Gramado - foto Roberto Anderson |
Há cidades que constroem as condições para se tornarem turisticamente atrativas, investindo na cultura, ou ressaltando a sua história, ou mesmo ressaltando aspectos do seu clima. De estância para recuperação de tuberculosos, a destino de endinheirados e multidões de turistas, foi o caminho trilhado por Campos do Jordão. O frio, condição tornada atrativo turístico num país tórrido, é também o que atrai visitantes à Região Serrana do Rio de Janeiro e à sua correlata gaúcha.
Gramado é o ponto mais conhecido da Serra Gaúcha. São José dos Ausentes, que está ali perto, oferece um frio mais intenso e até uma maior possibilidade de vivenciar a tão sonhada neve. Mas, além do frio, tem pouco a oferecer. Já Gramado e, em menor escala Canela, investiram pesadamente na construção de uma estrutura para o recebimento dos turistas e para a extensão de sua permanência na região. Porém, é bom analisar que turismo é esse.
A cidade já possuía o frio no inverno e algumas belezas naturais, como a cachoeira do Caracol, impressionante queda d'água sobre um penhasco arqueado como uma ponte. O fio de água se despenca lá de cima e esfumaça ao se aproximar das pedras embaixo. Tudo isso é visto de um ponto mais elevado, tornando o rio que corre pelo vale repleto de árvores, apenas um risco sinuoso que brilha no chão.
Não muito longe, há o Parque Aparados da Serra, com seus impactantes cânions. Sua paredes de pedra nua em contraste com o verde do vale no fundo, são uma beleza. E há a herança da imigração europeia, sempre mais valorizada do que as heranças culturais de outros povos que aqui chegaram, ou que aqui já se encontravam. Tudo isso já forma um conjunto interessante de atrações, que sempre trouxeram visitantes para Gramado.
Mas o turismo é uma atividade que sempre quer mais. Quer reter os visitantes por mais tempo, e entretê-los de forma que gastem como se suas felicidades dependessem do quanto vêem, fazem ou degustam nos dias em que lá estão. Atrações foram criadas em profusão, algumas interessantes, como as visitas a antigos sítios de colonos italianos, ou estapafúrdias, como um museu do Egito em plena Serra Gaúcha.
Gramado é hoje uma verdadeira Disneylândia. Tem casa de piratas; tem visita a esculturas de gelo; tem pistas de ski na neve em Snowland; tem museus de cera, de carros antigos e de máquinas a vapor; tem passeios sobre precipícios; tem tour de vinhedos em trem Maria Fumaça; tem visitas a fábricas de malhas ou de chocolate; tem visitas a roseirais e olivais; tem noite de churrasco e tradições gaúchas, noite alemã e noite italiana; e tem degustações de vinhos, chocolates e fondues. Mais ainda, não se deve esquecer que o Natal de Gramado, com profusão de decorações natalinas e papais noéis, começa bem antes do que nas demais cidades do Brasil.
Os turistas trocam informações sobre aquela atração imperdível e sobre formas de obter descontos. Sentem que sua viagem só estará completa se fizerem ao menos uma boa parte dos roteiros que os coloridos panfletos dos hotéis oferecem. Suas economias se vão no ritmo das ilusões satisfeitas.
Nessa barafunda, a essência da cidade se perde. Uma arquitetura pretensamente alpina, e peles de carneiros nas cadeiras dos restaurantes, tenta convencer o turista que ali é uma quase Europa. No entanto, os indígenas guaranis, que insistem em vender seu artesanato nas calçadas, nos lembram que não, que há algo fake no ar. Mas basta uma ida ao campo, no local onde a cidade um dia se originou, para lembrar que a bela essência escondida de Gramado é a família de descendentes de italianos servindo uma boa polenta a descendentes de alemães e de todas as demais nacionalidades.
artigo publicado no Diário do Rio em 11 de agosto de 2022
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