Praça dos Três Poderes - foto Roberto Anderson |
As soluções absurdas advindas dessa tese são então listadas. Macedo propõe a substituição das paredes de vidro das edificações da praça dos Três Poderes por muros de alvenaria. E que as portas envidraçadas sejam substituídas por grossas portas de ferro ou madeira. Quase se pode concluir que o passo seguinte seria a criação de um fosso e de pontes levadiças.
O mais curioso é que, com sua formação, que passa a anos luz da formação dos arquitetos e urbanistas, o economista inicia suas proposições pela pergunta sobre o que fazer. Ele deve acreditar que está apto a prescrever receitas para a intervenção em obras de arquitetura. Como ele se sente à vontade para discorrer sobre soluções para alguns dos edifícios mais icônicos de Brasília, é possível imaginar que, na sua concepção, a arquitetura seria uma disciplina sem necessidade de formação específica, passível de ser equacionada na base de palpites de qualquer um.
Arquitetos, como Nádia Somekh e Hugo Segawa, já escreveram a respeito, contestando as ideias estapafúrdias do articulista, a sua falta de competência para julgar obras de arquitetura e para propor alterações tão drásticas, e a visão elitista do mesmo sobre cidades. Mas, nunca é demais buscar outros pontos de vista. Ainda mais quando a provocação é da arquiteta e amiga Fabiana Izaga.
Inicialmente, duas questões saltam aos olhos. Brasília é Patrimônio da Humanidade e como tal tem sua arquitetura protegida para o conhecimento e usufruto por novas gerações. Assim, as tontices propostas no artigo citado jamais poderiam ser implementadas. E o Capitólio, em Washington, que tem uma arquitetura tradicional, com altos muros e paredes espessas, tampouco ficou a salvo de uma invasão e depredação. Em comum às duas situações está o poder da construção de falsas narrativas por governantes e pessoas inescrupulosas, que são capazes de mobilizar multidões enfurecidas e iludidas.
As ameaças atuais à democracia não se detêm frente a edifícios de paredes mais sólidas. Após a explosão de um carro bomba em um prédio do governo americano em Oklahoma City, duas quadras da avenida que passa em frente à Casa Branca foram fechadas ao tráfego de veículos. Igualmente foi vedado o acesso de veículos nas proximidades da sede do governo britânico. E barreiras físicas foram colocadas próximas ao Parlamento britânico. Essas também são edificações robustas, características de um outro momento da arquitetura.
Os palácios de Brasília são leves e elegantes, projetados pelo genial Oscar Niemeyer. São belos exemplares da arquitetura moderna brasileira, pensadas para um país que respirava otimismo e almejava o progresso. São caudatárias da evolução da arquitetura e das técnicas construtivas, que passaram a exigir suportes cada vez mais delgados e a possibilidade de substituir a opacidade da alvenaria pela leveza dos panos de vidro. Os palácios de Brasília exibem o orgulho de uma arquitetura que, partindo de projetos inovadores, como os da ABI e do MEC no Rio de Janeiro, soube criar obras que foram celebradas mundo afora.
As sedes da República brasileira foram pensadas para criar proximidade com o povo. São vulneráveis, como se viu, porque o país da época da sua construção era outro, com uma população que se orgulhava e respeitava os símbolos do poder, que se imaginava seria sempre democrático. Isso parece estar em questionamento, pelo menos para uma parcela dos brasileiros. Para que voltemos à harmonia e à civilidade frente às instituições da República e suas sedes, e frente a obras de arte, precisaremos superar as enormes fraturas sociais que vivenciamos, enfrentar o poder da mentira e da desinformação, e, nunca é demais dizer, investir em mais educação. Enquanto isso é preciso restaurar pacientemente o que se vandalizou e passar a contar com uma guarda verdadeiramente comprometida com a proteção da República.
Artigo publicado em 26 de janeiro de 2023 no Diário do Rio.
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