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| Edifício ao lado da Santa Casa do Rio de Janeiro demolido para a construção de estacionamento |
Na Avenida Presidente Antônio Carlos, na lateral da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, há um imenso terreno vazio, em formato triangular. Atualmente, ele é ocupado por um estacionamento. Um terreno com um uso assim espúrio, numa avenida importante da cidade, é um grande contrassenso. Essa estranheza é maior quando se considera que abaixo das pistas dessa mesma avenida foi construído, na administração Conde, um estacionamento subterrâneo. E que logo adiante, na Praça dos Expedicionários, vizinha ao terreno em questão, há ainda outro estacionamento subterrâneo bem mais antigo. Consta que este ocuparia um antigo abrigo antiaéreo.
Esse excesso de estacionamentos no Centro, alguns produzidos pelo Poder Público, é uma mensagem contrária ao incentivo ao transporte público. Constrói-se um metrô, implantam-se VLTs, BRTs e BRSs, além da existência do trem com mais de 150 anos, mas o transporte individual continua a ser incentivado. Nada mais contraditório. Já passou da hora de reduzir drasticamente a oferta de estacionamentos para automóveis no Centro, principalmente ao nível do solo, em terrenos que poderiam ser utilizados para fins mais nobres, como moradia, comércio ou serviços.
Mas, o nosso terreno ao lado da Santa Casa nem sempre foi um espaço não edificado. Ali havia uma construção, provavelmente do início do século XX, que seguia as linhas arquitetônicas da Santa Casa. Essa construção havia ganho um andar a mais, uma intervenção muito equivocada e mal feita. Mas, sem esse acréscimo, ela seguia perfeitamente integrada à edificação centenária. Ocorre que a direção da Santa Casa quis vender o imóvel vizinho para fazer fundos. Essa venda pressuponha a demolição do prédio lá existente para a construção de um edifício de ... estacionamento. O projeto previa um edifício com fachadas de vidro, pouco condizente com a ambiência da Santa Casa, mas não mais alto que esta última.
É importante lembrar que a Santa Casa é uma das edificações mais antigas da cidade. Ela existe desde o século XVI, apesar de sua atual fachada ser de meados do século XIX. Inicialmente, a maioria do Conselho de Tombamento do Inepac foi contrária à demolição da edificação vizinha à Santa Casa. Mas a então direção-geral, que buscava atender aos interesses daquela instituição, promoveu gestões junto ao Conselho que o levaram a aprovar a demolição. Uma verdadeira perda para a ambiência da Santa Casa, tombada em dois níveis administrativos.
A proteção da ambiência dos bens tombados é uma evolução do pensamento sobre o Patrimônio. Ela é fruto da percepção de que não basta preservar uma edificação e permitir que tudo mude à sua volta. Isso retira-lhe o contexto em que está inserida. Infelizmente, no Rio de Janeiro caminhamos para trás nessa questão. São vários os exemplos de autorizações dadas pela Prefeitura para edificações praticamente coladas a prédios preservados ou tombados. As gestões do Prefeito Eduardo Paes têm sido carrascas com a ambiência de bens tombados e, muitas vezes, com os próprios bens tombados.
Exemplo disso foi a autorização para a edificação de um edifício muitas vezes mais alto do que a Igreja da Imaculada Conceição, na Praia de Botafogo. Desde o século XIX, a sua flecha, ou agulha neo-gótica, se alteava na paisagem da Praia de Botafogo. Inicialmente sem concorrentes em altura. Depois com prédios mais altos, porém afastados. E agora, por obra e graça da gestão Paes no Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro, ao lado da igreja, haverá um edifício bem mais alto do que ela, amesquinhando as suas proporções. Repete-se com a Igreja da Imaculada Conceição o que foi feito na década de 1970 com a Igreja de Santa Teresinha do Menino Jesus, tornada uma miniatura ao lado da torre do shopping Rio Sul.
Outro exemplo: ao lado do belo galpão tombado pela própria Prefeitura, situado na Rua do Equador 476, na Área Portuária, foi permitida a demolição de um armazém que lhe fazia par e que era colado à sua divisa. No seu lugar, foi construído um altíssimo hotel, totalmente cinza e estranho àquela área. A descaracterização do Cine Leblon, para atender o interesse da construtora que desejava mais pavimentos sobre o mesmo, também se insere nesse quadro. E por aí vai. Há uma série de permissões para edificação de imóveis altíssimos em terrenos de edificações preservadas, às vezes apenas mantendo alguns metros de distância da edificação original.
Voltemos à demolição do prédio ao lado da Santa Casa. Ela revelou fatos inesperados. Por dentro da edificação ainda passava uma parte do muro de arrimo do antigo Morro do Castelo. Era evidente que tal descoberta, de grande relevância, inviabilizava o uso pleno do terreno conquistado com a inapropriada demolição. Por um bom tempo esse resquício do Morro do Castelo ali permaneceu, com o edifício semidemolido. Hoje não mais. Em algum momento, algum burocrata contrariou as regras de proteção do Patrimônio e permitiu a sua retirada.
A nova edificação prevista para o terreno ao lado da Santa Casa, e que ensejou a demolição da edificação anteriormente existente, nunca foi executada. Aparentemente, agora os proprietários querem edificar algo bem mais alto do que o projetado edifício para estacionamento. Como isso impactaria muitíssimo a ambiência da Santa Casa, o Iphan, que antes parecia não ver problema na demolição do edifício que lá estava, parece estar opondo alguma resistência. E assim chegamos à transformação de uma edificação útil em um vazio urbano, utilizado como estacionamento. É a destruição nada criativa.
Artigo publicado em 23 de outubro de 2025 no Diário do Rio.

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