O último Censo revelou que, desde 2010, a Cidade do Rio de Janeiro perdeu um total de 110.123 pessoas, ou 1,77% de sua população. Somos agora 6.211.223 habitantes. São diversas as razões para essa queda, entre elas, a redução em 26,5% no número de nascidos vivos no município entre os anos de 2000 e 2020. Além da inédita perda de população da Cidade do Rio de Janeiro, observou-se a continuação do movimento iniciado décadas atrás de transferência de população entre bairros e regiões da cidade. Manteve-se a redução dos moradores das zonas Norte, Sul e Centro, em detrimento de toda a Zona Oeste. Por razões diversas, a população remanescente na cidade se muda para uma zona com pouca tradição urbana e pouca infraestrutura, obrigando o poder público a realizar obras e a construir equipamentos públicos. Enquanto isso, ao contrário do que seria desejável, áreas já com infraestrutura seguem perdendo população.
Ainda segundo o Censo 2022, a perda de população no Rio de Janeiro não foi um processo isolado, já que outras capitais, como Salvador, Natal, Belém, Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife e Fortaleza também tiveram reduções populacionais. Nas quatro primeiras a redução populacional foi acima de 5% nos últimos 12 anos. Da mesma forma, cidades próximas à capital fluminense tiveram redução de população. São Gonçalo teve uma redução de 10,3%, enquanto a perda de população em Nilópolis foi de 6,8%, em Petrópolis de 5,8%, em Duque de Caxias de 5,5% e em São João de Meriti de 3,9%. Em sentido contrário, houve crescimento populacional em Maricá, que mais que dobrou a sua população (+54,8%), Rio das Ostras, que quase dobrou (+48,1%), além de Nova Friburgo, Macaé, Carapebus, Seropédica, Resende, Porto Real e Parati.
A análise dos dados do Censo de 2022 na Cidade do Rio de Janeiro por bairros, realizada pela Prefeitura, suscita diversos questionamentos e possibilidades de estudos para entender a dinâmica populacional carioca. Entre 2010 e 2022, Jacarepaguá teve um aumento de 66.685 pessoas, o maior crescimento populacional absoluto, equivalente a um aumento de 42,39% de sua população, seguido por Recreio dos Bandeirantes, com aumento de 59.076 habitantes (71,83%), Guaratiba (46.756) e Santa Cruz (31.797). Também cresceram Camorim (137,01%) e Itanhangá (76,93%). Já a Tijuca teve o maior decréscimo populacional absoluto, com uma perda de 21.479 pessoas (-13.11%). Perderam população também os bairros de Vila Isabel, Penha, Copacabana, Complexo do Alemão e Realengo. Uma exceção curiosa na Zona Norte foi o crescimento de 81,38% do Rocha.
Toda essa movimentação populacional no território carioca é um fenômeno de grandes proporções, com implicações gigantescas para a dinâmica urbana da cidade. 73% dos bairros cariocas tiveram queda em sua população, enquanto somente aproximadamente 27% dos bairros tiveram aumento populacional. No entanto, esses 27% que tiveram aumento de população representam um território com uma área bem maior do que a área daqueles que perderam população, podendo indicar uma maior dispersão dos moradores, ou seja, uma menor densidade populacional. Por várias razões, mas especialmente do ponto de vista do meio ambiente, esta não seria uma boa notícia.
Perguntas precisam ser feitas pelos pesquisadores
sobre esses movimentos de população. O que teria ocorrido na Tijuca e em Vila
Isabel que, com respectivamente menos 21.479 e menos 20.228 habitantes, tiveram
as maiores quedas populacionais entre os bairros da cidade? Copacabana com uma
redução de 17.473 habitantes estaria sendo atingida por uma alta taxa de
mortalidade, em razão da sabida concentração de moradores de mais alta idade,
ou estaria sendo esvaziada para dar lugar a aluguéis de curto prazo, como o
fenômeno Airbnb?
A Área Portuária, objeto de uma Operação Urbana
Consorciada, o Porto Maravilha, cuja lei já tem quinze anos, seguiu perdendo
população nos 12 anos entre os dois últimos censos. A Saúde perdeu 873
moradores, representando uma perda de 31,76% da sua população. A Gamboa perdeu
1.692 moradores e o Santo Cristo 2.394. É bem provável que no próximo censo
esses bairros já mostrem aumento populacional, um reflexo dos tardios
empreendimentos habitacionais que lá vêm ocorrendo. Mas, essa perda até aqui
registrada denota um imenso fracasso das intenções inicialmente
divulgadas.
Em conjunto, projetos como o Porto Maravilha e o
Reviver Centro partem de premissas corretas, ou seja, é preciso incentivar a
vinda de novos moradores para essas áreas. Mas, há problemas na execução desses
projetos. Como a continuação de perda de população na Área Portuária
demonstrou, o projeto Porto Maravilha não privilegiou moradias, não reservou
áreas prioritárias para essa função. O resultado é que na primeira década do
projeto só foram construídos prédios de escritórios e hotéis. E houve expulsão dos
que lá já moravam, um efeito perverso, comprovado pelos números do Censo 2022.
Da mesma forma, o projeto Reviver Centro parece privilegiar unidades para
locação temporária, o que não tem capacidade de mudar a dinâmica populacional.
Um importante questionamento a ser feito é sobre a
dinâmica populacional nas favelas cariocas. Segundo o IPP, entre 2010 e 2022 a
área do município do Rio ocupada por favelas cresceu em 1.730.105,25 m2, uma
variação de 3,51%. Esse crescimento territorial, relativamente pequeno, não
espelha a realidade, já que as favelas estão se verticalizando a olhos vistos.
Mas, favelas importantes da Zona Norte parecem ter seguido a tendência de
decréscimo populacional daquela região. No Complexo do Alemão a redução foi de
impressionantes 14.941 moradores, a quinta maior perda do município. Em
Manguinhos foram menos 7.305, na Maré foram menos 4.938 e no Jacarezinho foram
menos 2.491. A Mangueira, com aumento de 412 moradores, ficou fora dessa
tendência.
Favelas da Zona Sul, como a Rocinha, a mais populosa
do Brasil, e Vidigal tiveram aumento de população com respectivamente mais
1.538 e mais 2.315 moradores. Rio das Pedras está inserida em Jacarepaguá, na
Zona Oeste, o bairro que teve o maior aumento populacional da cidade. O mais
provável é que também tenha tido crescimento de sua população. Já a Cidade de
Deus perdeu 5.939 moradores, enquanto a Vila Kennedy perdeu 3.457. A
paralisação do projeto Favela Bairro é um dos grandes equívocos da
administração municipal, ocorrida ainda na primeira administração do atual
prefeito.
A perda de população da Cidade do Rio de Janeiro deve
ser vista no quadro de crise das grandes cidades brasileiras, mas também da
perda de pujança econômica da cidade. Tal processo, naturalmente, drena
energias da cidade. Mas, se como visto, a cidade ainda despende investimentos
na sua reconstrução em novos territórios, estabelece-se um padrão de grande
ineficiência e de perda de recursos. Recursos esses que seriam valiosos para
melhorar as condições de vida da população que ainda aqui permanece. Falta planejamento
urbano e vontade política de implementá-lo. Mas, sobram iniciativas pontuais
voltadas para agradar um mercado imobiliário imediatista.
Artigo publicado em 24 de abril de 2025 no Diário do Rio.
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