quinta-feira, 10 de junho de 2021

E os Reservatórios Históricos na privatização?

Reservatório da Quinta da Boa Vista - foto Roberto Anderson

Que os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário devam ser públicos é uma tese com a qual muitos concordamos. Mas a CEDAE, com as eternas interferências políticas por que passou, deixou muito a desejar, terminando pouco apreciada pela população e parcialmente privatizada na última semana. O caderno de encargos da concessão dos serviços inclui metas importantes de saneamento, com benefícios futuros para a saúde pública e o meio ambiente. Mas há algo preocupante. A CEDAE é possuidora de um grande número de reservatórios tombados, tanto no Rio de Janeiro, como em municípios da sua área metropolitana, e nada se falou sobre a necessidade de recuperação e manutenção desses bens, que vêm se deteriorando.

Caixa Velha da Tijuca, Carioca, Macacos, Rio D’Ouro são alguns dos reservatórios históricos da CEDAE, construídos entre 1850 e 1930, que contam um pouco da evolução da engenharia brasileira, das concepções arquitetônicas e dos sistemas de abastecimento de água. A cronologia da construção desses reservatórios mostra o caminho da captação de água potável na Cidade do Rio de Janeiro e em sua vizinhança. Inicialmente foram exploradas as nascentes do Corcovado, expandindo-se depois em direção àquelas situadas no Rio Comprido, no Andaraí, na Tijuca, na Gávea e no Jardim Botânico. Esgotado o potencial dos mananciais cariocas, foram buscadas as águas da Serra do Tinguá, em Nova Iguaçu, até chegar ao Guandú e ao Paraíba.

Santa Teresa é o bairro com a maior concentração desses equipamentos. A primeira captação ali se deu com as águas do Rio Carioca. Em 1744, uma carta régia autorizou o Governador Gomes Freire de Andrada a dar novo direcionamento ao aqueduto da Carioca, obra imperfeita então existente, e construir o atual, conhecido como Arcos da Lapa. Próximo ao curso do rio Carioca, onde hoje termina a Rua Almirante Alexandrino, foi construída a Caixa da Mãe D’Água, que funcionava como caixa de passagem. Nela, uma cartela traz os dizeres: Reinando el rey D.João V, nosso senhor, e sendo General e Capitão-coronel desta capitania e das Minas Gomes Freire de Andrade, do seu conselho, Sargento-Maior da Batalha de seus exércitos - 1744.

Já na segunda metade do século XIX, junto à Caixa da Mãe D'Água, foi construído o Reservatório do Carioca. De 1865, ele era o mais importante dos primeiros reservatórios daquele período, com jardim, três reservatórios, o tanque de decantação, e a barragem. Em 2018, depois de longo período de abandono e vandalização, o reservatório foi restaurado, com pretensões de ser aberto ao público. Em 1883, entrou em funcionamento o terceiro equipamento do sistema de adução de águas em Santa Teresa, o Reservatório do França.

Outros dois reservatórios foram construídos depois do Reservatório da Carioca: o da Quinta da Boa Vista (1867) e o do Morro do Inglês (1868), na Ladeira do Ascurra, no Cosme Velho. O Reservatório da Quinta da Boa Vista é uma das mais belas construções dentre os reservatórios do Rio de Janeiro. Com características neoclássicas, formato octogonal, com colunas dóricas marcando os limites de cada uma das faces da construção, ele se situa na divisa com a Quinta da Boa Vista.

A captação das águas do Rio Maracanã e seus afluentes, na vertente norte da Floresta da Tijuca, se deu a partir de 1850, com a construção da Caixa Velha da Tijuca, no Alto da Boa Vista. O belo conjunto é composto pelo prédio das caixas d’água, dois açudes e residências de funcionários. Em 1883 entrou em funcionamento o reservatório Caixa Nova da Tijuca, também situado no Alto da Boa Vista, que recebia águas do Rio Maracanã. O seu estado de conservação não é bom. No terreno, além do reservatório, há duas fontes tipo Stella em ferro fundido, oriundas das fundições do Val D’Osne na França.

Em 1853, a construção de uma represa na Chácara da Cabeça, atual Casa Maternal Mello Matos, no alto da atual Rua Faro, no Jardim Botânico, permitiu a captação das águas do Rio Cabeça. Elas alimentaram torneiras e chafarizes no Largo dos Leões, do Amaral e das Três Vendas, atual Praça Santos Dumont. Em 1877 foi criado o Reservatório dos Macacos, no Horto, para captar as águas daquele rio. Atualmente, o reservatório é alimentado com água proveniente da Estação de Tratamento de Água (ETA) do Guandu, que ali chega através do túnel Engenho Novo-Macacos, inaugurado em 1958, atravessando as serras dos Pretos Forros, da Tijuca e da Carioca.
Na mesma época da construção do Reservatório dos Macacos foi construído o Reservatório de São Bento, no Centro, junto ao convento do mesmo nome, em terras doadas pelos religiosos. Ele recebe as águas da adutora de São Pedro que carreia as águas das nascentes do rio do mesmo nome, localizadas na Reserva Biológica do Tinguá, em Jaceruba, cruzando a Baixada Fluminense. Similar a ele é o   Reservatório do Morro da Viúva, construído em 1878.

O Reservatório do Morro do Pinto é de 1874 e foi construído pelo Visconde de Mauá, que o cedeu ao poder público. Sua função era abastecer aquele morro com águas captadas lá mesmo. Hoje ele está desativado. O Reservatório do Livramento, que data de 1882, está situado no morro do mesmo nome, na atual Área Portuária. É uma construção simples, retangular, guarnecida por gradil, com uma escadaria de acesso ao nível da laje de cobertura.

