quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Ano Novo na Ilha

Ilha do Governador - foto Roberto Anderson
A areia da praia tinha muitos sargaços. E placas de piche. Em casa, na borda do tanque sempre havia uma lata de varsol, para remover as manchas que ficavam grudadas na planta do pé. As placas mais grossas eram retiradas com gravetos catados na calçada da praia mesmo, na hora de ir embora. 

O fundo da água era lodoso. Pisava-se em algo que afundava, e em mais sargaços, que se enroscavam nas pernas. Melhor era não pisar, mergulhar e sair nadando assim que a altura da água permitisse. Ou então entrar já sentando nas boias de pneus de carros, que eram trazidas de casa, penduradas no ombro, rua afora. Na superfície da água, aqui e ali manchas de óleo formavam as cores do arco-íris, lembranças deixadas pelos barcos petroleiros. 

Era a Praia da Freguesia, na Ilha do Governador, com sua areia grossa, a mureta separando a praia da calçada, e as amendoeiras, algumas parecendo centenárias. Era o quintal de casa, o lugar para passar as tardes ouvindo as conversas dos outros adolescentes, com os quais, por timidez, não era fácil interagir. Onde as horas eram gastas depois da manhã no Colégio Mendes de Moraes. 

A vida seguia numa tranquilidade e previsibilidade exasperantes. Nada acontecia de novo. As manhãs eram de aulas. Após o almoço, o dever de casa. Depois, aquela assuntada nas conversas do grupo na mureta da praia. E tinha o vôlei no terreno baldio, que havia sido limpo pelos vizinhos. Aos domingos, se assistia a missa na igreja da praça. Para variar um pouco, havia as caminhadas solitárias pela orla, buscando bairros mais distantes, caminhos sinuosos e arborizados que a Ilha oferecia. 

Mas algo bem diferente acontecia na véspera de ano novo. À tarde, grupos de pessoas vestidas de branco, vindas de longe, começavam a chegar e logo iam ocupando diversos pontos da praia. Traziam flores, muitas flores, velas, bebidas, charutos, tendas, panos e bancos. Delimitavam seus espaços e começavam a organizar os preparativos para mais tarde. 

Ao anoitecer, tudo havia mudado, a praia já estava tomada por vários terreiros. As mulheres com suas saias rodadas, guias e turbantes. Os homens mais discretos, mas igualmente de branco e com guias multicoloridas. Um deslumbramento. Logo, oferendas começavam a ser levadas ao mar. As flores, os perfumes derramados, as garrafas de cerveja, vinho e champanhe barato esvaziadas sobre a espuma das ondas. E a areia se enchia de curiosos e de pessoas que faziam filas para tomar um passe. 

Algo de sobrenatural se mostrava ali na areia. Nada parecido com a vida cotidiana. Santos baixavam em moças e senhoras, que dançavam e se contorciam, falando palavras, frases que não se entendia. Se ameaçavam cair, eram amparadas e levadas para dentro das tendas. Também acontecia de alguém que apenas assistia, subitamente ser arrebatado e manifestar a presença do santo. 

O som constante dos cantos e dos atabaques envolvia, tocava algo profundo, difícil de compreender. O corpo parecia querer entrar no transe, se deixar levar pelo desconhecido. Mas o medo, ou a razão, era maior e um passo era dado para trás, para fora da roda da assistência, para longe dos sargaços do fundo do mar. 

Mais seguro era andar entre as rodas, ver de longe, passear por entre as velas acesas em buracos cavados na areia. As pequenas luzes contrastavam com o mar escuro, de pequenas marolas que batiam na areia. Quando visto de longe, a noite dominava. Se fogos havia, eram para Iemanjá. Afastando-se, os atabaques ficavam mais distantes, as rodas dos terreiros menos visíveis, toda aquela movimentação menos presente. Ao voltar para casa o calendário já havia mudado, já era o novo ano.

artigo publicado em 30 de dezembro de 2021 no Diário do Rio.

Natal em Belo Horizonte

Avenida Afonso Pena - Belo Horizonte
Belo Horizonte era uma cidade calma, onde era fácil circular entre bairros, se você tivesse um automóvel. Aliás, esses não eram tão abundantes e os pedestres pareciam ainda não ter se acostumado com as regras que os empurravam para as calçadas quando o sinal estivesse fechado. Isso ficava evidente nas ruas mais movimentadas do Centro, em que as pessoas praticamente se jogavam sobre os veículos quando queriam atravessá-las.

A avenida mais importante da cidade, a Afonso Pena, tinha uma larga faixa central arborizada. Essa faixa era pavimentada em paralelepípedos, que separava as pistas asfaltadas por onde circulavam os automóveis. Duas fileiras de Fícus benjamina, espécie de árvore muito frondosa, marcavam as bordas dessa faixa, e ali aconteciam as feiras livres e outros eventos. Nas calçadas laterais havia mais árvores, o que fazia dessa avenida uma das mais belas da cidade. O poeta Carlos Drumond de Andrade a ela se referiu como um “túnel espesso de verdura”. Depois, as tais exigências do progresso, e o pretexto da infestação do inseto que aqui no Rio ficou conhecido como “lacerdinha”, levaram à erradicação de todas as árvores da faixa central da Afonso Pena.  Um dos maiores crimes paisagísticos e ambientais naquela cidade, cometido por algum prefeito obtuso.

Num desses anos da minha infância, passamos o Natal na casa da minha avó, que morava num bairro, àquela época, considerado afastado, já que ficava depois da Avenida do Contorno. Ela era uma senhora roliça, já cansada do trabalho de criar nove filhos sem muita ajuda do marido, mas que guardava uma risada gostosa. Muito católica, e sem muitos luxos, conduziu aquele Natal de forma singela. 

A principal atividade da noite foi a missa do galo, assistida na principal igreja de Belo Horizonte. Ir à missa noturna era um passeio diferente, que gerava curiosidade antes de acontecer. Mas era também um desafio contra o sono, que as palavras e cânticos repetidos provocavam. Toda a família compareceu à missa, assim como pareceu ser o caso dos moradores de outros lares, já que a igreja estava repleta.

Após a missa voltamos para casa, onde alguns presentes nos aguardavam. Não havia deslumbramento com os presentes, lembranças reservadas somente às crianças. Nada caro, tudo dentro das posses de uma família de classe média de então. Como a querer nos lembrar que o ato mais importante da noite, a missa, já tinha acontecido, fomos logo mandados para a cama. Apreciar os novos brinquedos era coisa para o dia seguinte. E o sono produzia a docilidade para seguir o que nos era indicado. Camas simples, árvore de natal simples, enfeites simples. A vida era simples.

 Bom Natal.


artigo publicado no Diário do Rio em 23 de dezembro de 2021.

Tombamentos legislativos?

Alerj - foto Roberto Anderson
O tombamento entre nós brasileiros significa o ato legal que protege um bem do nosso Patrimônio Cultural. O termo sempre gerou curiosidade, já que, aparentemente, carrega uma contradição. Tombar para proteger, uma vez que tombar está associado a derrubar? Pois esse é mais um dos vários caminhos tortuosos da etimologia das palavras. O nosso tombamento está associado à inscrição em livros guardados no Arquivo Nacional Português, e também à Torre do Tombo, em Lisboa, onde se situava tal arquivo.  

