O nome do bairro é Laranjeiras. Não se sabe se em razão da existência de antigos laranjais ou de algum senhor Laranjeiras dono de terras ali. O sítio é um vale, por onde no passado corria livre o rio Carioca. Rio de tantos serviços prestados à cidade. O abuso às suas águas foi constante. Foram desviadas para o Centro para alimentar chafarizes, onde o povo matava sua sede e lavava suas roupas. Hoje correm subterrâneas e poluídas pela rua principal do bairro, antes de serem sequestradas pelo emissário submarino de Ipanema.
O nome do bairro é Laranjeiras, mas os pés de laranja que porventura haviam, estavam desaparecidos de lá. Nenhunzinho para contar história. Até que uma boa alma teve a ideia de plantar três mudas em canteiros agrestes, numa calçada pouco valorizada, e pouco observada pelos síndicos dos edifícios em frente. Se ninguém dava bola, esse ser inspirado foi lá e fez o plantio.
Os canteiros em questão não são muito favoráveis. Acima deles passam fios, que ameaçam as árvores que tentam crescer por entre seu emaranhado. De vez em quando vêm os funcionários da companhia de luz e fazem podas mutiladoras, esculpindo árvores tortas e desequilibradas. Mas é ali que as mudinhas de laranjeiras crescem.
Agora, que os pés de laranja já começam a ultrapassar a altura de uma pessoa, uma única laranjinha verdeja entre seus galhos. Das poucas flores que brotaram, em meio ao vento produzido pelos veículos em movimento, uma só conseguiu ser polinizada, concluindo o ciclo da produção de um fruto.
Ela está lá verde e gordinha, mas ainda pequena. Já é a segunda semana em que é vista. É o caso de se perguntar quanto tempo ainda permanecerá ligada ao ramo de onde surgiu. Se alguém mais apressado a arrancará ainda verde ou se ela terá licença para amadurecer. Da mesma forma como entre os humanos, é difícil amadurecer. Se, com sorte, chegar à cor laranja, ela certamente chamará a atenção de algum passante. Um deles, um felizardo, colherá a frutinha pioneira, sobrevivente da poluição e das agruras da vida urbana. E seguirá anônimo, sem contar sobre o azedume ou sobre a doçura da menina das Laranjeiras.
Artigo publicado em 30 de outubro de 2025 no Diário do Rio

 
 
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