Rennes - foto RobertoAnderson |
Eles, e elas, estão por aí, em quase todos os bairros das grandes e médias cidades. Mas, mesmo nas cidades pequenas, lá estão. A crise econômica passou, o Brasil está, tecnicamente, em situação de pleno emprego, mas os moradores de rua seguem existindo.
Aparentemente, já não são as famílias despejadas pela
violência econômica ou do crime organizado as que estão nas ruas. A melhora da
situação do país, e talvez uma maior atuação das prefeituras, reduziu essa
marca amarga do desabrigo. Também não se vê com tanta frequência aqueles bandos
de crianças dormindo nas calçadas e cometendo pequenos delitos. Estarão os
Conselhos da Infância e Juventude agindo? Com sorte, não teremos outra chacina
da Candelária.
Mas, seguem nas ruas os tipos apegados à mendicância
ou simplesmente fora de órbita. Um pão conseguido aqui, uma quentinha ali, são
suficientes para mantê-los por perto. O pedido é feito nas portas das padarias,
nas varandas dos restaurantes, suas presenças incômodas quase se debruçando
sobre os pratos. Despertam culpa ou repulsa, às vezes os dois sentimentos
misturados. Com frequência conseguem alguma coisa. Me compra uma quentinha?
Poucos dão atenção. Mas há sempre uma senhora, uma boa alma, que lhes atenda.
São como cometas vindos de cracolândias distantes,
vagando por bairros, especialmente os da Zona Sul do Rio, aos quais não se sabe
como chegaram e por quanto tempo ali permanecerão. Despertam o receio da
fixação de um novo ponto do vício. São parentes distantes do louco do bairro.
Mas já não são vítimas da zombaria de crianças, que os olham assustados,
puxados pelas mães.
Alguns se fixam num local por um tempo. Varrem a
calçada diante de suas tralhas e conquistam a simpatia de alguma vizinha que
lhes leva algo de comer. Realizam pequenos serviços, como a guarda de carros
nos horários em que o pessoal oficial já se foi, ou catam latas e materiais
para reciclagem. Outros têm a atenção voltada para algo fora do mundo que os
cerca, perambulam a esmo, se metem entre os carros com o sinal aberto, falam
sozinhos, divagam sem nada concluir.
Difícil encontrar poesia, liberdade de espírito ou
rebeldia onde o que sobressai é a triste figura do pedinte. Passantes podem desejar
uma mágica que os faça desaparecer. Que deixem de atormentar as suas
consciências. Mas não, eles seguem existindo e não há instituição pública que
se interesse por eles.
Uns são tristemente jovens, e fica-se querendo
adivinhar a pessoa de banho tomado e cabelos penteados que há muito se perdeu, a
sujidade das ruas colada em seus corpos. Quem são, quem terão sido, que
familiares terão deixado, existirá alguém que ainda pense neles?
Todas as noites dorme-se nas ruas sobre trapos ou
restos de papelão. Às vezes o sono chega durante o dia. É quando o vai e vem
dos passantes traz mais segurança. O caminho do sono lhes parece estranhamente
fácil. Que bebidas, drogas ou cansaço lhes proporciona o abandono do sono na
calçada suja, na terra fria, na porta dos estabelecimentos? Há tempos nos acostumamos
com suas presenças. Pouco nos incomodamos.
Artigo publicado em 07 de novembro de 2024 no Diário do Rio
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