Antes de serem realizados, os tombamentos são precedidos por um estudo criterioso do bem cultural ou natural que se deseja proteger. São feitas pesquisas e visitas ao local, culminando num inventário que envolve, entre outros aspectos, a descrição do sítio, a descrição pormenorizada do bem e de seu estado de conservação, levantamentos arquitetônicos, a sua história, a análise de sua importância cultural e, mais recentemente, a definição de uma área de proteção da sua ambiência. Tais estudos são complexos, demandam tempo, diversas viagens, visitas a arquivos históricos, e envolvem profissionais de diferentes áreas, como historiadores, arquitetos e museólogos.

Toda essa preparação para o ato de tombamento está alicerçada em razões já consolidadas. É o momento em que se caracteriza o bem a ser protegido, se fundamenta as justificativas para tal proteção, e se estabelece os parâmetros para a sua preservação e futura conservação como bem cultural. Ela é também uma atitude de responsabilidade frente ao proprietário do bem, uma vez que o tombamento significa algum grau de interferência no seu direito de propriedade. A partir do ato legal, o proprietário, caso não concorde, pode recorrer ao Conselho de Tombamento. Mas, uma vez consolidado, o tombamento se agrega ao registro do imóvel nos cartórios e impõe obrigações, como a de não alterar o bem sem autorização do órgão de Patrimônio, não o desfigurar e, sobretudo, não o demolir.   

Pelas razões acima expostas, vê-se que o ato de tombamento deve ser impessoal, técnico e lastreado em informações e estudos sólidos. E muito importante, ele não pode servir a razões de disputa política, retaliações entre inimigos políticos ou perseguição. Ele deve ser, fundamentalmente, um ato de Estado, considerando os interesses da coletividade. Tradicionalmente, e lastreado na Constituição, o ato de tombar tem sido uma prerrogativa do Poder Executivo, o mesmo que dispõe de quadros técnicos, de um órgão de proteção ao Patrimônio e, teoricamente, de uma continuidade de políticas públicas.

Mas eis que nos deparamos com uma realidade cada vez mais frequente: o tombamento pelo Poder Legislativo. Precisamos falar sobre isso. É natural que os parlamentares se interessem pela preservação do Patrimônio, legislem sobre o assunto, apoiem campanhas contra a perda desse Patrimônio e, eventualmente, busquem agir numa emergência. Alguns vereadores do Rio de Janeiro, por exemplo, foram grandes aliados contra a demolição do Quartel General da Polícia Militar, pretendida pelo ex-governador Sergio Cabral. O problema está quando o Parlamento decide ele próprio realizar tombamentos.

A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro tem sido profícua em propor tombamentos. Até recentemente os governadores fluminenses não reconheciam esses atos e não promulgavam as leis realizando tais proteções. Mas desde o governo Pezão abriu-se a porteira, passando o governador a considerar válidas tais leis. Como a Alerj é rápida na proposição de tombamentos, ela já se interessou em preservar os mais diversos bens, incluindo-se a casa do ex-deputado Sivuca, do Esquadrão da Morte. Não há estudos aprofundados que embasem tais “tombamentos” e não há quem se responsabilize pelo acompanhamento futuro desses bens. Para o contribuinte fica a dúvida. O “tombamento” estará valendo? O imóvel poderá se beneficiar de isenções fiscais? Quem atesta a adequação do bem para se candidatar a tais isenções?

O Poder Legislativo pode editar leis tratando de normas gerais e abstratas para a proteção do patrimônio histórico, cultural, artístico e paisagístico. Quando ele legisla sobre um bem específico, ou seja, produz uma lei de efeito concreto sobre um bem, ele está ultrapassando a benéfica separação dos poderes. Essa, além do mais, é uma ação de caráter administrativo, de prerrogativa do Poder Executivo.

Outro aspecto a ser mencionado é a profusão de tombamentos de bens imateriais pelo Poder Legislativo. Além dos problemas já apontados, há a impropriedade do uso do termo tombamento, apropriado a bens materiais, e a banalização da proteção ao Patrimônio imaterial. De forma semelhante ao que ocorre nos tombamentos, o reconhecimento de uma manifestação cultural como Patrimônio Imaterial exige um longo e aprofundado processo de estudo, assim como um plano de salvaguarda daquela manifestação no futuro. Não se trata de uma mera canetada.

No ponto em que chegamos, parece muito difícil recolocar o gênio na garrafa e esperar maior contenção do Poder Legislativo. É preciso reconhecer também a legitimidade do interesse de certos parlamentares pela proteção do Patrimônio. Uma saída para tal impasse seria a criação de uma norma de proteção emergencial pelo Parlamento, a ser posteriormente confirmada pelos Conselhos de Patrimônio locais, dirigida apenas a bens sob ameaça iminente de destruição. Dessa forma, o Poder Legislativo teria um importante papel de correção de situações provocadas pelo Poder Executivo ou por ele ignoradas. 

Mas para que se chegue a alguma solução para a confusão que se estabeleceu com os “tombamentos legislativos”, é necessário um amplo debate que inclua constitucionalistas, especialistas da área de Patrimônio e os próprios parlamentares. É um caminho difícil, mas que precisa ser tentado.

artigo publicado em 16 de dezembro de 2021 no Diário do Rio.


Estrada de pedras

Aiuroca - foto Roberto Anderson

 

Caminho por uma estrada,

dessas onde se pisa em cristais,

em malacacheta,

em terra vermelha,

em pedras esfarelando ferro.


Trecho de caminho,

não leva a lugar algum.

Vales e montanhas

confundem a vista.

Lá atrás, serras azuis.

Aqui, só pedras e árvores, retorcidas.


Um silêncio imenso.

Apenas entrecortado,

por meus passos.

Fazem chiar as pedras.


Nas bordas dessa estrada,

segredos guardados.

Há tempos não vistos,

por olhos de cobiça.

Pepitas. 


O passo resvala.

Uma pedra solta vai cair mais adiante.

Revela belo cristal,

futuro enfeite na escrivaninha.


A me acompanhar,

passadinhas ofegantes,

de dois cachorros vagabundos.

Poeira deixada para trás.


Escondidos na mata,

pássaros enviam seu canto desconfiado.

Paisagem imutável,

que traz lembranças de criança,

nas Minas Gerais.


publicado no Diário do Rio em 09 de dezembro de 2021

A feiura das cidades

Peró - Cabo Frio - foto Roberto Anderson
A paisagem circundante pode ser de mar ou de montanha, agreste ou verdejante, mas uma coisa pouco muda: ao se entrar na cidade local, a mesma falta de graça. Calçadas estreitas, quando existentes. Falta de arborização, asfalto esburacado e prédios de dois ou três pavimentos agressivamente debruçados sobre as ruas.

Caixotes de matéria dura, lajes empilhadas sobre paredes, nem sempre emboçadas. Se emboçadas, nem sempre pintadas. Aberturas mínimas, janelas basculantes ou de esquadrias de madeira pré-fabricadas, arrematadas em cima por arcos mal traçados, na lógica simplificadora das construções nesse Brasil afora.

