Recentemente, a querida amiga LK teve um problema de saúde, precisando ser internada. Um susto para a família que, em seguida, comunicou aos amigos que precisava de ajuda para cobrir as horas necessárias de acompanhamento no hospital. LK vive só, mas não é uma pessoa sozinha. Tem uma multidão de amigos, sejam da infância, das épocas de escola e faculdade, do meio teatral, onde desenvolveu sua carreira, e das inúmeras possibilidades de estabelecer relações de afeto, que a vida lhe proporcionou. Mais do que isso, que ela buscou.
Esses amigos logo se puseram à disposição e tabelas de
horários de acompanhamento foram prontamente preenchidas. A família de LK, como
as famílias atuais, é pequena, apesar de coesa. Mas os mais jovens precisam
também se desdobrar com os cuidados que a matriarca da família necessita.
Assim, o recurso aos amigos se mostrou providencial. A cada dia, no mínimo três
pessoas se alternaram como acompanhantes, e postaram comentários sobre como
decorreu o período. LK estava sonolenta, comeu bem, conversou muito, estava de
bom humor, recusou os remédios, se chateou com alguma coisa, gostou do
enfermeiro de plantão, riu muito relembrando histórias, dormiu de tarde,
recusou o suco, dormiu, e maravilha, os exames mostraram melhora contínua.
Esse modelo de compartilhamento de cuidados se mostrou
uma excelente iniciativa. Deixaram de recair somente sobre a família o peso e a
gravidade do momento, e ela se sentiu amparada por uma rede de amizades. Todos
os que participaram, seja acompanhando fisicamente, seja recebendo notícias,
tiveram a possibilidade de retribuir a afeição recebida ao longo da vida. E as
tardes ou manhãs com LK, mesmo no hospital, sempre foram agradáveis. Fosse a
situação mais grave ou a internação mais prolongada, a rede de apoio seria mais
testada, talvez até se reduzisse. Mas tudo funcionou a contento.
Com novas configurações familiares se constituindo no
Brasil, é importante ter novos modelos possíveis de cuidados mútuos, coletivos.
Aumentou muito o número de pessoas vivendo sozinhas e as famílias se tornaram
pequenas. O Censo Demográfico de 2022 mostrou que existem atualmente 13,7
milhões de pessoas morando sozinhas, correspondendo a 18,9% das residências do
país. O Estado do Rio de Janeiro tem a maior concentração dessas pessoas, com
23,4% do total. Entre as pessoas vivendo sós, há uma alta concentração daquelas
com mais de 60 anos (28,7%). Mas, entre 2010 e 2022, o maior aumento de
indivíduos vivendo sós foi no grupo entre 25 e 39 anos, que cresceu de 8,3%
para 13,4%. Isso pode indicar uma tendência de acentuação de lares de um
indivíduo.
Fazer amigos ao longo da vida é uma enorme riqueza que
nem todos conseguem. Com eles, há mais possibilidades de se contar com algum
conforto em momentos de precisão. Mas nossa sociedade, e nossas cidades, não
têm sido configuradas de forma a propiciar o estabelecimento de amizades e
relações. Para além das redes de amizade, é preciso a construção de redes de
solidariedade. Grupos de pessoas dispostas a visitar idosos em casas de
acolhimento, a acompanhá-los em hospitais. A sociedade civil pode tomar para si
esta tarefa, ou delegá-la ao Estado, com mais impessoalidade.
O cuidado com o outro numa sociedade cada vez mais alienante é uma grave carência. Uma rede como a formada em torno de LK demonstra o quão afetuoso esse cuidado pode ser. LK já teve alta e está bem.
Artigo publicado em 21 de novembro no Diário do Rio.
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