Convento do Carmo - foto Roberto Anderson |
Essa sede do Inepac era um edifício art déco de três pavimentos, relativamente próximo do Palácio Guanabara, e mais próximo ainda do Palácio Laranjeiras. O edifício logo chamou a atenção da então primeira dama, D. Neusa Brizola, e foi requisitado para abrigar as suas obras sociais. Assim, o Instituto precisou empacotar tudo - pastas, livros, estudos - e móveis, incluindo várias mapotecas. Naquela época elas eram importantes para guardar plantas e mapas. O Inepac se mudou para um andar de um prédio no Castelo e, apesar de mal instalado, manteve sua independência.
Anos depois, a privatização do antigo Banerj deixou para o Estado do Rio o imóvel que sediava aquele banco, de autoria do arquiteto Henrique Mindlin. Seguindo o movimento de reunir a maior parte das secretarias estaduais num único imóvel, para lá foi o Inepac, um andar acima da Secretaria de Estado de Cultura. Era um excelente edifício, mas que, por falta de manutenção, anos depois se deteriorou terrivelmente. Muito depauperado, o edifício foi cedido à Alerj, para que o recuperasse e lá instalasse a sua nova sede.
Seguindo sua vida errante, o Inepac foi novamente despejado, ficando relegado a apenas uma seção da Secretaria de Cultura, instalada num andar do chique e retrofitado edifício que pertenceu à seguradora Sul América. Como era reduzido o espaço que lhe cabia, o Inepac não pode levar seus arquivos e mapotecas, deixados para apodrecer na sede abandonada da escola de dança Maria Olenewa. Como sabe abandonar imóveis o Estado do Rio de Janeiro! Posteriormente, a própria Secretaria foi despejada por falta de pagamento do caro aluguel, uma extravagância dos tempos do ex-governador Cabral.
Mas nada disso seria necessário. Há tempos o Inepac havia encontrado uma solução para resolver o problema da sua falta de sede: o antigo Convento do Carmo, na Praça XV, de propriedade do Estado do Rio de Janeiro, cedido à Universidade Cândido Mendes, sem grandes vantagens para o erário fluminense. Com toda a sua história e localização privilegiada, o edifício seria a sede perfeita para o Inepac.
Perseguindo esse objetivo, o Instituto conseguiu o retorno do imóvel à administração estadual. O desafio seguinte seria viabilizar financeiramente a sua restauração. Um acordo com a Procuradoria Geral do Estado, que necessitava de espaço para sua biblioteca, foi a solução encontrada. Mas um novo obstáculo se colocaria na frente do projeto da sede do Inepac. A Secretária de Cultura do governo Cabral decidiu entregar o espaço que caberia ao Inepac no convento aos arquivos do Museu da Imagem e do Som. Felizmente, o Iphan não aprovou o projeto, em função dos danos que tais arquivos pesados poderiam trazer à edificação histórica. O espaço, pelo qual tanto havia lutado, voltou então a ser destinado ao Inepac. E as obras de restauração do convento foram iniciadas, acompanhadas com todo zelo pelos técnicos do Instituto.
Diversas agradáveis surpresas ocorreram no desenrolar da obra. Foi descoberto, por exemplo, onde ficava o encaixe da passarela, que um dia havia conectado o convento ao Paço Imperial. O convento foi construído no século XVII por frades carmelitas, que foram obrigados a ceder o imóvel a D. Maria I, no início do século XIX. Foram também reveladas estruturas similares ao enxaimel em meio a paredes de taipa. E um tesouro arqueológico foi descoberto sob o piso do corredor do primeiro pavimento da edificação, uma raridade. Ocorre que o enchimento, entre o teto arqueado desse corredor no térreo e o piso do primeiro pavimento, foi feito com entulho do período colonial. Ali estavam, entre outros artefatos, fragmentos de louças, búzios, contas, moedas e cachimbos de barro.
Tudo parecia estar caminhando bem, mas o prestígio de um órgão de Patrimônio junto aos governos é algo raro. E sobreveio o golpe. A PGE, que havia sido convocada para ajudar a solucionar a questão financeira do restauro do edifício, que seria destinado ao Inepac, compartilhando sua ocupação, percebeu que havia oportunidade para jogar o sócio para escanteio. Com o incrível apoio da própria Secretaria de Estado de Cultura, à época sob o comando de um jovem lá colocado muito em função do prestígio de sua mãe junto ao ex-governador Witzel, o Inepac foi retirado do jogo. A partir daí a PGE ocuparia sozinha o imóvel que o Inepac tanto havia acalentado como sua futura sede. Adeus espaço cultural dedicado ao Patrimônio fluminense, adeus à possibilidade do Inepac exercer com mais dignidade a sua função constitucional.
Ultimamente, a defesa e a divulgação do Patrimônio têm sido severamente atingidas. No governo Temer, o Iphan foi alvo de tentativas de negociatas imobiliárias. No governo Bolsonaro o Iphan é palco da luta ideológica da direita retrógrada, assim como a Fundação Palmares e o Ministério da Cultura. No Estado do Rio de Janeiro, o Inepac vem sendo desmontado, com a expulsão de técnicos que longamente o sustentaram, e sendo sido dirigido por pessoas absolutamente estranhas às questões do Patrimônio. Hoje é preciso estar atento, e torcer para que esses órgãos permaneçam de pé, à espera de mudanças benfazejas de governo, que certamente virão.
artigo publicado no Diário do Rio em 13 de janeiro de 2022.
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