![]() |
| foto Tomaz Silva - Agência Brasil |
A situação desesperadora dos moradores das favelas do Rio de Janeiro, um quarto da população da cidade, ficou mais uma vez demonstrada, de forma dramática, com a matança realizada no Complexo do Alemão. Quando não é a polícia que entra atirando e matando, são os criminosos locais, sejam traficantes ou milicianos, que dominam tudo e cobram por tudo. Quer internet? Só a dos que dominam a favela. Quer um botijão de gás? Idem. Quer fazer serviço de passageiros com sua moto, quer abrir um negócio, por menor que seja? É preciso pagar a eles. No dia a dia, onde está a polícia? Não entra. Onde estão os serviços públicos que existem no asfalto? Não existem.
Toda essa violência que se viu, com a morte ou execução de 121
pessoas, é fruto da ilegalidade a que está submetido o comércio de drogas, e do
consequente armamento dos que o realizam, mas é também resultado da ausência da
oferta de habitação social, seja ela através da construção ou da reforma de
imóveis, seja através da urbanização de favelas. As famílias com poucos
recursos só têm a favela como opção de moradia. E as favelas cariocas estão
urbanisticamente degradadas e socialmente desassistidas. A Prefeitura do Rio de
Janeiro, depois que abandonou os projetos Favela-Bairro e Novas Alternativas, reduziu
muitíssimo o seu papel na provisão de moradia social na cidade. O Prefeito
Eduardo Paes, agora no seu quarto mandato, parece não considerar que essa deva
ser uma obrigação municipal.
Mas, será assim em outras cidades? Vejamos o caso de São
Paulo, administrada por um político que, ao contrário de Eduardo Paes, é opositor
do governo Lula. Lá, existe uma longa tradição, vinda de outras administrações,
de se investir em habitação social. E a atual administração, mesmo sendo de
direita, dá seguimento a vários programas. Um deles é o Pode Entrar,
estabelecido pela Lei 17.638/21, que “tem por objetivo
criar mecanismos de incentivo à produção de empreendimentos habitacionais de
interesse social, a requalificação de imóveis urbanos ou aquisição de unidades
habitacionais, destinadas às famílias de baixa renda, estabelecendo uma
política habitacional de financiamento e locação subsidiados”.
O programa atende famílias com renda de até seis
salários-mínimos e, na fase inicial do projeto, mais de R$ 2 bilhões de
recursos próprios do Município já foram utilizados. Segundo o jornal A Folha,
já foram viabilizadas 82 mil novas unidades para a população paulistana, sendo
a Carta de Crédito a modalidade que mais se destaca. Em outra modalidade, a
Prefeitura paulistana compra unidades diretamente da iniciativa privada, o que
agiliza o processo.
O programa também investe na recuperação, ou retrofit, de
imóveis antigos, transformando-os em prédios habitacionais. A Prefeitura entra
com subvenções para essas obras, que incluem edifícios icônicos da cidade, como
o Martinelli e o Copan. No Rio de Janeiro, o projeto Reviver Centro também tem a
previsão de investimentos em recuperação de prédios antigos para a sua
transformação em moradias. Mas há aí uma diferença fundamental com o programa
paulistano. A prefeitura carioca não entra com nenhum recurso. Ela apenas
oferece aos que investirem no Centro o aumento nos índices de edificação em
outros bairros, o que os impacta enormemente. E, sendo um programa
exclusivamente da iniciativa privada, não há oferta de moradia social, ou
quando há ela é insignificante.
Na década de 1990, a Prefeitura do Rio de Janeiro inovou ao
iniciar programas de reurbanização de favelas. O seu exemplo foi seguido por
outras cidades, como Medellín, onde as intervenções em favelas e na mobilidade
urbana foram essenciais para que a história de violência em que a cidade se
debatia fosse deixada para trás. São Paulo também adotou um programa de
urbanização de favelas, com 51 obras em andamento pela cidade.
Além do Favela-Bairro, a Prefeitura do Rio já teve também um
programa de transformação de sobrados antigos em imóveis habitacionais, o
programa Novas Alternativas. Ambos foram muito bem avaliados, mas ambos foram
abandonados. Em substituição ao Favela-Bairro, o prefeito Eduardo Paes criou o
programa Morar Carioca, também voltado para investimentos em favelas. Segundo
dados da Prefeitura do Rio, o Morar Carioca pretende investir um total de US$
90 milhões. Já o programa Favela-Bairro investiu US$ 600 milhões, uma diferença
bastante significativa.
Voltando ao Complexo do Alemão, cenário do maior massacre
policial já ocorrido no Brasil, é preciso lembrar que lá não houve
Favela-Bairro ou intervenção do Morar Carioca. O único grande investimento do
Poder Público foi a construção do Teleférico. Inspirado naqueles existentes na
cidade de Medellín, ele foi inaugurado em 2011 e logo desativado em 2015. Desde
2022 estaria passando por reformas que visariam a volta do seu funcionamento,
previsto, após diversos atrasos, para 2026. Desde a desativação das UPPs, a
polícia deixou de ter uma presença permanente na área. E o crime organizado
dominou aquela comunidade, assim como as demais favelas da cidade.
Assim, retorna-se à ciranda que produz violência. Os
trabalhadores se viram como podem para resolver o seu problema de moradia. A
solução disponível é a favela. O poder público se ausenta e o crime se instala,
dominando diversos aspectos da vida dos moradores. A polícia faz incursões
violentas que nada mudam. E os políticos populistas pedem mais ações policiais
e mais violência. É trágico , é o Rio de Janeiro e, se nada for feito, será
todo o Brasil.
Artigo publicado em 07 de novembro de 2025 no Diário do Rio.

Nenhum comentário:
Postar um comentário