Viver no Rio é perigoso. Você toma um ônibus para o subúrbio e quando ele está no meio da avenida Brasil uns garotos armados e descamisados, com caras de poucos amigos, mandam a carroça parar. Ela vai ser levada para o meio de uma rua, onde outras já estão, para ajudar a bloquear a passagem da polícia. Você não tinha como saber, mas hoje é mais um dia de operação policial no complexo de favelas vizinho à avenida.
Os tiros comem soltos, todo mundo se agacha junto à mureta que divide as pistas centrais, onde o trânsito é lento, daquelas laterais, onde o trânsito não anda. A TV já está a postos e você pode até ser entrevistado no meio do tiroteio. Melhor ainda, a sua postagem com a gravação da aflição dos outros deitados ao seu lado pode viralizar, ganhar engajamento e multiplicar o seu número de seguidores.
Viver no Rio é uma delícia. A falta de chuvas nas últimas semanas impediu a chegada de esgoto clandestino às praias e a água está de uma transparência caribenha. Golfinhos foram avistados perto da arrebentação e a temperatura está uma beleza para quem não tem que trabalhar de terno e gravata no centro da cidade. A moçada continua aplaudindo o pôr do sol e sentar na Pedra do Arpoador lhe dá aquele conforto de saber-se um habitante da Cidade Maravilhosa.
Viver no Rio é estressante porque o ônibus não para no ponto ou, quando para, o faz no meio da rua, obrigando os passageiros a correrem até onde o motorista achou de parar. Dirigir no Rio é uma prova de paciência, porque motoristas param em fila dupla, onde bem entendem, não sinalizam que vão fazer uma conversão à direita ou à esquerda, fazem ultrapassagens que deixam marcas no seu carro e buzinam, buzinam muito. Tudo isso pode ser elevado à enésima potência se estivermos falando de motoristas de motos. Elas proliferaram mais do que uma praga de gafanhotos.
Viver no Rio é ter alguma amiga que toca tamborim em algum bloco de carnaval e poder receber as dicas dos desfiles mais secretos e geniais daquela festa. É encontrar os amigos de longa data para um chopp no bar da esquina, que estende suas mesas para o meio do asfalto, atrapalhando o trânsito, e onde as pessoas falam animadamente como se vizinhos não houvesse. Tudo isso num dia de semana, mesmo com compromissos seríssimos na manhã do dia seguinte.
Viver no Rio é ter um prefeito boa praça, que toca na bateria de uma escola de samba e é amigo das damas mais tradicionais do samba. É saber que esse boa praça é muito mais amigo dos investidores do mercado imobiliário, abrindo-lhes as portas do delicioso mundo da desregulamentação. Querem adensar e verticalizar ainda mais a Zona Sul? Pode. Querem legalizar aquilo que a legislação diz que não é permitido? Pagando pode. Querem deixar o Patrimônio se deteriorar até não mais existir ou construir um espigão ao lado de uma igreja tombada? Quer construir um shopping numa praça? Pode, porque o prefeito boa praça botou a pessoa certa para comandar os licenciamentos e liberar geral.
Viver no Rio é viver na expectativa dos shows da Madonna ou da Lady Gaga na praia, que reúnem multidões e fazem milhares de celulares desaparecer. É viver topando com turistas e artistas globais fingindo naturalidade. É pagar um pouco mais caro do que em outras partes do país para qualquer produto ou serviço. Se for um aluguel, pode ir se preparando para pagar os olhos da cara. Mas, com sorte, a sua vista, ou a nesga que você tem dela, é de um cartão postal.
Viver no Rio é viver em meio ao que sobrou da Corte, da capital federal, da sede do poder e dos negócios, de tudo o que um dia já foi belo e amigável, e se tornou graciosamente decadente e violento. É viver entre sobressaltos e êxtases, entre medos e esperanças, entre um descuido imenso com a cidade e um amor desmesurado por este lugar.