A tecnologia do concreto armado democratizou o conhecimento da construção civil. Nas comunidades, familiares se reúnem para bater uma laje, colaboração que barateia os custos. Só não o fazem com mais frequência pelo preço dos materiais. Quem pode, logo substitui o barraco de madeira por casas mais firmes, em alvenaria. Mas a necessidade nem sempre dá espaço para a beleza. A utilidade se sobrepõe à formosura.

Mas não se está aqui a falar das favelas, e sim das cidades como um todo, que grandes, pequenas ou médias, parecem ser levantadas por quem perdeu a sabedoria de como bem edificar. Cidades coloniais, como Paraty e Ouro Preto, amadureceram durante séculos. E se beneficiaram do conhecimento sedimentado ainda no Reino de Portugal. Seguiram o modelo, com improvisações e adaptações aos materiais disponíveis por aqui. E o que dizer da sensibilidade que se vê nas casinhas de frontões recortados e de fachadas coloridas de algumas cidades do Nordeste? Essa beleza não tem mais espaço na cidade utilitária. O que se vê é a arquitetura das carências e dos objetivos imediatos.

As administrações locais talvez não saibam, ou não queiram, definir parâmetros que auxiliem na construção de espaços urbanos mais agradáveis. Casas, que anteriormente tinham árvores nos quintais, são substituídas por edificações que ocupam 100% dos terrenos. Recuos em relação às calçadas são ignorados e paredes sem qualquer abertura podem estar voltadas para as calçadas. Sem as árvores dos quintais e sem árvores plantadas nos passeios, as ruas se tornam espaços áridos, difíceis de serem percorridas em dias de sol forte.

Os maus tratos com as cidades não são privilégios de quem faz edificações de pequeno porte. Projetos de edifícios altos, de grandes cidades, também se esmeram na tarefa de enfear o espaço urbano. Empenas cegas, alturas dissonantes da paisagem circundante, aparelhos de ar-condicionado e equipamentos de todo tipo nas janelas e marquises, e placas gigantes com os nomes das lojas e suas ofertas agridem o olhar do passante. A última novidade nesse quesito são as chapas reluzentes, em cores berrantes, que passaram a envolver as fachadas das lojas em ruas comerciais.

Pelo Decreto nº 38.314/2014, passou a ser obrigatória a colocação dos nomes dos projetistas nas fachadas dos novos edifícios do Rio de Janeiro. Essa, que no passado já foi uma prática usual na cidade, é uma maneira interessante de tocar os brios profissionais de quem projeta nossas cidades. Seus nomes estarão associados ao que de bom e de mau fizerem. Medidas assim talvez representem um possível incentivo a melhores projetos em cidades grandes e médias. Mas, e em cidades menores?

É preciso falar mais de arquitetura e de urbanismo, e escrever mais sobre o assunto. Exercer a crítica e a difusão de boas práticas e de bons projetos, assim como se faz em outras áreas, como o cinema, o teatro e as artes plásticas. Falar com carinho de ruas agradáveis e de projetos de arquitetura que emocionem. Levar a discussão sobre as cidades, suas histórias e o conhecimento das ruas às escolas. Mobilizar os vizinhos contra projetos que desfigurem os bairros. Talvez, assim, se consiga alcançar uma produção mais frequente de boa arquitetura e de boas cidades.

artigo publicado em 02 de dezembro de 2021 no Diário do Rio.


domingo, 28 de novembro de 2021

Patrimônio negro

Cais do Valongo - foto Roberto Anderson
No mundo todo, a noção de Patrimônio passou por uma revisão conceitual, que implicou na ampliação das categorias e bens a serem considerados como tal. No Brasil, como não poderia deixar de ser, essa evolução levou à incorporação de bens que não se enquadram nas visões tradicionais sobre arte e cultura, mas que são pertinentes ao conceito mais amplo de Patrimônio Cultural. Como consequência, houve a abertura para a proteção também de bens que foram elaborados por pessoas negras, ou que estão embebidos de valores da cultura negra. Esse é um aspecto importante do processo de ampliação da visão sobre Patrimônio, não ainda devidamente ressaltado, e que apenas começa a ser observado na ação do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural, o Inepac.

O que se quer chamar a atenção aqui é para uma situação bastante diferente daquela observada, por exemplo, no tombamento da Fazenda Machadinha, em Quissamã, onde a senzala foi preservada como parte do conjunto. Aliás, ela é atualmente o único elemento daquele conjunto ainda razoavelmente mantido, já que a tradicional incúria com os bens de Patrimônio levou ao arruinamento da casa grande. Não se trata, tampouco, do tombamento de boa parte da arquitetura produzida até o século XIX, que usou mão de obra escravizada.

O tombamento, em 1984, da Pedra do Sal, na Área Portuária, é um belíssimo marco dessa possibilidade de novos olhares. É o reconhecimento dos valores agregados a um acidente físico pelo trabalho de braços negros, pela cultura do samba, pelo estabelecimento de um território negro na Cidade do Rio de Janeiro, a Pequena África, e pela afirmação da ocupação de um lugar.

Em 1983, já havia ocorrido o tombamento da Casa da Flor, obra da paciência e obstinação de Gabriel dos Santos, nascido em 1893, filho de ex-escravizado, que juntou caquinhos de cerâmicas para fazer uma linda casa de sonhos em São Pedro da Aldeia. Nesse mesmo ano ocorreu o tombamento do mural “Samba e Carnaval”, de Di Cavalcanti, realizado em 1929 no Teatro João Caetano, o primeiro mural modernista do Brasil. Lá está uma representação do povo brasileiro, da sua música, mulheres e homens negros, o morro e a vida das ruas.

Em 2001, o Estado do Rio de Janeiro tombou a igreja de Santo Elesbão e Santa Efigênia, no Centro, construída por uma confraria de negros, reverenciando os dois santos que, mesmo sendo ambos etíopes, viveram em momentos distintos. Infelizmente, ela não se encontra bem conservada. E em 2016, foi feito o primeiro tombamento pelo Estado de um terreiro, a Casa de Candomblé Ilê Axé Opô Afonjá. Ele havia sido fundado em 1896 numa casa na Pedra do Sal, tendo se mudado em 1947 para o local atual, um loteamento de casas simples em São João de Meriti.

Em 2018, em sequência ao reconhecimento pela Unesco como Patrimônio Mundial, o Inepac realizou o tombamento do sítio arqueológico do Cais do Valongo, que hoje é o ponto focal da memória da escravização e do traslado forçado de africanos para o Brasil.

Sem os avanços ocorridos na compreensão da complexidade da produção cultural, e a consequente ampliação do conceito de Patrimônio, bens ligados à cultura negra não teriam sido enxergados e protegidos. Até o momento, são esses os bens dessa natureza tombados pelo Estado do Rio de Janeiro. Poucos, não é mesmo? Mas a porta se abriu e é preciso passar.

artigo publicado em 25 de novembro de 2021 no Diário do Rio.

