Árvore em Jaboatão dos Guararapes |
Apesar dos negacionistas climáticos, a recente onda de calor pela qual passamos não deixa dúvidas: a crise climática, ou emergência climática, está aí. Segundo o Inpe, em 60 anos os dias com ondas de calor no Brasil pularam de sete para cinquenta e dois. Como o estudo cobriu o período 1961-2020, atualmente esses valores já podem ser maiores.
O calor excessivo maltrata e, como se viu no show da Taylor Swift, pode provocar mortes. Toda essa nova realidade traz enormes desafios, para os quais ainda não estamos preparados. A adaptação envolve desde buscar novas regras para eventos que produzam aglomerações a relocar moradias situadas em áreas sujeitas a inundações e ao avanço do mar.
Além da adaptação, serão também necessárias ações chamadas de mitigação. São aquelas que buscam reduzir as emissões dos gases de efeito estufa ou capturá-los. O plantio de árvores é uma ação duplamente benéfica, já que capta CO² da atmosfera e fornece sombra e umidade, ajudando a baixar localmente a temperatura. Nossas cidades precisam de mais parques, mais praças e mais ruas arborizadas. Arborizar intensamente as cidades é tarefa urgente!
No Rio de Janeiro, os bairros da Zona Sul e da área litorânea da Zona Oeste, apesar de sempre poderem melhorar, são razoavelmente arborizados. Certas ruas de Ipanema e Copacabana são cobertas por um dossel contínuo de árvores, uma coisa linda de se ver do alto. Mas, ao nos dirigirmos à Zona Norte e aos bairros interiores da Zona Oeste, a arborização urbana vai rareando, havendo diversas ruas em que não existe uma única árvore. Não à toa, são nesses bairros onde ocorrem as mais altas temperaturas. Segundo a Sociedade Brasileira de Arborização Urbana, a cidade tem um déficit de aproximadamente um milhão de árvores. Cordovil, Santa Cruz e Bangu seriam os bairros onde essa carência é mais aguda.
Se, no quesito arborização urbana, a situação da Cidade do Rio de Janeiro não é boa, quando se olha para a Baixada Fluminense ela é de deserto quase total. A Casa Fluminense divulgou o estudo Mapa da Desigualdade 2023 que traz as medições de áreas verdes por habitantes. Apesar de não ser igual ao índice de arborização urbana, tais informações dão pistas sobre a situação da mesma. São João de Meriti é o município em pior situação, com menos de um m² de área verde por habitante. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o índice mínimo seria de 36 m² por habitante. Nilópolis conta com apenas 1,29, Belford Roxo com 5,36 e Queimados com 19,36 m². Já a Cidade do Rio de Janeiro conta com 49,61 m², um índice alto, mas enganoso, por conter as áreas florestadas da cidade.
O primeiro plano diretor para a Cidade do Rio de Janeiro, realizado na década de 1920 pelo francês Alfred Agache, previa um sistema de parques para a Zona Norte. Em relação ao Patrimônio o plano seria desastroso, mas os diversos parques propostos teriam sido muito benéficos para aquela área. Sem o plano Agache, é preciso um plano que amplie drasticamente as áreas de parques nos bairros da cidade, especialmente naqueles mais quentes. Parques mais generosos do que o Parque de Madureira que, apesar de bem-vindo, é estreito, já que ocupa a antiga linha de transmissão da Light.
Atualmente, o processo de arborização das ruas da cidade ocorre de forma quase artesanal. Há empresas contratadas para fazer esse plantio, mas o ritmo não é o adequado a uma situação de emergência climática. Há a reposição, um pouco deficiente, das árvores que caem e há o plantio de novas mudas em espaços já disponíveis. No entanto, menos de 30 mudas são plantadas a cada dia. Se a cidade fosse bem arborizada, isso não seria um problema. Mas, no ritmo atual, ainda levaremos quase 150 anos para que, talvez, vejamos a cidade razoavelmente suprida de árvores. E ainda há que se lembrar que o crescimento das mudas é lento e o vandalismo é alto. Uma inflexão radical no ritmo de arborização da cidade se faz urgente.
A Prefeitura precisaria também exigir que novas edificações reservassem espaços nas calçadas para o plantio de árvores, já que a tendência geral é tudo pavimentar. E seria interessante considerar aspectos paisagísticos, como a formação de conjuntos arbóreos com forte expressividade. A predominância de certas espécies em algumas ruas, como os paus-ferros da avenida Pedro II ou a aleia de sapucaias da Quinta da Boa Vista, cria belos efeitos, reforça a identidade desses lugares e conquista a simpatia dos moradores.
Outro aspecto a ser considerado é a relação da arborização com monumentos e edifícios considerados Patrimônio. No Castelo, por exemplo, uma área densamente arborizada em frente à Igreja de Santa Luzia quase impede a sua visualização. Na Praça XV, junto ao Chafariz do Mestre Valentim, há alguns anos uma árvore tombou, danificando seriamente o mesmo. Pois outra árvore foi plantada no mesmo lugar, planejando-se o possível desastre de algumas décadas à frente. Até a República, a área do chafariz não era arborizada. Assim como não são desejáveis bancas de jornais na frente de bens tombados, não deve haver arborização que os esconda ou ameace.
Por fim, é bom lembrar que, se quisermos o bônus de pássaros na cidade, é preciso o plantio de acordo com as suas necessidades. Há pássaros que buscam sementes e outros que buscam frutos. A variabilidade das espécies a serem plantadas deve atender a isso: produção de sementes e de frutos. Queremos árvores, precisamos de mais árvores. Que venha o milhão de árvores que nos faltam!
Artigo publicado em 23 de novembro de 2023 no Diário do Rio.
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