quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

O Corredor Cultural em tempos desafiadores


O Corredor Cultural foi tornado oficial por uma lei municipal de 1984, depois detalhada por lei de 1987. Ele é um projeto que visou a proteção do Patrimônio do Centro do Rio, até então bastante ameaçado por intervenções rodoviaristas, pela voracidade do mercado imobiliário e pelo desconhecimento do valor de sua arquiteturta. Foi uma ação inovadora, por considerar conjuntos urbanos, ao invés de monumentos isolados, como até então ocorria nesse tipo de proteção no Rio de Janeiro. Ele também teve a ambição de ser um projeto de desenho urbano, revogando projetos de alinhamento que desfiguravam o traçado do centro histórico da cidade, definindo parâmetros de edificação para novos prédios junto aos imóveis protegidos e protegendo usos de interesse cultural.

O Corredor Cultural talvez seja o projeto urbano mais vitorioso da cidade, tornando-se sinônimo de proteção e revitalização de centros históricos para outras cidades que almejam fazer intervenções semelhantes. Os parâmetros definidos pelo projeto para restauração, intervenção em interiores, proteção contra o risco de incêndio, e instalação de letreiros e toldos foram adotados na gestão de outras áreas protegidas da cidade e mesmo por outros órgãos de proteção do Patrimônio. As publicações realizadas pelo projeto foram fundamentais para a divulgação desses parâmetros.   

Por ocasião dos 40 anos de lançamento do livreto Como Recuperar, Reformar ou Construir seu Imóvel no Corredor Cultural, o IAB-RJ reuniu alguns arquitetos que participaram daquela publicação e outros que buscaram pensar aquele momento. A arquiteta italiana Maria Pace Chiavari, uma das coordenadoras da publicação, relembrou que esse manual buscou atingir um público variado, usando fotos, desenhos, e outros recursos que o tornassem claro, instrutivo e atraente.

O arquiteto Sérgio Magalhães lembrou como o Corredor Cultural foi seguido pela criação de diversas outras Apacs e pelos projetos Rio Cidade e Favela-Bairro, perfazendo vinte anos de um urbanismo progressista na cidade. Isto não ocorre atualmente. A comparação com aquele momento é desafiadora. O projeto Reviver Centro, que parte de premissas corretas, ou seja, incentivar a habitação no Centro, vem colhendo resultados frustrantes. Não se está verdadeiramente atraindo novos moradores para a área e sim gerando uma oferta de imóveis para investimento em locação de curta duração. Por outro lado, ao tratar a edificação no Centro como um fardo a ser recompensado com a transferência de potencial construtivo para outros bairros, a Prefeitura não foca verdadeiramente naquela área.

Sérgio Magalhães lembra que o Centro não é mais um bairro da cidade. Ele é o local de encontro de todos, de geração de identidade. É o lugar onde pode ocorrer a integração metropolitana e o desfrute dos principais equipamentos culturais da cidade. O Centro não pode ser tratado como mais um bairro. Ao não compreender essa especificidade da área, o Reviver Centro tem uma perspectiva equivocada. Passadas essas quatro décadas desde o início do projeto Corredor Cultural, o Centro se vê às voltas com mais esvaziamento no período pós-pandemia, incompreensões da complexidade do seu tecido urbano, e investimentos pontuais e imediatistas que não são seguidos pela qualificação dos espaços públicos ou em segurança.

Lá atrás, no momento de lançamento do projeto Corredor Cultural, a Cidade do Rio de Janeiro era administrada por Israel Klabin, um homem aberto ao diálogo com a cultura e as artes. Logo se formou um Grupo Executivo do projeto constituído por arquitetos, intelectuais e escritores, que reforçaram os aspectos culturais do projeto, fator fundamental para a sua ampla aceitação. Agora, quando o projeto Reviver Centro se propõe a revitalizar a área, a cidade é administrada por um prefeito fortemente inclinado a privilegiar o mercado imobiliário, sem muito respeito pelas questões específicas do Patrimônio. A sua proposta de gabarito livre para o Centro, adotada no Plano Diretor, é um exemplo da sua incompreensão das qualidades paisagísticas daquele local e de sua rica arquitetura.  

Essa tendência ainda deve seguir por um tempo. Mas, como afirmou Sérgio Magalhães, há sempre esperança de que o pêndulo da história nos leve a outros momentos, onde volte a delicadeza e a ampla compreensão dos problemas da cidade e do seu Centro. Qualidades que estavam presentes nas ações do arquiteto Augusto Ivan, idealizador e líder do projeto Corredor Cultural.

Artigo publicado em 11 de dezembro de 2025 no Diário do Rio.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Nosso buraco

As ruas do Rio estão esburacadas. Mas, isso não é de hoje. Desde os tempos da Guanabara já era assim. O surpreendente é que não mude. Entra prefeito socialista, muda para prefeito peessedebista, pula para prefeito evangélico, chega a prefeito neoliberal e o estado das ruas continua o mesmo. Quanto mais distantes dos bairros nobres, mais degradada fica a coisa. O estado caquético e remendado das ruas do Rio parece ser uma metáfora do buraco em que nos metemos.

Cinco governadores já foram presos e o atual tem uma vasta folha corrida que lhe garantiria um lugar em Bangu. Recentemente, um deputado estadual foi preso por associação ao crime organizado. E, sem mais nenhuma surpresa, agora chegou a vez de mais um presidente da Assembleia Legislativa. O cara que preside o Parlamento do Estado, que já indicou comandantes de batalhões e o chefe da segurança pública, avisava a um criminoso sobre a chegada da polícia. Nenhum espanto, quatro outros presidentes da mesma Alerj também já foram presos. Não há novidades na lama da política fluminense.

Os candidatos se apresentam ao povo defendendo ideias abstratas, como Deus e a família tradicional. Juram ser pessoas de bem, que só querem um lugar no parlamento para defender o homem comum. São fulanos do posto, sicranos da farmácia, TH das joias, pastores, bispas e apóstolos. Depois de eleitos, se apropriam de nacos do Estado e legislam contra os trabalhadores, contra o meio ambiente e contra os direitos de mulheres, gays, aposentados e funcionários. 

O povo acredita. Quem não acredita, vota mesmo assim, de olho num benefício prometido, uma esperteza a ser conseguida, um favorecimento para alcançar um emprego, uma indicação para ser atendido no posto de saúde ou uma vaga para o filho na escola. Tudo isso embalado em campanhas milionárias que produzem o convencimento de que aquele candidato tem fortes possibilidades de ser eleito. Melhor então aderir às maiorias que se formam.

O eleitor tem chancelado essa porcariada em que se transformou a política do Rio. Sem organização sindical, sem associações de moradores ou de reivindicação de algum direito que seja, o eleitor sedimenta a sua escolha de forma aleatória, ouvindo o pastor, acreditando nas histórias mirabolantes que lhe chegam pelo celular ou fazendo fé no seu juízo de pessoa esperta, difícil de ser enganada. Não sabe nada, inocente.

As ruas seguem esburacadas, mas os negócios imobiliários estão bombando. Que importa se a paisagem e o Patrimônio Cultural da cidade se apagam? O próximo governador parece já estar se definindo. Poderemos assistir à fusão da esperteza neoliberal da Barra com a dos que dominam os grotões e os currais eleitorais do Estado do Rio. Nova roupagem para a decadência nossa de cada dia.

Artigo publicado em 04 de dezembro de 2025 no Diário do Rio.