Ciclone Catarina |
Mais recentemente, vimos ocorrer chuvas em escalas antes não experimentadas, que trouxeram destruição à Região Serrana do Rio de Janeiro e a Minas Gerais. Sabíamos que essas ocorrências estavam fora do padrão e que, muito provavelmente, estariam ligadas à crise climática que vivemos, em função do aquecimento global. Da mesma forma, o oposto também acontecia, com secas prolongadas em outras áreas do país. No entanto, pela primeira vez, eventos semelhantes, as chuvas torrenciais que provocaram enchentes, deslizamentos e destruição no Nordeste brasileiro em maio e junho deste ano, foram estudados para se verificar a sua relação com a crise climática. Elas provocaram a morte de 133 pessoas, deixando mais de 25 mil desabrigados em 80 municípios.
O estudo apresentado pelo World Weather Attribution (WWA) comprovou a influência do aquecimento global no aumento em 20% na intensidade das chuvas que atingiram aquela área, especialmente em Pernambuco. Portanto, as graves consequências da crise climática na vida de todos já são uma realidade comprovada. Ela ameaça com mais força aquelas pessoas que moram em cidades, onde a densidade é maior e onde há a ocupação de encostas, áreas de baixadas, beira de rios e orla marítima. Como todos os estudos a respeito indicam, é preciso agir em três frentes: prevenção, mitigação e adaptação.
O correto planejamento das cidades, com a vedação da ocupação de áreas sensíveis a inundações ou deslizamentos, a preservação de áreas florestadas, das matas ciliares e das áreas de restingas, e a adesão a uma economia de baixo carbono, que inclui a substituição progressiva dos combustíveis fósseis, são ações de prevenção. Elas são formas de prevenir futuros desastres e de evitar que as cidades contribuam para o aquecimento global.
Ações de mitigação são, por exemplo, o plantio em larga escala de árvores nas cidades e o incentivo à adoção de tetos e paredes verdes nas edificações, visando à captura de carbono já lançado na atmosfera. Por fim, a adaptação das cidades à nova realidade trazida pela crise climática importa em realizar os projetos mais complexos desse novo momento. Bairros inteiros talvez tenham que ser movidos para áreas seguras. Construções situadas junto ao litoral, onde deverá haver o avanço do mar precisarão ser relocadas. A mesma coisa com relação àquelas edificações em áreas de várzea, onde as inundações se tornarão mais frequentes. Ocupações de encostas deverão ser revistas e será necessário o aumento da capacidade dos solos de absorção das águas pluviais, com menos impermeabilização. Por seu custo e complexidade, é urgente o planejamento dessas ações.
Infelizmente, as administrações dos municípios brasileiros têm estado cegas para a necessidade de começarem a se preocupar com esse gigantesco problema. Uma exceção é Niterói, cidade que, em 2021, criou a primeira Secretaria Municipal do Clima no Brasil. A cidade vem buscando se destacar como um local onde a preocupação com o meio ambiente a diferencie das demais. Com relação à malha cicloviária, por exemplo, Niterói saiu de apenas 700m de ciclovia em 2013 para os atuais 53km, e com pretensões de chegar 124km em 2024. Em décadas passadas, Curitiba se destacou como uma cidade onde havia uma excelência no planejamento urbano e onde a relação de áreas verdes por habitante fosse a maior do país. Essa política, que trouxe enorme prestígio e investimentos para Curitiba, agora vista como política ambiental, poderá fazer o mesmo por Niterói.
A Secretaria do Clima de Niterói está buscando seguir um dos mais caros princípios da sustentabilidade, a transversalidade. Assim, foi criado um comitê intersecretarias, o Comclima, em que as ações das diversas secretarias municipais são discutidas à luz da sua contribuição para a política climática da cidade. Buscando agregar conhecimento, foi criado o Painel de Mudanças Climáticas de Niterói que, a exemplo do IPCC, o painel internacional, reúne pesquisadores da academia. Além dele, existem mais três fóruns: o Fórum Municipal de Mudanças Climáticas, reunindo a Prefeitura, a universidade e pessoas da sociedade civil; o Fórum da Juventude para a discussão das mudanças climáticas; e a Frente Parlamentar do Clima, que busca trazer apoio político para as ações da Prefeitura.
Os resultados começam a aparecer no planejamento futuro do município. Com relação à transição energética, a Prefeitura discute a viabilidade de “fazendas” de energia solar e a substituição gradual dos ônibus movidos a diesel por ônibus elétricos. Esse projeto representa a adesão da cidade à campanha “Race to Zero” (corrida ao zero), que propõe zerar as emissões de carbono até o ano 2050. Um gargalo para essa substituição está na baixa capacidade de produção desses equipamentos no Brasil, apenas 15 unidades por ano, e nas altas tarifas de importação desses equipamentos. A Prefeitura iniciou também um programa de neutralização de carbono na comunidade do Caramujo. Esse é um programa que deve ser analisado com cuidado já que, como sabemos, não são os pobres os maiores emissores de carbono.
Para comemorar os trinta anos de realização da Rio-92, a exemplo do que ocorreu no aniversário de vinte anos, seria realizada a Rio+30. Nesta semana a Prefeitura do Rio indicou que, por coincidir com o período eleitoral, razão pouco convincente, o evento não mais ocorreria. Antecipando-se a esse evento, que pretendia discutir os avanços e entraves na implantação da agenda ambiental acordada em 1992, a Prefeitura de Niterói iria realizar em agosto a Pré-Rio+30. Seria curioso se Niterói assumisse todo o evento.
Juntamente com o Rio de Janeiro, Niterói entrou também para a Aliança de Megacidades para a Água e o Clima, da Unesco. A junção das duas cidades lhes permitiu participar desse fórum voltado para megacidades. Como se vê, a cidade de Niterói se coloca de forma ousada no debate das ações pelo clima e começa a se destacar por ter essa ousadia. Muito bom de observar e acompanhar os futuros resultados. A estabilização do clima agradece.
artigo publicado em 14 de julho de 2022 no Diário do Rio
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