segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

Caio F. Abreu em Laranjeiras

Teatro é bom, é necessário. Mas há poucos disponíveis, especialmente para produções independentes, sem patrocínios. Manter um teatro, assim como um cinema, é caro. Acaba sendo preciso garantir que as produções que o ocupam atraiam um número suficiente de espectadores, capazes de gerar a renda que cubra os seus custos. Mesmo os teatros públicos precisam de produções com plateias que justifiquem os recursos investidos.

Mas e as produções independentes, os sem verbas, os experimentais? Como ficam? Tanto atores, como autores e diretores precisam de espaços onde iniciar um trabalho, que depois pode até ganhar plateias maiores. Muitas produções nem almejam isto. Apenas querem um espaço onde possam experimentar, criar espetáculos sem a exigência de sucesso de público, ou de um retorno financeiro. Mas,  compromissadas com a busca de novas linguagens e novos horizontes para as artes cênicas. 

Nas grandes cidades do mundo sempre há espaços alternativos que recebem essas produções. E aqui no Rio também, apesar de ainda serem poucos. Um deles, o Atelier Alexandre Mello, fica na Rua Alice, em Laranjeiras. Ali acontece até este fim de semana a peça Solidão de Caio F. Abreu. 

Num cenário reproduzindo um quarto de solteiro, lembrando o quarto de Van Gogh, dois atores repassam as palavras do escritor. Estas foram retiradas de dois de seus contos e de cartas escritas entre 1987 e 1990. A partir desse material, Hilton Vasconcellos e Rick Yates, dirigidos por Alexandre Mello, dão vida a personagens que expressam emoções íntimas, inadequações às convenções sociais, resistência à homofobia e sentimentos de solidão. Tudo ali, a dois metros da plateia. Suas respirações, seus suores, suas palavras, mesmo as sussurradas, chegando ao público em toda a sua potência, sem qualquer perda. 

Com uma linda vista para o vale do rio Carioca que, coitado, corre encanado, o Atelier é também lugar de cursos de teatro e movimento. E mantém a atmosfera de casa, de moradia de alguém. Alguém que, generosamente, abre as suas portas para receber convidados. Um local de resistência do fazer artístico. 

Laranjeiras, esse bairro tão querido, enfim vai ganhar seu primeiro cinema. Já tem os parques Guinle e da Alice, uma iniciativa comunitária que necessita de cuidados do poder público. Tem também uma ciclovia, à qual os moradores aderiram com entusiasmo. E todos esperam a volta do Mercado São José. Ainda não há um teatro em Laranjeiras, mas o bairro já tem seu espaço para produções experimentais. Que seja acolhido e tenha uma existência profícua. 

Artigo publicado em 19 de dezembro de 2024 no Diário do Rio.

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