No metrô, vi passar um nobre. Não uma nobre pessoa, mas alguém que se cria nobre, alguém imbuído da convicção de ser um! Ele até se vestia de forma simples. Usava um boné de couro, e uma roupa que em nada diferia da de um trabalhador. Mas ele era nobre. Ou se sentia assim. Como um nobre, acreditava-se acima dos demais, e praguejava contra a plebe. Esse era o termo que ele usava para reclamar dos que, segundo ele, não sabiam se comportar num local público.
É certo que a nobreza não frequenta o transporte público. Mas lá estava ele. Ele e a sua estranha noção de superioridade. Sua convicção era tamanha, que ele não temia expressar em alto e bom som a sua contrariedade em relação à gente que o cercava. Escudado no seu suposto sangue azul, não tinha medo de ser confrontado ou contrariado.
As barbaridades que dizia, de tão absurdas, o protegiam. Quem o contrariaria? Por outro lado, talvez buscando manter seu status, ele não falava alto ou gritava, como alguém da sua imaginada plebe o faria. É provável que isso, além da sua idade um pouco avançada, também o protegesse da fúria dos que porventura se sentissem atingidos. Sua reclamação era dita num tom cortês e só espantaria se o ouvinte apurasse o ouvido, em meio a pressas e conversas dos demais passantes.
A grande cidade é o lugar onde estranhezas podem ocorrer. Deslocados, bizarros, excêntricos, ou mesmo ultrajantes, seguem seus caminhos, quase sem serem importunados. Com tantos afazeres e preocupações diversas, tanta gente em volta, estranhezas mil em incontáveis escalas, quem haveria de pausar a sua vida corrida para criar caso com um lunático? O profeta Gentileza ou a mulher de branco de Ipanema puderam seguir com suas obsessões sem terem de se preocupar com grupos de crianças a lhes atormentar o juízo. Na grande cidade, seus delírios são parte da paisagem.
Observá-los e dar-lhes ouvidos, isso sim, deve ser algo fora da normalidade.
Artigo publicado em 29 de agosto de 2025 no Diário do Rio.