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

O Serro e a mineradora

Igreja de Santa Rita - Serro - foto Rogério Emerson

A cidade em que nossos pais nasceram, quando diferente da nossa, é um pouco como o segundo time do coração. A cidade da minha mãe é o Serro, em Minas Gerais. Dela, ouvia histórias, como a da caça a pepitas de ouro feita pelas crianças entre as pedras das ruas, após uma chuvarada. Ou a da marcha dos jovens se despedindo da cidade por terem se alistado para lutar na Segunda Guerra. Mas as melhores histórias eram sobre bailes no clube da cidade, quando minha mãe podia se gabar dos seus feitos como boa dançarina, de sua predileção por esse ou aquele parceiro de tango, e de como seu pai não achava nada apropriadas aquelas liberdades.

Visitei a cidade por diversas vezes ao longo da vida. Alguns tios e primos lá permaneciam e eu tinha onde me hospedar. Lá presenciei a força da enxurrada pelas ruas, imaginando se ainda seria possível encontrar pepitas. Lá vi uma procissão com as mulheres carregando pedras nas cabeças em cumprimento a promessas nem sempre atendidas. Lá subi em árvores gigantescas para comer bacupari. E lá conheci o “footing”, o hábito de passear todas as noites pela praça, indo e vindo, os brancos na parte externa e os negros na parte interna da mesma.

O Serro é uma cidade colonial do ciclo do ouro, protegida na primeira leva de cidades tombadas pelo Iphan, de onde já saíram brasileiros ilustres (essa frase sempre é usada por serranos) e que depois parou no tempo, como Parati, esquecida da rota do progresso. Foi nessa cidade esquecida que vi pela televisão a maior conquista da minha modernidade, o homem pisando na lua!

Mas isso foi quando já havia televisão nas casas. Quando a televisão chegou ao Serro, os donos das poucas casas privilegiadas se sentiam na obrigação de abrigar os vizinhos e amigos, além dos que se aglomeravam do lado de fora para ver pela janela as peripécias da novela O Sheik de Agadir. Depois o prefeito colocou uma televisão num poste da praça e as pessoas pararam de circular. Formavam uma rodinha em torno da tv. Mas quando, mais tarde, as tvs se popularizaram nas casas, a praça se esvaziou.

O Serro tem um queijo único, conhecido em diversas partes do Brasil, e tem uma linda festa de Nossa Senhora do Rosário. Na véspera da festa acontece a queima de fogos, que desenham a imagem da santa num mastro. Já no dia da dedicado à Virgem do Rosário, três grupos com roupas e instrumentos distintos desfilam pela cidade, após terem assistido à missa da manhã. Os caboclos são os mais vistosos, usam batom, cocares e saiotes de penas, brincos com pingentes, colares, peitilho com bordados e pedras coloridas e, às vezes, sob eles, camisas coloridas de times de futebol. Os caboclos manejam um pequeno arco de madeira, cuja flecha produz um som seco ao ser puxada contra o mesmo. O acordeom acompanha o ritmo produzido pelos arcos dos demais caboclos.   

Há também os catopês, com seus mantos de chita colorida, seus cocares, seus tambores e sua dança contida. E há os marujos, vestidos de marinheiros, tocando violões e acordeons, com sua música de influência mais europeia, marcada pelo ritmo das espadas do capitão riscando o chão. Acompanhados do rei e da rainha da festa, os três grupos vão às casas dos festeiros, que oferecem comidas e muita bebida. Circulam pela cidade e quando se encontram fazem as “embaixadas”, quando recitam falas imemoriais relembrando guerras passadas, a nau catarineta e um tanto de coisas que só os mais velhos sabem o significado.

Pois essa terra, de onde vieram minha mãe e toda a sua família, com suas igrejas e casario centenários, vive agora um conflito pela aceitação por parte do prefeito da instalação da mineradora Herculano na cidade. Ela se propõe a explorar uma jazida do mais puro minério de ferro ali adormecido por milhões de anos. E há os que se opõem à proposta em nome da defesa do meio ambiente e da qualidade das águas locais.

artigo publicado em 25 de fevereiro de 2021 no Diário do Rio

O pequeno ipê roxo de Laranjeiras

o ipê de Laranjeiras
Numa calçada da rua das Laranjeiras, ali quase em frente à rua Alice, havia uma muda de ipê roxo. Não era muito crescida, uns dois metros talvez. Não sei dizer quem plantou, mas isso não importa para nossa história. 

Estava plantada num canteiro defronte a uma loja, cujo proprietário se preparava para abrir um novo negócio. Por alguma razão, ele achou por bem dar um trato nesse canteiro, plantando espécies que ele julgava ornamentais, mas suprimindo o pobre do pequeno ipê. 

 

Sua ação foi filmada, ele sacudindo a muda, puxando para deslocar as raízes, que teimavam em se agarrar ao solo onde já tinham feito a sua morada. Transeuntes questionaram sua atitude, mas ele nada, seguiu em frente e sumiu com a nossa mudinha.

 

Talvez ele não soubesse que isso é um crime ambiental. Ou talvez, não se importasse. O fato foi denunciado. A Prefeitura foi ao local, plantou novo ipê e emitiu uma multa. E o dono da loja foi cancelado nas redes sociais, castigo dos mais temidos atualmente. Resta saber se aprendeu a lição. 

 

Árvores e mudas nas calçadas e praças são vítimas constantes de vandalismo. Como essa de Laranjeiras, centenas de outras são arrancadas, partidas, derrubadas pelo infame prazer de destruir. Muitas outras são envenenadas por obstruírem a vista de algum morador, ou por abrigarem morcegos e pássaros. E não podemos nos esquecer de que a própria Prefeitura realiza algumas podas muito questionáveis, deformando árvores ou cortando-as radicalmente. A empresa concessionária de energia é outra destruidora de árvores que impactam sua fiação, fiação essa que deveria ser subterrânea. Por sua ação, as árvores debaixo dos fios ficam abertas em taça ou pendendo para um único lado. 

 

Algo que talvez explique em parte essa relação abusiva de alguns moradores com as árvores urbanas é o fato de que os proprietários dos imóveis são responsáveis pela manutenção das calçadas defronte a seus imóveis. A Prefeitura se responsabiliza pela manutenção das pistas dos automóveis, mas não pelas calçadas dos pedestres! É um contrassenso que vai contra o movimento mundial de valorização dos espaços dos pedestres e da facilitação do hábito de caminhar, com redução dos espaços destinados aos automóveis. Na situação atual, é como se somente os automóveis fossem importantes para o poder público.

 

Em geral, é a Prefeitura quem planta as mudas de árvores nas calçadas. Mas é o morador quem deve arcar com o conserto da pavimentação. E ele o faz como pode, ou como acredita ser satisfatório, estando os controles da municipalidade um pouco frouxos. Aí, ele se acha dono da calçada, podendo expulsar moradores de rua, gerenciar o que é plantado defronte, tapar os espaços destinados a futuras árvores, ou cimentá-las até o tronco.

