O antigo Moinho Fluminense, que era propriedade da
Bunge Brasil, foi vendido à empresa Vince Partners em 2014. O Moinho, cujo
pó embranquecia as ruas no seu entorno, deixou assim de produzir farinha de trigo,
se tornando um ativo imobiliário. Inicialmente, ele seria objeto de um projeto
grandioso, englobando os seus diversos edifícios, apresentado como capaz de
mudar a dinâmica da Área Portuária. Haveria um shopping, hotel, centro médico e
salas comerciais, tudo divulgado por imagens impactantes desse futuro tão
incensado.
Em função desse projeto, em 2017, a empresa contestou
na justiça o processo que estava em curso para tombar o antigo Galpão das
Artes. Este era constituído por um edifício de fachada eclética voltada para a
rua principal e um galpão acoplado, com bela estrutura de ferro. O imóvel havia
sido da Prefeitura que, por sua vez, o havia recebido do governo federal.
Nessas transações, o coletivo de cenotécnicos que há décadas ocupava o Galpão
das Artes foi despejado. Apesar de ter qualidades arquitetônicas que
justificavam a sua preservação, o tombamento limitaria o potencial construtivo
do terreno, levando a empresa a se insurgir contra tal possibilidade.
Normalmente, quando um processo de tombamento já está
iniciado, a justiça, e a Prefeitura, tendem a garantir a existência do objeto
do processo de tombamento. Não foi o caso. O galpão foi demolido e desde então
há apenas um terreno vazio no seu lugar. Anos depois dessa demolição, o governo
estadual chegou a publicar o tombamento do imóvel, então já inexistente...
Em 2019, a Autonomy Investimentos comprou o Moinho
Fluminense da Vince Partner e também prometeu dar outro destino ao complexo de
edifícios. Mas, nada aconteceu e ele continuou vazio. Vendo que as grandes
promessas não se concretizavam, a Prefeitura do Rio de Janeiro chegou a assinar
a desapropriação do conjunto para buscar novas parcerias para o local.
Agora, ficamos sabendo da existência do projeto
"Mata Maravilha", saído da iniciativa empreendedora do francês
Alexandre Allard, que desenvolveu em São Paulo o complexo Cidade Matarazzo. O
projeto para o Rio envolveria o conjunto de imóveis do Moinho Fluminense e
vários outros ao redor, cobrindo uma área de 223,4 mil m2. Até mesmo o edifício
do 13° Batalhão da Polícia Militar, que é tombado, e galpões do Porto do Rio,
ou seja, da alçada de outras instâncias de poder, entraram no projeto.
A coisa toda é gigantesca, com duas torres de 70
pavimentos, arena para eventos e espaços para empresas e nômades
digitais. Estão incluídas também uma marina e um lago artificial,
algo como um Piscinão de Ramos de luxo, em área que atualmente ocupada pelo
Porto do Rio, ou seja alfandegada. Para tornar tudo mais palatável, as
torres são apresentadas como verdes, ou seja, com fachadas tomadas por
vegetação e arborização. Haveria o plantio de 50 mil árvores de grande porte, o
que representaria uma árvore a cada 5 m2, um evidente exagero. Na verdade, uma
impossibilidade. Não vale contabilizar aquelas que seriam plantadas nas
varandas das torres projetadas, pois entre os pavimentos somente são possíveis
plantas arbustivas, assim mesmo com a exigência de um forte reforço estrutural.
Todo o projeto é coisa de R$ 4,8 bilhões e
transformaria a tradicional Praça da Harmonia num local exótico, um lodge amazônico,
com plantas saindo de todos os lados e passarelas suspensas entre o verde. A
área que um dia foi mar, e depois serviu à atividade portuária e fabril, seria
reinventada como um paraíso tropical, pela visão do empreendedor
francês. A Prefeitura, que não compreende o valor da história e da paisagem da
cidade, entra como parceira desse empreendimento através de uma joint
venture.
Alguns meses atrás, a Prefeitura já havia lançado a
ideia de construir jardins flutuantes à frente de outros galpões do porto, ao
estilo do parque Little Island de Nova Iorque. A mesma Prefeitura, mais
recentemente, lançou o projeto de demolir o viaduto que liga o túnel Santa
Bárbara à Área Portuária, cujo nome, que homenageia o golpe militar, é bom que
seja esquecido. Tal projeto, também de grande impacto, exigiria um mergulhão
sob a Estrada de Ferro Central do Brasil e propiciaria a construção de diversos
novos imóveis ao longo da nova rua que se formaria, além de uma cópia do
Congresso Nacional.
Se acrescentarmos a esses três projetos o do estádio
do Flamengo e o do complexo residencial-cultural proposto para o terreno da
Estação Leopoldina, veremos que o que não falta à Prefeitura são lançamentos de
projetos. Nem sempre eles se concretizam, e muitos são lançados sem essa
expectativa. O importante parece ser a existência de imagens em série de
possíveis futuros para entreter o público. Um que já ficou para trás foi o das
Trump Towers na avenida Francisco Bicalho. O mesmo Trump que agora ameaça o mundo,
iria construir um paredão com vários prédios de 50 pavimentos naquela avenida.
O tempo dirá se o Mata Maravilha verdejará ou se logo será substituído por uma
nova imagem bombástica.
Artigo publicado em 10 de abril de 2025 no Diário do Rio.
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