é uma boa competição. Não é correto que o transporte cicloviário cresça pela redução da qualidade dos espaços destinados aos pedestres. 

Nova Iorque planeja alcançar 2.200 Km de vias cicláveis. A Prefeitura de Paris, apenas em 2020, construiu 170 km de novas ciclovias na cidade, o que fez o deslocamento sobre bicicletas aumentar 62% em dois anos. A Rue de Rivoli, que já contava com calçadas generosas, foi quase que inteiramente tomada por ciclovias. Em Milão, um plano de 2020 propõe transformar 35 km de ruas em espaços para pedestres e ciclistas. Barcelona, que já contava com 300 km de ciclovias, após a pandemia ganhou mais 21 km de espaços para bicicletas. As principais cidades do mundo caminham nessa direção. Não queremos ficar para trás. É preciso radicalidade na priorização da mobilidade ativa, o que ainda não temos visto por aqui. O futuro vai ser assim.

artigo publicado no Diário do Rio em 04 de novembro de 2021.