“Lira Itabirana”
de Carlos Drummond de Andrade
I
O Rio? É doce.
A Vale? Amarga.
Ai, antes fosse
Mais leve a carga.
O Rio? É doce.
A Vale? Amarga.
Ai, antes fosse
Mais leve a carga.
II
Entre estatais
E multinacionais,
Quantos ais!
Entre estatais
E multinacionais,
Quantos ais!
III
A dívida interna.
A dívida externa
A dívida eterna.
A dívida interna.
A dívida externa
A dívida eterna.
IV
Quantas toneladas exportamos
De ferro?
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?
Quantas toneladas exportamos
De ferro?
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?
O desastre ambiental em Mariana – MG, provocado
pelo rompimento da barragem de Fundão, com danos na barragem de Santarém, da mineradora Samarco em 05 de novembro de
2015 é agora, tristemente, o maior da história nesse tipo de desastre. Todos
sabemos que não foi um simples acidente, apesar da presidente da República,
através do Decreto 8.572, de 13 de novembro de
2015, tê-lo incluído na categoria de desastres naturais, um verdadeiro
disparate. Mesmo a alegação de que no dia anterior ao rompimento das barragens teriam ocorridos
tremores de terra de 2.8 na escala
Richter não é suficiente para dar causas naturais ao que aconteceu. Tremores
de terra nessa escala não são uma novidade naquela área e a engenharia das
barragens necessariamente deveria considerar esse fator de risco.
Havia um povoado abaixo da área de
mineração, o distrito de Bento Ribeiro, ele próprio antigo centro de mineração
no século XVIII. E mesmo assim foi dada a licença ambiental para a construção de várias lagoas
de acumulação de rejeitos por cima da cabeça dos moradores, que a cada noite
dormiam sem perceber o perigo a que estavam expostos. A quantidade de rejeitos
vazada foi suficiente para destruir a vida no Rio Doce. Uma vez ocorrido o desastre, que matou várias pessoas, destruiu cidades,
plantações e o rio, ficamos sabendo que a empresa, controlada pela Vale e pela
australiana BHP, não tinha um plano de emergência confiável, nem formas viáveis
de avisar à população abaixo, nem recursos técnicos ou financeiros para fazer
frente a um desastre ambiental dessa magnitude. E nem um seguro capaz de cobrir
a dimensão do risco da atividade que ali era exercida.
Protesto na sede da Vale do Rio Doce em 16.11.2015 - Foto de Silvia Knoller |
Mas a Samarco não era
nenhuma empresa de fundo de quintal. E nem uma empresa hostil aos trabalhadores.
Em 2014, pela oitava vez, ela foi incluída entre as 150 Melhores
empresas pra se trabalhar no Brasil, de acordo com a pesquisa da Revista Você
S.A. da Editora Abril.
Seria a produção desse risco
um problema específico da mineradora Samarco ou um problema da forma como se realiza
atualmente a mineração, especialmente no Brasil? Este é um setor que, desde o
período colonial, nunca deixou de ter uma enorme importância na economia
brasileira. Em 2010 as exportações minerais (incluindo combustíveis)
responderam por 33% do total de exportações do Brasil, o que representou US $ 50
bilhões naquele ano (Instituto Brasileiro de Mineração). Assim, é enorme a
capacidade da atividade de mineração de influenciar as políticas públicas,
parlamentares e a sua regulação. Exemplo disso é o Código de Mineração,
atualmente em discussão no Congresso que, se aprovado, afrouxaria a regulação
sobre o setor e sobreporia o interesse da mineração ao do meio ambiente e da
paisagem natural.
No Brasil, o Estado
de Minas Gerais é conhecido, entre outras coisas, por sua riqueza mineral. A
exploração do minério de ferro, que ali é abundante, tem provocado o desmonte
de numerosas montanhas, alterando a paisagem e provocando a ira dos poetas. Sobre
a destruição da Serra do Curral em Belo Horizonte, Carlos Drummond de Andrade
escreveu:
Esta serra tem
dono. Não mais a natureza a governa. Desfaz-se, com o minério, uma antiga
aliança, um rito da cidade. Desiste ou leva bala. Encurralados todos, a Serra
do Curral, os moradores cá embaixo. Jeremias me avisa: "Foi assolada toda
a serra; de improviso derrubaram minhas tendas, abateram meus pavilhões. Vi os
montes, e eis que tremiam. E todos os outeiros estremeciam. Olhei terra, e eis
que estava vazia, sem nada nada nada".
Sossega minha
saudade. Não me cicies outra vez o impróprio convite. Não quero mais, não quero
ver-te, meu Triste Horizonte e destroçado amor (Triste Horizonte - 1976).
Em Mariana a Samarco buscava
ferro e este vem misturado a outros minerais. O processo de separação é feito
por peneiração, concentração e filtragem, onde é utilizada água. O ferro é
carreado para aproveitamento fora da área de mineração e o rejeito é conduzido para
barragens onde, com o tempo, é sedimentado e a água reaproveitada. Ao final da
vida útil de uma barragem ela deve ser recuperada, recebendo uma cobertura de
terra vegetal e o replantio de espécies locais. Mesmo com essa previsão de recuperação,
todo o processo gera profundas alterações no meio ambiente e na paisagem. E as barragens
podem ser altamente perigosas, como estamos descobrindo agora.
O assunto é bastante complexo e envolve
duas questões de fundo. A primeira é a necessidade de internalização dos riscos
da produção. Este é um processo que já vem ocorrendo há muito tempo na produção
industrial. A poluição, antes considerada uma externalidade ao processo
produtivo a ser dividida com toda a sociedade, passou a ser corrigida e, depois,
prevenida. Hoje não é mais aceitável que a fumaça das fábricas polua a
atmosfera ou que a água suja de processos industriais seja lançada em corpos hídricos.