 

O pequeno ipê de Laranjeiras foi substituído. A pronta reação dos vizinhos foi fundamental para que esse fato não passasse em branco. Agora nos resta torcer para que a nova muda, ainda frágil, encontre o caminho do sol, cresça e floresça. Laranjeiras agradece.


artigo publicado em 18 de novembro de 2021 no Diário do Rio.

quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Meio ambiente, quem se mobiliza?

Caminhada pelo Clima no Rio de Janeiro em 2014 - foto Roberto Anderson
Sábado, 6 de novembro de 2021, dia de Ação Global pela Justiça Climática. Debaixo da chuva fria, milhares de pessoas vibrantes, a maioria de jovens, marcham em Glasgow, onde se desenrola a COP26. O mesmo acontece em centenas de outras cidades do mundo. É noticiado que também no Brasil, em cidades como Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Fortaleza teriam ocorrido manifestações. Alguém viu?

Eleições recentes em nações europeias mostram o crescimento dos partidos ambientalistas. Eles parecem mobilizar as melhores esperanças da juventude daqueles países. Na Alemanha a representante dos verdes chegou a estar à frente nas pesquisas. De qualquer maneira, o futuro gabinete alemão deverá contar com uma importante participação dos verdes.

 

Mas no Brasil o movimento político ambientalista não consegue avançar muito. Os dois partidos mais ligados às questões ambientais lutam para superar as cláusulas de desempenho. A maior parte da juventude, quando se mobiliza, deposita suas esperanças de mudanças nos partidos de esquerda. Estes, apesar de assumirem algumas bandeiras ambientais, nem sempre compreendem muito bem a falência do desenvolvimentismo a qualquer custo, do século XX. 

 

No passado, a natureza brasileira serviu de material simbólico para a construção de uma nacionalidade romantizada. Do indianismo no segundo Império, passando pelos abacaxis e palmeiras de Carmen Miranda, ao tropicalismo, a natureza brasileira foi um forte componente da construção da identidade e da cultura nacional. Enquanto isso, os verdadeiros indígenas eram sistematicamente assassinados e a natureza real destruída. Hoje ela parece mais importante para quem vive no exterior do que para nós mesmos.

 

É preciso se perguntar por que razão, no país da maior diversidade ambiental, no país onde a destruição do meio ambiente é um fato presente, avassalador e criminoso, não há mobilização a contento por tais questões. Até já houve, mas não mais. O sacrifício de Chico Mendes, de Paulino Guajajara, e de tantos outros que lutaram pela preservação das florestas foi imenso. Muitos que ousaram lutar pagaram com a própria vida.

 

É verdade que mobilização tem sido artigo em falta no Brasil atual. Muita energia se dissipa nas redes sociais, mas não parece conseguir chegar às ruas. E motivos não faltam. Mais de 610 mil mortes, em grande parte evitáveis, conluio descarado entre parlamentares fisiológicos para inviabilizar o país, destruição de mecanismos de controle social do governo, retrocesso em questões comportamentais, desemprego, aumento da pobreza, a volta da fome, etc., etc.

 

Num país com tantos problemas sociais, talvez seja compreensível a primazia das questões sociais na mobilização dos que se dispõem a tentar mudar algo. Por isso, é fundamental que se alie a questão ambiental às questões sociais. Se partidos de esquerda souberam se apropriar de algumas bandeiras ambientais, o caminho inverso também deve ser trilhado. Partidos e movimentos ambientalistas precisam falar a língua da justiça ambiental, da percepção de que as questões ambientais atingem a todos, mas atingem mais fortemente àqueles socialmente mais vulneráveis.

 

É preciso renovação, caras novas, falando para os jovens, com credibilidade. É preciso quem se disponha a estar nas ruas com cartazes mambembes, dialogando com Greta Thunberg, Txai Suruí, Adenike Oladosu e Vanessa Nakate, porque o ambientalismo é internacionalista. A crise climática é real, bate às nossas portas, inunda bairros, provoca deslizamentos em encostas habitadas, produz incêndios intermináveis, destruidores, e sufoca com tempestades de poeira. Justiça social é inalcançável sem atenção ao meio ambiente e ao controle do clima. É hora de acordar.


artigo publicado em 11 de novembro de 2021 no Diário do Rio.

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

A mobilidade ativa é o futuro

Ciclovia na Tijuca - foto Roberto Anderson 
Enfim, começou a COP26 em Glasgow, que deveria ter acontecido um ano antes, mas foi adiada em função da pandemia. Ela representa um momento decisivo na luta contra o aquecimento global, já que os países deverão ampliar as suas metas de reduções de emissões dos gases do efeito estufa (NDC), tanto em termos de prazos, quanto em quantidades. 

O Brasil, que já foi um ator importante nessas negociações, chegou a Glasgow sem a presença de seu presidente e de seu Ministro do Meio Ambiente. Muito provavelmente isso se deve à dificuldade de encarar a comunidade internacional. Resultado das ações dos últimos anos de desmonte dos órgãos ambientais e de incentivo a invasões de áreas florestadas para o desmatamento e a realização de queimadas, além do garimpo, tudo à margem da lei. Para culminar, o governo brasileiro havia revisado as bases de cálculo das emissões de gases, aumentando a sua capacidade de emissão, o que contrariava o Acordo de Paris. Essa revisão resultaria em uma permissão para emissão adicional de 400 milhões de toneladas de gás carbônico equivalente (CO2e - métrica que representa todos os gases do efeito estufa em uma única unidade) em relação à meta anunciada em 2015, no que vem sendo chamado de “pedalada de carbono”. 

Na abertura da COP26, o governo brasileiro apresentou uma nova meta climática, mais ambiciosa na aparência, passando a redução da emissão de carbono dos prometidos 43% para 50% até 2030, e de neutralidade de carbono até 2050. Mesmo não tendo ficado claro qual será a base de cálculo utilizada para essa atualização, a nova meta apenas deverá reduzir à metade, ou até eliminar, a "pedalada de carbono" que o governo brasileiro vinha buscando. 

E como entra a Cidade do Rio de Janeiro nesse programa de redução de emissões? Sim, é fundamental o envolvimento das cidades, onde mora a maioria da população brasileira, e onde se dá boa parte das emissões danosas ao clima. A Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, assim como o governo federal, tem como meta para 2050 atingir a neutralidade das emissões de carbono. É o que consta do seu Plano de Desenvolvimento Sustentável. O Plano estabelece também a meta de reduzir em 20% as emissões de gases de efeito estufa até 2030, em relação ao ano de 2017. 

Segundo o Inventário das emissões dos gases do efeito estufa de 2010, o setor energia correspondia a 64% das emissões totais da Cidade do Rio de Janeiro. Por sua vez, o setor transportes correspondia a outros 64% das emissões do setor de energia. Esse é, portanto, um setor chave para se alcançar reduções das emissões. A boa notícia é que, de 2012 a 2019, o setor de transportes puxou a queda de 14% das emissões de dióxido de carbono-equivalente na cidade, com decréscimo de 24 % nos 7 anos. A alta do preço dos combustíveis pode estar por trás dessa redução, já que desincentiva o uso de automóveis. 

