sexta-feira, 7 de novembro de 2025

Violência no Rio e ausência de políticas habitacionais

foto Tomaz Silva - Agência Brasil 

A situação desesperadora dos moradores das favelas do Rio de Janeiro, um quarto da população da cidade, ficou mais uma vez demonstrada, de forma dramática, com a matança realizada no Complexo do Alemão. Quando não é a polícia que entra atirando e matando, são os criminosos locais, sejam traficantes ou milicianos, que dominam tudo e cobram por tudo. Quer internet? Só a dos que dominam a favela. Quer um botijão de gás? Idem. Quer fazer serviço de passageiros com sua moto, quer abrir um negócio, por menor que seja? É preciso pagar a eles. No dia a dia, onde está a polícia? Não entra. Onde estão os serviços públicos que existem no asfalto? Não existem.

Toda essa violência que se viu, com a morte ou execução de 121 pessoas, é fruto da ilegalidade a que está submetido o comércio de drogas, e do consequente armamento dos que o realizam, mas é também resultado da ausência da oferta de habitação social, seja ela através da construção ou da reforma de imóveis, seja através da urbanização de favelas. As famílias com poucos recursos só têm a favela como opção de moradia. E as favelas cariocas estão urbanisticamente degradadas e socialmente desassistidas. A Prefeitura do Rio de Janeiro, depois que abandonou os projetos Favela-Bairro e Novas Alternativas, reduziu muitíssimo o seu papel na provisão de moradia social na cidade. O Prefeito Eduardo Paes, agora no seu quarto mandato, parece não considerar que essa deva ser uma obrigação municipal.

Mas, será assim em outras cidades? Vejamos o caso de São Paulo, administrada por um político que, ao contrário de Eduardo Paes, é opositor do governo Lula. Lá, existe uma longa tradição, vinda de outras administrações, de se investir em habitação social. E a atual administração, mesmo sendo de direita, dá seguimento a vários programas. Um deles é o Pode Entrar, estabelecido pela Lei 17.638/21, que tem por objetivo criar mecanismos de incentivo à produção de empreendimentos habitacionais de interesse social, a requalificação de imóveis urbanos ou aquisição de unidades habitacionais, destinadas às famílias de baixa renda, estabelecendo uma política habitacional de financiamento e locação subsidiados”.

O programa atende famílias com renda de até seis salários-mínimos e, na fase inicial do projeto, mais de R$ 2 bilhões de recursos próprios do Município já foram utilizados. Segundo o jornal A Folha, já foram viabilizadas 82 mil novas unidades para a população paulistana, sendo a Carta de Crédito a modalidade que mais se destaca. Em outra modalidade, a Prefeitura paulistana compra unidades diretamente da iniciativa privada, o que agiliza o processo.

O programa também investe na recuperação, ou retrofit, de imóveis antigos, transformando-os em prédios habitacionais. A Prefeitura entra com subvenções para essas obras, que incluem edifícios icônicos da cidade, como o Martinelli e o Copan. No Rio de Janeiro, o projeto Reviver Centro também tem a previsão de investimentos em recuperação de prédios antigos para a sua transformação em moradias. Mas há aí uma diferença fundamental com o programa paulistano. A prefeitura carioca não entra com nenhum recurso. Ela apenas oferece aos que investirem no Centro o aumento nos índices de edificação em outros bairros, o que os impacta enormemente. E, sendo um programa exclusivamente da iniciativa privada, não há oferta de moradia social, ou quando há ela é insignificante.

Na década de 1990, a Prefeitura do Rio de Janeiro inovou ao iniciar programas de reurbanização de favelas. O seu exemplo foi seguido por outras cidades, como Medellín, onde as intervenções em favelas e na mobilidade urbana foram essenciais para que a história de violência em que a cidade se debatia fosse deixada para trás. São Paulo também adotou um programa de urbanização de favelas, com 51 obras em andamento pela cidade.

Além do Favela-Bairro, a Prefeitura do Rio já teve também um programa de transformação de sobrados antigos em imóveis habitacionais, o programa Novas Alternativas. Ambos foram muito bem avaliados, mas ambos foram abandonados. Em substituição ao Favela-Bairro, o prefeito Eduardo Paes criou o programa Morar Carioca, também voltado para investimentos em favelas. Segundo dados da Prefeitura do Rio, o Morar Carioca pretende investir um total de US$ 90 milhões. Já o programa Favela-Bairro investiu US$ 600 milhões, uma diferença bastante significativa.

Voltando ao Complexo do Alemão, cenário do maior massacre policial já ocorrido no Brasil, é preciso lembrar que lá não houve Favela-Bairro ou intervenção do Morar Carioca. O único grande investimento do Poder Público foi a construção do Teleférico. Inspirado naqueles existentes na cidade de Medellín, ele foi inaugurado em 2011 e logo desativado em 2015. Desde 2022 estaria passando por reformas que visariam a volta do seu funcionamento, previsto, após diversos atrasos, para 2026. Desde a desativação das UPPs, a polícia deixou de ter uma presença permanente na área. E o crime organizado dominou aquela comunidade, assim como as demais favelas da cidade.

Assim, retorna-se à ciranda que produz violência. Os trabalhadores se viram como podem para resolver o seu problema de moradia. A solução disponível é a favela. O poder público se ausenta e o crime se instala, dominando diversos aspectos da vida dos moradores. A polícia faz incursões violentas que nada mudam. E os políticos populistas pedem mais ações policiais e mais violência. É trágico , é o Rio de Janeiro e, se nada for feito, será todo o Brasil. 

Artigo publicado em 07 de novembro de 2025 no Diário do Rio.

 

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