Esgotados os mananciais cariocas, construiu-se em 1880 o Reservatório de Rio D’Ouro, em Nova Iguaçu. Para tanto, foram mobilizados importantes recursos, como a construção da Estrada de Ferro Rio D’Ouro. O reservatório é descoberto e o espelho d’água é divido ao meio por uma passarela. Do outro lado da mesma encontra-se a fonte “Ninfas na Fonte”, obra em ferro fundido das fundições do Val D’Osne na França. Sua beleza é realçada por estar em local amplo, cercado por mata. Relativamente próximo ao Reservatório de Rio D’Ouro se encontra o Reservatório de Jaceruba, na Reserva Biológica de Tinguá, também em Nova Iguaçu. Ele é mais simples, mas digno de nota é a escultura “Nereida”, em ferro fundido, também proveniente das fundições do Val D’Osne, de autoria do escultor Mathurin Moreau.

O Reservatório do Pedregulho está situado em local alto de São Cristóvão, acima do conjunto habitacional do mesmo nome, projetado pelo arquiteto Afonso Eduardo Reidy. O reservatório foi inaugurado em 1880 pelo Imperador D. Pedro II, recebendo as águas do Reservatório de Rio D’Ouro, e depois as águas de Tinguá, de Xerém, Mantiquira e Lajes. Pedregulho é hoje o grande centro distribuidor de água para a área central do Rio de Janeiro. 

Para atender à cidade de Niterói, em 1880 foi construído o Reservatório da Correção, situado nas terras do antigo aldeamento indígena de São Lourenço. Era alimentado por mananciais da Serra de Friburgo e atualmente está ligado ao sistema Imunana-Laranjal. O reservatório passou a ser administrado pela Prefeitura de Niterói e, em 2006, foi transformado em Parque das Águas.

O ano de 1908 foi profícuo em novos investimentos no sistema de abastecimento da cidade. Foram construídos os reservatórios Monteiro de Barros, no Engenho de Dentro, e de Paquetá, além das represas do Camorim e do Pau da Fome, em Jacarepaguá. O Reservatório Monteiro de Barros ocupa uma área extensa que, nas décadas de 1950 e 60, serviu como parque aberto à comunidade local. A entrada principal tem escadas adornadas por golfinhos e sapos de argamassa. Os motivos marinhos, como golfinhos e conchas se repetem na fachada da casa de manobras.

O Reservatório de Paquetá veio suprir a enorme carência daquela ilha. Até então, a água disponível provinha de poços, sendo salobra e imprópria para o consumo. O reservatório, construído no Morro do Costallat, era abastecido pelas águas do riacho da Cachoeira Pequena, localizado em Magé. Desde a captação até o reservatório, a adutora tinha 21km, sendo 4,4km submersos. O reservatório se encontra tão mal conservado que corre o risco de desaparecer. A elevatória, à beira-mar, foi ocupada.

O Reservatório da Penha é de 1914. Foi construído em concreto armado e tem forma de tronco de cone, sendo descoberto. Está situado acima do Parque Ari Barroso, na base da Serra da Misericórdia, e abastece os bairros entre Bonsucesso e Vigário Geral. O Reservatório Francisco Sá é de 1923, e está situado no Morro de Souza Cruz, no Andaraí.

A Zona Oeste recebeu também diversos reservatórios. No Parque da Pedra Branca há dois, notáveis pela beleza do sítio. A represa do Camorim, que fornece água para a região de Jacarepaguá, recebe as águas de vários rios, sendo o mais importante o Camorim, que depois vai formar a Lagoa do Camorim. E o do Pau da Fome, que recebe as águas dos rios Grande, Padaria e Figueira. Em 1925, foi inaugurado o Reservatório do Morro da União ou Tanque, que atendia aos bairros de Jacarepaguá, Quintino, Cascadura e Piedade. Em 1928, foi inaugurado o Reservatório Vitor Konder, em Campo Grande, para atender à Zona Oeste, de Bangu a Santa Cruz. O reservatório é uma bela edificação neocolonial, assim como, a casa de manobras e a casa do encarregado, formando um conjunto bastante interessante.

Em Copacabana se encontra o mais recente dos reservatórios históricos, o do Cantagalo, construído em 1930. Ele foi pensado para abastecer os bairros de Copacabana, Ipanema e Leblon, que se expandiam. São dois reservatórios, escavados na rocha, mas apenas um deles está em funcionamento. A casa de manobras é um prédio eclético de três andares, com elementos que remetem à feição de fortaleza. Seu estado de conservação não é bom.

Em resumo, a CEDAE é proprietária de um importante Patrimônio cultural, que precisa ser restaurado e conservado. Situados em platôs nas encostas ou nos topos de morros, alguns reservatórios são verdadeiros mirantes de onde se descortinam vistas panorâmicas. Além dos elementos arquitetônicos há as esculturas e fontes que embelezam os sítios. E há os mananciais, que não deveriam estar desativados, já que podem ser úteis numa crise hídrica. Uma bela contribuição do processo de concessão, além da restauração e manutenção dos reservatórios, seria a criação de um museu que contasse a história da captação das águas para abastecer o Rio de Janeiro. Qual consórcio se habilita?

Texto publicado em 06 de maio de 2021 no Diário do Rio

 

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