Mas não podemos depender da alta dos combustíveis para reduzirmos as emissões de gases pelo setor de transportes. São necessárias ações concretas, como a eletrificação dos veículos, inclusive os coletivos. O Plano da Prefeitura propõe eletrificar 100% da frota de ônibus municipal até 2050, ou seja, em 30 anos. A Prefeitura de Niterói já deu início a esse processo, e planeja a eletrificação de 10% da frota de coletivos até 2024. 

É fundamental, ainda, um maior incentivo ao emprego de mobilidade ativa ou não motorizada, o que inclui melhores condições para a caminhabilidade. Item fundamental na redução das emissões é a facilitação do saudável hábito de caminhar. Para tanto, nossas calçadas precisam ser muitíssimo melhoradas. Em geral, elas são estreitas, mal pavimentadas, com buracos e excesso de obstáculos, como bancas de jornais que ocupam mais da metade da sua largura. 

O Planejamento de Desenvolvimento Sustentável e Ação Climática da Cidade do Rio de Janeiro propõe quadruplicar as viagens por bicicleta até 2030. É um objetivo importante, mas que necessita de ações imediatas, já que 2030 está logo ali. Para iniciar, seria fundamental uma revisão da situação das atuais ciclovias, ciclofaixas e ciclorotas da cidade Em geral, a pavimentação das mesmas está muito deteriorada. Pedalar nas ciclovias cariocas, às vezes, é como estar numa pista de mountain bike. Se já é difícil ocorrer a manutenção das pistas de rolamento de automóveis, cujos usuários pagam IPVA, muito menor, ou quase inexistente, é a manutenção da pavimentação e dos limites das ciclovias. Outro problema recorrente é o uso das ciclorotas como área de estacionamento em fila dupla. Somos indisciplinados, mas se o poder público não fiscalizar a contento, a coisa só piora. 

Muitas ciclovias cariocas são, na verdade, pistas em que os ciclistas competem com os pedestres pelo mesmo espaço. Se no início da implantação do programa isso era compreensível, hoje em dia, com o aumento do número de ciclistas, essa é uma situação indesejável. Há também ciclovias ou ciclofaixas que ocupam 100% do que um dia foi uma calçada. Essa não é uma boa competição. Não é correto que o transporte cicloviário cresça pela redução da qualidade dos espaços destinados aos pedestres. 

Nova Iorque planeja alcançar 2.200 Km de vias cicláveis. A Prefeitura de Paris, apenas em 2020, construiu 170 km de novas ciclovias na cidade, o que fez o deslocamento sobre bicicletas aumentar 62% em dois anos. A Rue de Rivoli, que já contava com calçadas generosas, foi quase que inteiramente tomada por ciclovias. Em Milão, um plano de 2020 propõe transformar 35 km de ruas em espaços para pedestres e ciclistas. Barcelona, que já contava com 300 km de ciclovias, após a pandemia ganhou mais 21 km de espaços para bicicletas. As principais cidades do mundo caminham nessa direção. Não queremos ficar para trás. É preciso radicalidade na priorização da mobilidade ativa, o que ainda não temos visto por aqui. O futuro vai ser assim.

artigo publicado no Diário do Rio em 04 de novembro de 2021.

quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Amsterdam

Amsterdam - foto Roberto Anderson

Amsterdam

Amsterdam, esquina do mundo,

a vida é risco?

Descer as escadas, correr os canais,

buscar em bares enfumaçados

a salsa franco-caribenha,

o regae cubano, molhado de Heineken beer.

 

Sair porta afora,

entrar na do lado.

Um cachorro no salão,

o palco mambembe,

a ilusão dos beatnicks congelados,

rock, twist and blues.

 

A paquera sem futuro,

o charme jogado fora,

e o corpo acompanhando.

Desejo logo esquecido,

mudado em outra coisa,

e o ouvido zumbindo.

 

Sentir-se no mundo,

sem projeto imediato.

Absorver o entorno,

só ocupando um espaço.

Viver como existir,

flanando...


publicado em 28 de outubro de 2021 no Diário do Rio.

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Jardins de Chuva

Jardim de Chuva na Rua Alm. Gonçalves, Copacabana - foto Hanna N. Casarini

A COP 26 Glagow 2021 está prestes a começar e o mundo, ou pelo menos as pessoas bem-intencionadas, se pergunta se os dirigentes dos países estarão à altura dos desafios do momento. Se eles serão capazes de adotar medidas eficazes frente à gravidade da crise climática já em curso. Dos atuais dirigentes brasileiros esperamos pouco. Que, pelo menos, não contribuam para um isolamento ainda maior do país, que já foi um ator importante nas negociações ambientais em fóruns mundiais. Que não aumentem a nossa vergonha, já imensa. E que compreendam que mentir sobre o avassalador desmatamento que ocorre no Brasil, testemunhado por todos os satélites, é inútil.

Os problemas ambientais são gigantescos, com acúmulo de ações equivocadas, para dizer o mínimo. E agora a crise climática bate às nossas portas, provocando no Brasil o desaparecimento da água que cobria imensas áreas, tanto do Pantanal, como em outras regiões, a ocorrência de secas prolongadas, e de enchentes. As tempestades de areia que vêm se abatendo sobre algumas cidades brasileiras, em geral cercadas por extensas áreas do agronegócio, e com grande desmatamento, são o alerta de que o futuro poderá ser como um filme-catástrofe.

Abordagens ambientais nos projetos de intervenções urbanas podem contribuir na busca por soluções que mitiguem os danos já existentes. E ajudam na adaptação das cidades às exigências desses novos tempos. Um marco importante nesse sentido se deu com o livro O Jardim de Granito, de 1984, da autora Anne Spirn, que reuniu experiências que já vinham sendo tentadas em diversos lugares. Ela afirma:

Para o olhar desatento, as árvores e parques são os únicos remanescentes da natureza na cidade. Mas a natureza na cidade é muito mais do que árvores e jardins, e ervas nas frestas das calçadas e nos terrenos baldios. É o ar que respiramos, o solo que pisamos, a água que bebemos e expelimos e os organismos com os quais dividimos nosso habitat[1].

Entre as experiências que a autora analisa, está o projeto para Woodlands, no Texas, que ganhou o Prêmio Especial do Urban Land Institute. Segundo a autora, o projeto para a cidade trata a drenagem de águas pluviais com um sistema natural, composto por áreas de absorção das águas pluviais pelo solo, várzeas arborizadas e os vales de cursos d’água para escoar aguaceiros. As várzeas arborizadas que recebem as águas pluviais são também locais para parques e trilhas através da cidade.

É o que hoje chamamos de cidade-esponja, aquela que, através de uma série de recursos técnicos, é capaz de absorver as águas da chuva no seu próprio solo. Tal cidade tem uma drenagem das águas pluviais que não contribui para mais enchentes. Drenagem sustentável e a necessidade do aumento de áreas verdes nas cidades são duas questões, dentre muitas, para as quais se tem buscado novos formatos. São as chamadas soluções baseadas na natureza (SBN).

Dentre elas, os jardins de chuva despontam como uma ideia engenhosa, que busca captar as águas das chuvas em calçadas e ruas, permitindo que as mesmas se infiltrem no solo. Isso exige o cuidado de que os poluentes do asfalto não contaminem os lençóis freáticos. São então previstas camadas de brita e tecidos filtrantes que retenham tais poluentes. É importante que as plantas escolhidas para esses jardins sejam capazes de resistir a momentos de inundação do seu solo.

