O antigo aqueduto que trazia a água do rio Carioca para a velha cidade do Rio de Janeiro, conhecido como Arcos da Lapa, com o perdão do Cristo Redentor, talvez seja o monumento mais importante que aqui temos. É importante por ser uma notável obra de engenharia, ainda quando a cidade sequer era a capital da colônia. É importante também por sua bela e marcante presença na paisagem da área central. E é querido por estar no reduto da boemia e por dar passagem ao bondinho de Santa Teresa.
Durante o século XIX, e início do XX, a Lapa adensou-se, e inúmeras edificações ecléticas, e edifícios de apartamentos foram construídos no entorno dos Arcos. Assim, a visão que se tinha daquela obra passou a ser fragmentada, filtrada pela cidade. Três arcos no fim de uma rua, um arco da janela de um apartamento, os arcos em diagonal da sacada de um sobrado. Era assim que os Arcos eram vistos, e não havia nada de errado com isso. Até que as concepções urbanísticas dos arquitetos modernistas conseguiram se impor.
Uma avenida cortando a cidade de Norte a Sul começou a ser traçada. Para tanto, diversos sobrados da Rua da Lapa foram demolidos, assim como no Largo da Lapa. A avenida avançaria pelo que hoje é a SAARA, não fosse a preservação daquela área pelo Corredor Cultural. Da sua grandiosidade original só restou a atual avenida Paraguai, um trecho curto atravessando o vazio.
Vieram também projetos equivocados de conjuntos de prédios modernistas, de autoria de importantes arquitetos, entre eles Affonso Eduardo Reidy. Os projetos não foram adiante, mas as demolições que provocaram já estavam feitas. Sobrou uma Rua da Lapa como uma boca banguela, em que alguns sobrados estão no antigo alinhamento e os prédios mais recentes têm afastamentos exagerados. Sobrou também um Largo da Lapa desestruturado, um grande vazio, onde, como era caro aos modernistas, os Arcos deveriam reinar absolutos, sem um contexto urbano a lhes circundar. E vias cruzando em X num desenho ilógico.
Em 1992, com projeto do arquiteto Augusto Ivan, a Lapa foi reurbanizada. Uma das intenções do projeto era reordenar a geometria das vias, já que as diversas demolições ali ocorridas tinham resultado em calçadas estreitas, largas pistas para automóveis e sentidos conflitantes dessas vias em relação à disposição do casario. Havia ainda a intenção de dotar o entorno dos Arcos da Lapa de um projeto paisagístico que mitigasse o estrago já feito.
A intervenção realizada criou um anfiteatro no largo diante dos Arcos, em que os degraus eram construídos com lajedos, aquelas enormes placas de pedra que pavimentaram algumas calçadas da cidade no passado. Nos anos que se seguiram, esse anfiteatro recebeu diversas manifestações artísticas, como peças de teatro, apresentações de grupos circenses, espetáculos de rock e o animado carnaval da Lapa. Lá se reuniam os últimos foliões nas madrugadas da quarta-feira de cinzas.
No entanto, na primeira administração do atual prefeito, seu então secretário para todos os assuntos urbanos e Patrimônio cismou com o anfiteatro. Talvez fosse um preconceito estético, talvez uma tentativa de evitar que crianças de rua ali se escondessem. O fato é que o anfiteatro foi demolido.
No seu lugar ficou apenas uma área pavimentada, pobre em termos de concepção paisagística. Os lajedos foram dispostos em semicírculo e as pedras costaneiras, algumas já muito danificadas foram reaproveitadas. Não houve sequer o cuidado de substituir aquelas já muito danificadas, resultando em verdadeiros painéis de caquinhos. A cidade perdeu um espaço de apresentações artísticas e poucos se deram conta disso. E os Arcos, bem ao gosto dos modernistas, ficaram olimpicamente isolados na paisagem.
Artigo publicado em 07 de setembro de 2023 no Diário do Rio.
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