Foto Paula Kossatz |
Foto Paula Kossatz |
Foto Paula Kossatz |
Foto Paula Kossatz |
Foto Katja Schilirò |
Foto Katja Schilirò |
Na sexta-feira, 23 de
novembro de 2012, os índios que se encontram no prédio e no terreno do antigo
Museu do Índio, no Maracanã, promoveram uma entrevista coletiva para a imprensa
nacional e estrangeira. Eles resistem à intenção do governador Sérgio Cabral de
demolir aquela edificação, onde estabeleceram a Aldeia Maracanã.
Entre outros, compareceram à
coletiva jornalistas da ESPN, do Jornal do Brasil, da Rede Brasil de Televisão
e de rádios e jornais de outros países, como de uma rádio holandesa. Segundo a
jornalista, sua atenção ao problema foi despertada após os índios da Aldeia
Maracanã terem ido ao encontro do Príncipe daquele país que visitava as obras
do estádio do Maracanã. À mesa, respondendo às perguntas, estavam o cacique
Carlos Tukano, o antropólogo Mércio Gomes, o procurador do Ministério Público
Federal Daniel Macedo, o advogado Arão da Providência Guajajara e eu, convidado
como arquiteto que poderia falar um pouco sobre a edificação.
Respondendo a uma pergunta
sobre o estranhamento da sociedade branca à presença de um grupamento de índios
no Maracanã, o antropólogo Mércio Gomes, que já dirigiu a Funai, comentou
inicialmente a maneira como ele e outros antropólogos tinham uma certa reserva
em compreender a existência de índios vivendo em cidades. Segundo ele, a
antropologia tradicional vê o índio em sua comunidade original, no meio rural
ou florestado, acreditando que ali ele deveria permanecer. Quando Mércio soube
que índios, já há muitos anos, passaram a ocupar o antigo Museu do Índio no
Maracanã, também se questionou sobre o que eles estariam a fazer ali.
Após essa pequena introdução
e após ressaltar a importância que teve o Museu do Índio para a etnografia
nacional e internacional, referindo-se também às presenças naquela edificação, em
outros momentos da história, do Marechal Rondon e de Darci Ribeiro, o
antropólogo passou a descrever a realidade populacional dos índios no Brasil de
hoje. Afirmou que quando se imaginava que eles desapareceriam como grupos
étnicos autônomos, sendo integrados à grande sociedade brasileira, eis que eles
passaram a crescer em termos populacionais, reforçando os laços culturais que
os unem. E eles vêm, individualmente ou em grupos, buscando obter maior
conhecimento e melhores condições materiais de vida, aproximando-se das
cidades. Há índios em universidades e em cursos técnicos, ou apenas trabalhando
em profissões diversas nas cidades. Isto sem perder sua identidade indígena e o
contato com seu grupo de origem.
Assim, a constituição desse
grupamento de índios de várias tribos brasileiras, de várias partes do país,
que passou a se denominar Aldeia Maracanã, seria plenamente justificável como
um ponto de referência para índios que se encontram na cidade do Rio de Janeiro.
A sua presença entre nós permitiria uma troca cultural que só teria a
enriquecer os cariocas. E o seu estabelecimento nesse local se daria por sua
imensa ligação com o lugar onde um dia existiu um centro de estudos de sua
cultura e onde antes seus antepassados se hospedavam quando vinham ao Rio de
Janeiro.
Ao ser perguntado sobre a
razão para o governador querer demolir o antigo Museu do Índio, o procurador
Daniel Macedo afirmou que as razões são obscuras. Que a liminar da juíza que impedia
a demolição havia sido derrubada e que na véspera seis carros do BOPE haviam
rondado o imóvel de forma ameaçadora.
O cacique Carlos Tukano
lembrou que o prédio do antigo Museu do Índio foi edificado bem antes do
próprio Maracanã e que seria um contrassenso demoli-lo para atender pretensas
necessidades de escoamento de público surgidas posteriormente. O cacique disse
que os índios e as pessoas que apoiam sua causa iriam resistir contra a
demolição do prédio. Respondendo a um repórter que lhe perguntou se havia
possibilidade de derramamento de sangue nesta resistência, o cacique foi
bastante equilibrado, lembrando que os índios não estão armados. Que
resistirão, mas que se houver violência, esta será da parte dos efetivos
policiais que possam querer retirá-los do local.
De minha parte, lembrei que
para se avaliar a importância da edificação para a cidade do Rio de Janeiro e
para o Patrimônio Cultural, é necessário que se faça quatro perguntas.
Inicialmente, se o antigo Museu do Índio tem relevância na paisagem. E a
resposta é sim. O seu entorno foi enormemente modificado desde que o mesmo foi
edificado na primeira década do século XX. O Derby Club deu lugar ao Maracanã,
a Avenida Radial Oeste rasgou o tecido urbano ao lado e diversas edificações
foram substituídas. Mas o prédio do Antigo Museu ficou lá no mesmo lugar,
marcando a paisagem com sua torre de pedra e as águias nos cantos da sua
cobertura. Não há quem não passe por ali que não perceba a sua imponente
presença.
A outra pergunta a se fazer
é se o prédio tem relevância histórica. E novamente a resposta é sim. Ali
ocorreram as primeiras pesquisas com sementes no Brasil. Ali Rondon recebia
índios que vinham de muito longe. Ali Darci Ribeiro trabalhou pela causa
indígena e ali existiu um museu exemplar, que influenciou a criação de diversos
outros museus etnográficos pelo mundo.
Uma terceira pergunta, se o
imóvel tem relevância arquitetônica e se é recuperável, também tem resposta
positiva. O imóvel, uma edificação eclética com características de prédio do
serviço público do início do século XIX tem paredes sólidas e espaços
generosos, difíceis de serem encontrados em construções do mesmo período. O
piso do primeiro pavimento é estruturado por vigas metálicas, que se mostram
preservadas. Sua entrada é marcada por um torreão e no hall uma escada em
estrutura metálica dá acesso ao segundo pavimento. Uma torre maior, revestida
de pedras, marca a fachada oposta a esta entrada. Sua cobertura encontra-se
danificada por falta de cuidados, assim como forros, escadas e esquadrias. Mas tudo
isto é plenamente recuperável, já que as peças ainda existentes podem servir de
exemplo.
Por fim, cabe perguntar se o
imóvel tem relevância para algum grupo social. E a evidência desta resposta é o
enorme esforço que tem sido feito por índios e brancos que se envolveram com o problema para reverter a decisão do governador e
impedir a demolição desse belo prédio.
Usando-se a Copa de 2014 e
as Olimpíadas de 2016 muitos absurdos vêm sendo cometidos em nossa cidade. A
demolição da fábrica da Brahma no Catumbi, por exemplo, foi um crime contra o
Patrimônio da cidade. As alterações pretendidas na APA de Marapendi para
abrigar um hotel e um campo de golfe são igualmente absurdas. A ameaça ao
antigo Museu do Índio está acompanhada de igual ameaça ao Estádio Célio de
Barros, ao Parque Aquático Júlio Delamare e à Escola Municipal Friedenreich. A
união de todos os que se sentem indignados contra tais demolições, de todos os
que consideram importante a preservação do Patrimônio Cultural do Rio de
Janeiro e de todos os que apoiam a causa indígena poderá trazer uma esperança
de que desta vez a enorme especulação que se estabeleceu em nome dos jogos não
prevaleça.