Atualmente caminha-se mais e mais para responsabilizar as empresas pela vida
inteira dos produtos que fabricam, obrigando-as a recolhê-los ao fim de sua vida útil e dar novos usos
aos materiais que os compõem.
No entanto, no setor de extração de
minérios os riscos continuam a ser divididos com toda a população. Os riscos
das barragens de rejeitos são divididos com todos. Os riscos da exploração do pré-sal,
que são imensos, e que podem atingir uma escala muito maior do que o que se viu no
desastre de Mariana, são ignorados pela sociedade. Caso ocorra um acidente com um
poço de petróleo em alto mar, a empresa petrolífera não terá recursos e meios
de evitar uma catástrofe ambiental. Isso tem que mudar. Este não é mais o tempo de
se correr atrás dos acidentes para corrigi-los. A tônica atual é a prevenção, é se colocar o princípio da precaução antes de tudo.
A outra questão a ser discutida é que essas operações
de risco existem para atender a demandas por recursos naturais. Quem demanda?
Todos que consumimos produtos em profusão. E o modelo de desenvolvimento econômico
do país, para o qual são vitais os recursos obtidos com as exportações. E os
países em crescimento acelerado, como a China, que movem céus e terras para
terem acesso a esses recursos.
E aí se chega à discussão sobre a necessidade de desmaterialização
da economia, ou seja, de diminuição do consumo de matéria e energia em termos
relativos (por unidade de produto) e em termos absolutos. A movimentação de
matéria em nível global já atinge proporções alarmantes, o que inclui também a
sua extração. Bilhões de toneladas de materiais são extraídos todo ano de seus
locais de origem, incluindo combustíveis fósseis, água, areia, cascalho, minério,
rochas e madeiras. Grande parte nem chega a ser inserida no sistema produtivo,
perdendo-se antes disso. E aquela que é utilizada, pouco tempo depois vai se
transformar em rejeito. Vários autores focam suas análises ambientais nessa
questão. Segundo Johnston e Pestel[1],
mesmo os problemas relativos à exploração dos recursos energéticos não
renováveis podem ser olhados através do foco da transferência de matéria na
ecosfera. Assim, o efeito estufa, por exemplo, poderia ser reduzido à sua
dimensão de transferência de matéria de seu lugar original, o subsolo, no caso
dos depósitos fósseis de carbono, para a atmosfera, onde não podem ser
absorvidos.
Preconiza-se então, entre outras
medidas, uma aceleração no processo já em curso na sociedade pós-industrial de
desmaterialização da economia. Isto inclui a descentralização da produção e a
circulação da informação, com vistas a reduzir os deslocamentos pendulares e
aqueles deslocamentos que possam ser substituídos pela transmissão de
informações. Segundo Emilio Gerelli[2],
nos países ocidentais mais industrializados já há sinais evidentes de que esse
processo teve início. Citando um trabalho de Jaenicke e outros pesquisadores
alemães[3], o
autor afirma que o periodo áureo da
desmaterilização teria sido entre os anos 1970 e 1985, quando registrou-se
nessas economias uma forte redução do consumo de aço, da produção de cimento, e
no transporte de mercadorias, apesar de ter ocorrido aumento do PIB (Bélgica,
Dinamarca, França, Alemanha Ocidental, Suécia e Grã Bretanha são classificadas
num grupo com redução absoluta no consumo de aço, na produção de cimento e no
transporte de mercadorias. Bélgica e Grã Bretanha apresentaram também redução
do consumo de energia primária. Áustria, Finlândia, Japão, Noruega e Itália
(1980-1990) encontram-se num segundo grupo com redução de apenas dois dos itens
analisados). Isto foi possível graças à redução
de input dos fatores materiais,
substituídos por informação, conhecimentos e novas tecnologias.
Mesmo nos países em
desenvolvimento, onde esse efeito ainda não ocorreu, o autor percebe que o
processo de desenvolvimento vem se dando de forma mais econômica em termos de
recursos materiais. Tais
ideias estão claramente calcadas na visualização das possibilidades de ganhos
com o teletrabalho, do início da década de 1990. Outros aspectos relacionados
são a redução da taxa de obsolescência dos materiais e dos produtos, a questão
da eficiência energética, a reciclagem e a reutilização de materiais.
Então, seja caminhando no sentido de se inserir
o princípio de precaução nas operações de extração mineral, e de se internalizar os
custos de previsão dos riscos dessa operação e de recuperação do meio ambiente
em caso de desastres, seja caminhando no sentido de reduzir a necessidade que a
sociedade como um todo tem da exploração desses recursos naturais, é preciso
mudar radicalmente a maneira como se lida atualmente com a questão da mineração
e da exploração desses recursos. Como ficou evidente no terrível desastre em
Mariana, não há mais espaço para se continuar como se nada estivesse errado.
[1] JOHNSTON, Peter e PESTEL,
Robert. – “Sustainability in an Information Society”, In: Telework ´95 - Telework Practice and new employment
opportunities – Proceedings of the 2 nd European Assembly on Teleworking and
new way of working – Auditorium della Tecnica Confederation of Italian
industry, Rome, 1995, pp. 195-200 (p.196).
[2]
GERELLI, Emilio. Società
post-industriale e ambiente . Roma:
Editori Laterza, 1995 (pag. 21).
[3] M. Jaenicke, H. Moench, T.
Raneberg e U.E. Simonis. “Structural Change and Environmental Impact”, In: Intereconomics,
jan e fev 1989.
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