Painel de votação da 47ª Sessão Extraordinária da Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro |
Para que temos regras urbanísticas se elas são quebradas
insistentemente? Veja a orla de Ipanema, inicialmente com prédios de mesma
altura, em torno de cinco pavimentos. Depois o prefeito Marcos Tamoio criou a
possibilidade de construção de espigões à beira mar. Estes só foram controlados
quando se percebeu que projetavam sombra sobre a areia, destruindo o prazer do
banho de sol e de mar, origem da valorização daqueles terrenos. Em seguida as
exceções em altura para os hotéis. E o resultado é uma linha disforme, em que o
poder do capital e as artimanhas dos governantes do momento definem a paisagem
da cidade.
Outra forma de burla à legislação é a constante reedição da
“mais valia”, a possibilidade de legalizar, mediante pagamentos, os acréscimos,
puxadinhos e fechamentos irregulares de varandas dos prédios da cidade. Todos
os que realizam obras ilegais já o fazem na expectativa da próxima reedição
dessa regra perniciosa e puramente arrecadatória. O Prefeito Crivella inovou
nesse quesito, criando a “mais valerá”, em que o infrator paga antes de
executar. É a monetização da ilegalidade. Já na planta o infrator informa que
não respeitará a legislação e, pagando uns cobres, fica tudo bem.
Agora o mesmo prefeito quer ampliar em muito o instituto do
“mais valerá”. Usando a pandemia da Covid-19 como desculpa para a necessidade
de arrecadar, Crivella encaminhou à Câmara de Vereadores o Projeto de Lei
Complementar 174/2020 que vira de cabeça para baixo a legislação urbanística da
cidade, jogando no lixo todos os parâmetros estabelecidos, e aumentando
indiscriminadamente gabaritos das edificações e taxas de ocupação dos terrenos.
A legislação urbana é colocada na barraca da feira: toda infração tem um preço.
É um desastre que foi duramente criticado por diversos órgãos da sociedade
civil.
O Conselho de Arquitetura e
Urbanismo – CAU-RJ afirma que “A aprovação do PLC 174/2020
representa ameaça de danos irreversíveis à paisagem
carioca, que ostenta título da Unesco de Patrimônio Cultural da
Humanidade, sob o argumento de emergência da pandemia e da crise financeira que
assola a municipalidade. A adoção de tal expediente avança em lógica perversa
para a cidade, sem avaliações sobre suas consequências para a infraestrutura
urbana e o ambiente construído como um todo. O PLC carece ainda de mecanismos
que possibilitem o controle do poder público sobre a valorização extraordinária
de determinadas áreas ou imóveis”.
Também o Instituto
dos Arquitetos do Brasil- IAB-RJ se posiciona contrariamente ao PLC: “(…) No caso em apreço, afirma‐se que nunca se viu uma
tentativa tão drástica de desconhecimento de todo o arcabouço legislativo
urbanístico e edilício na história da nossa cidade, na medida em que o referido
Projeto de Lei altera índices e condições de quadras inteiras com impacto em
conjuntos de quadras.” (…).
E o Fórum de Planejamento Urbano do Rio - FPU, movimento que congrega inúmeras entidades da
sociedade civil, especialmente associações de moradores da Cidade, entidades
profissionais, e entidades da sociedade civil, contesta as condições em que se
deu a tramitação do projeto e a audiência pública, em meio a uma pandemia, sem
efetiva participação da sociedade. O FPU ainda afirma: “A matéria tratada no PLC 174 (...) é, obviamente, matéria
de caráter urbanístico, e que altera legislação de uso do solo, índices do
Plano Diretor, cobrança de contrapartidas por Outorga Onerosa (sob o codinome
de mais valerá), zoneamento, e até a Lei Orgânica do Município; daí sua
formatação em lei complementar. E mais: declara uma vertente
financeira/arrecadatória de seus fins,
a caracterizar um desvirtuamento da finalidade constitucional da política
urbana, consignada no art.182 da Constituição Federal que diz que:
‘A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público Municipal,
(…) tem como objetivo ordenar o
pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de
seus habitantes’. Portanto, usar leis urbanísticas – sobretudo
temporárias – com fins financeiros-arrecadatórios, a justificar a motivação de
um projeto de lei urbanístico, constitui flagrante desvio das finalidades
constitucionais da lei urbanística em questão. Impõe lembrar que a
Constituição Federal estabeleceu que cabe ao sistema tributário a finalidade
fiscal de arrecadar tributos e outros recursos para financiamento e atendimento
das necessidades básicas da população da cidade. Por mais crítica a situação
atual, não é cabível distorcer o planejamento urbano para este fim,
especialmente em situação de funcionamento de exceção de seus órgãos executivo
e legislativo”.
Texto publicado em 16 de julho de 2020 no Diário do Rio
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