No Rio de Janeiro, o arquiteto Pierre-André Martin e a paisagista Cecília Herzog, incansável divulgadora das SBN, foram pioneiros na introdução desse conceito. Em 2019, eles conduziram uma oficina para a construção de um jardim de chuva na Fundição Progresso. Em seguida, a arquiteta Claudia Grangeiro coordenou a criação pela Prefeitura do jardim de chuva da Rua Almirante Gonçalves, em Copacabana, que contou com a adesão dos moradores. E a Fundação Parques e Jardins vem incluindo esse dispositivo nos seus projetos para áreas públicas da cidade.

Medida importante no combate ao aquecimento global é a ampliação das áreas arborizadas das cidades. As árvores capturam o carbono da atmosfera, que na forma de CO² é um dos gases responsáveis pelo efeito estufa, que provoca o aquecimento. Uma ideia interessante, que vem sendo realizada em mutirões em São Paulo, é a chamada floresta de bolso, desenvolvida pelo botânico Ricardo Cardim. O nome lembra o conceito de pocket park, que se refere a parques de pequenas dimensões surgidos no meio da cidade de Nova Iorque. Mas a floresta de bolso pretende recriar o ambiente de diversidade arbórea e a proximidade entre as espécies, característica da Mata Atlântica. O Largo do Batata, no bairro de Pinheiros em São Paulo, é um exemplo dessa iniciativa.

Apesar de terem demorado um pouco, arquitetos e urbanistas estão cada vez mais sensíveis à necessidade de se trazer o ideal de sustentabilidade para seus projetos. O repertório de SBN cresce à medida que as pesquisas avançam e novas realizações demonstram o acerto dessa escolha. Como a maioria das cidades do mundo, o Rio de Janeiro se desenvolveu transformando espaços naturais, através do desmonte de morros, de aterros de lagoas, alagados e áreas litorâneas, do desmatamento, e da impermeabilização do solo. Se formos inteligentes, iniciaremos o longo processo de transição para uma cidade que conviva com a sua natureza, ao invés de agredi-la.       

artigo publicado no Diário do Rio em 21 de outubro de 2021.

[1] SPIRN, Anne Whiston. O Jardim de Granito. São Paulo: EDUSP, 1995, p. 20.

quinta-feira, 14 de outubro de 2021

O Père-Lachaise

 

Cemitério Père-Lachaise - foto Roberto Anderson

Numa tarde cinzenta, fria, uma visita ao cemitério Père-Lachaise em Paris. Em suas alamedas, que reproduzem para os mortos o sistema de ruas e lotes da cidade, reina o silêncio. Nele estão enterradas personalidades, como Edith Piaf, Balzac, Chopin, Molière e Proust. Cada sepultura conta uma história diferente. São mausoléus de famílias, com seus nomes tão franceses, e esculturas que podem representar dramaticamente a forma como morreu seu ocupante, ou o que de melhor sabia fazer em vida.

Hábitos curiosos se desenvolveram no Père-Lachaise. Jovens parisienses costumam vir cantar e se drogar junto à sepultura de Jim Morrison, do The Doors, que nela veio parar depois de uma overdose. A do jornalista Victor Noir tem uma escultura dele deitado, com riqueza de detalhes de sua vestimenta. O paletó está aberto, o sapato tem um salto muito alto, e a cartola está caída ao lado do corpo. As pessoas costumam alisar sua genitália, um pouco evidente, deixando-a brilhante, sem a pátina que recobre o restante da escultura. A sepultura de Oscar Wilde é um bloco de pedra rosada, contendo uma figura alada. É comum que seja beijada, como atestam as inúmeras marcas de batom que a recobrem.

No centro do cemitério, fica o edifício do forno crematório, austero. Suas chaminés emitem um som fino, um silvo que corta o silêncio. Ao seu redor, e no subsolo, fica o ossuário. Formando um quadriculado branco e preto, cada pequena tampa de mármore traz o nome das cinzas inquilinas, e uma foto ou uma flor de plástico. 

Uma senhora de negro estaciona seu carro perto de uma sepultura e, munida de uma vassoura, realiza uma pequena limpeza. Depois, satisfeita, se posta diante da mesma, ainda coberta de flores e começa as suas orações. Parece confiante de que assim o morto, quem sabe um ente querido, estará contente.

Outra senhora em vermelho passa ao longe. Ela se move, sumindo e reaparecendo por entre os mausoléus mais altos, com suas colunas e frontões. Chegando mais perto é possível ver que está elegantemente vestida, e que seu chapéu vermelho combina com o conjunto de saia e blusa também vermelhos. Seus passos são curtos e rápidos, seu salto alto ressoa nas pedras do caminho. Ela muda de direção, hesita, muda de novo, e se vai. Não mais é possível vê-la.

Em uma das alamedas principais, uma mãe passeia empurrando o carrinho de bebê. Num banco, várias senhoras idosas fazem tricô, matando, pacientemente, as horas de suas vidas. Mais adiante, um grupo de africanos da limpeza pública aproveita um momento de folga para se reunir, falar em sua língua, e rir alegre e ruidosamente. Espalhados por todos os lados estão os gatos, protegidos por uma associação que se criou para preservá-los assim, livres e sem donos.  

Num canto do cemitério estão as sepulturas perpétuas, não mais tocadas, transformadas em ruínas. As raízes das árvores invadiram as covas, levantaram lápides e peças de mármore. A poluição e o tempo apagaram as inscrições, e os jazigos das famílias foram jogados uns contra os outros, suas terras misturadas.

Vindo a tarde, aumenta o frio, que faz lacrimejar. Involuntariamente, o passante se torna mais um que sinaliza ter sido tocado pela tristeza. Recebe o olhar compreensivo das outras pessoas com quem cruza pelo caminho. Folhas caem.

artigo publicado em 14 de outubro no Diário do Rio

domingo, 10 de outubro de 2021

Obra em casa

A gente se sente insatisfeito. Os azulejos do banheiro não são bonitos, a combinação de cores entre piso e paredes não é das mais inspiradas. Foram feitos por outro morador, outro padrão de gostos. Mas mexer para que, não é mesmo? Obra dá trabalho, melhor adiar.

Com o tempo a umidade condensada no teto começa a escurecer. Está ficando bem feio esse negócio, mas a gente segue no propósito de adiar. Obra boa é na casa dos outros. Para engenheiros, arquitetos e aficionados, é tão bom visitar uma obra, ver o progresso da mesma, as coisas se transformando E depois, ir embora.

A potência da saída da água das torneiras começa a diminuir. A do chuveiro, nem se fala. Mas o processo é lento, a gente se acostuma, adapta o banho ao filete mirrado de água. O que não se suporta para fugir de uma obra na própria casa!

Mas chega um dia em que a realidade se impõe, passa da hora de fazer essa obra. O momento no trabalho não é o ideal, nem as finanças recomendam, mas uma decisão dessas é no impulso, de forma a evitar qualquer passo atrás. 

Feitos os orçamentos, se surpreendido com a realidade de que está tudo pela hora da morte, e se conformado com o inevitável vermelho na conta, fecha-se a empreitada com o mestre de obras. Ele rapidamente traz equipamentos, sacos, e roupas de serviço. Um canteiro de obras se instala na sua sala. Ele deve saber que se não agir rápido, o cliente periga voltar atrás. 

Tomada a decisão, manda a educação que a gente avise os vizinhos. Obra em casa é um desastre que afeta todos à nossa volta. Dá pena as marteladas que virão sobre as suas cabeças, a trepidação que vai infernizar os seus dias. Mas o consolo é que já se aturou o ruído de outras obras vindas de lá. É a vida em condomínio.

Plásticos pretos são estendidos sobre os móveis. Formas imprecisas dão conta de ali era o sofá onde até outro dia se assistia aos telejornais e às séries preferidas. A quebradeira começa e a poeira se espalha por todos os cômodos. Aquele quarto de serviço, um dia transformado em escritório, mas depois abandonado para se transformar no espaço dos entulhos, é o refúgio que resta. 

O banheiro já está no osso, os tijolos até aparecem aqui e ali. Mas a sua transformação no belo cisne ainda está distante. O momento é de viver com as poucas peças de roupa acessáveis e os utensílios recolhidos aleatoriamente. A vida não para, é necessário continuar a trabalhar no espaço exíguo entre as tralhas acumuladas no quartinho. O rombo nas finanças já está em curso, com tendência de alta, mas a esperança é a última que morre.

Em breve um belo banheiro, de visual clean, estará pronto, assim é esperado. A gente já se vê contente com a obra realizada. Mas que diabos, já se começa a perceber que pintura da sala e dos quartos está meio gasta, a pedir uma renovação. Será? Melhor adiar...

artigo publicado no Diário do rio em 07 de outubro de 2021.

sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Mudanças em imóveis tombados e em outros...

Largo do Boticário - foto Roberto Anderson
Na semana que passou, a Câmara de Vereadores da Cidade do Rio de Janeiro aprovou o Projeto de Lei Complementar (PLC) 136/2019, que trata da possibilidade de reconversão de uso de imóveis tombados e preservados na cidade. Ele se tornou a Lei Complementar (LC) nº 232, de 07 de outubro de 2021. Esse é um assunto que vem frequentando o noticiário e as discussões de arquitetos e urbanistas há algum tempo. Como pano de fundo está a situação de centenas de imóveis preservados na cidade, cujos proprietários alegam falta de recursos e de condições para mantê-los. A possibilidade de mudança de uso vem sendo apresentada como uma possibilidade de facilitar a solução de tais problemas, já que o uso residencial, especialmente quando unifamiliar, teria se tornado antieconômico.

Uma lei anteriormente aprovada, que permitiu a reconversão de uso dos imóveis do Largo do Boticário, é vista como uma experiência bem-sucedida, em relação aos objetivos acima citados. Atualmente o conjunto de casas do Largo do Boticário, que antes estava em franca deterioração, passa por uma obra que o transformará num hostel de padrão mais elevado, teoricamente viabilizando a sua manutenção. Se as casas devem se salvar, é possível que os vizinhos ainda venham a reclamar muito.

Em princípio, a mudança de uso de bens tombados ou preservados é uma ocorrência normal na vida útil dos mesmos. A vedação de mudança de uso a que os bens estavam submetidos era oriunda de restrições do zoneamento urbano da cidade. A LC 232/2021 viria assim abrir brechas nesse zoneamento, que permitissem tais alterações. É importante lembrar que o valor de Patrimônio de uma edificação, na maior parte dos casos, está na edificação em si, e não no seu uso. Igrejas podem se tornar teatros sem perderem relevância, residências podem se tornar escritórios. O que importa é a presença do bem na paisagem urbana local. Mas atenção, o PLC não cria restrições de novos usos para os bens tombados, o que poderá se mostrar problemático no futuro.

A LC 232/2021 ainda permite o fracionamento do imóvel original em unidades independentes, o que permitiria transformar um casarão unifamiliar em um imóvel com diversos apartamentos. Em tese, essa é também uma alteração aceitável, sempre se analisando caso a caso, pois não é possível haver uma regra geral para tais adaptações. Mas ela não seria uma intervenção aceitável caso implicasse em alterações substanciais na volumetria, nas fachadas, na estrutura do imóvel e na sua divisão interna. É sempre importante lembrar que, tanto a técnica construtiva, quanto as configurações dos espaços internos são também elementos portadores de valor de Patrimônio.

A LC 232/2021 até menciona a necessidade de respeito a esses elementos e a necessidade de aprovação das intervenções nos órgãos de Patrimônio. Mas atualmente tais órgãos estão bastante fragilizados, e a pressão dos empresários interessados será no sentido contrário àqueles cuidados. O Iphan passou por intervenções no governo Bolsonaro, que nomeou diversas pessoas alheias ao assunto Patrimônio para sua direção. Já o Inepac sofreu a ação de um interventor, bolsonarista de raiz, lá colocado pelo governador Witzel, que expulsou os técnicos que formavam a espinha dorsal do órgão. O interventor já não mais lá se encontra, mas os efeitos da sua ação destruidora ainda permanecem. 

Há um ponto na citada LC que merece toda a atenção, por ser um item que pode trazer consequências indesejáveis. Além da conversão de uso, é incentivada a construção de novas edificações nos terrenos dos imóveis tombados, por meio de diversas isenções de limites dos índices de ocupação. A aprovação dessas novas edificações, conquanto possível, só deveria se dar após uma análise extremamente rigorosa dos projetos a serem propostos, de forma a minimizar os impactos nas ambiências desses bens. Este item será sempre uma prova de fogo para a capacidade dos órgãos de Patrimônio de bem avaliarem os projetos propostos.

Por fim, a LC 232/2021 abre a possibilidade de reconversão para o uso multifamiliar, assim como o fracionamento em unidades autônomas, de todas as edificações que estejam situadas em áreas atualmente classificadas como Zonas Residenciais Unifamiliares, sejam elas protegidas por razões de Patrimônio ou não. Isso suprime, na prática, a existência de zonas unifamiliares em bairros, como Botafogo, Gávea, Alto da Boa Vista, Grajaú, Jacarepaguá e Santa Teresa.

A lei, que trata de imóveis tombados ou preservados, num de seus capítulos legisla sobre zoneamento urbano, se sobrepondo ao Plano Diretor. Aqui no Rio de Janeiro já se tornou usual os projetos legislativos trazerem esse tipo de contrabando. Foi o caso do Reviver o Centro, que também legislou sobre gabaritos de imóveis colados nas divisas no restante da cidade, alterando a Lei Orgânica do Município. O fato é que a nova legislação trará oportunidades de grandes mudanças nos imóveis tombados e preservados da cidade, assim como nos imóveis unifamiliares, mas também grandes desafios projetuais. Alguns efeitos poderão ser benéficos. Mas, certamente veremos alterações polêmicas pela frente.

Artigo publicado no Diário do Rio em 30 de setembro de 2021 (atualizado após a promulgação da Lei).