Em 1921, o prefeito Carlos Sampaio promoveu o arrasamento do Morro do Castelo, com alegações já desacreditadas pela ciência, de que o morro, ao atrapalhar a circulação dos ventos, propiciava doenças. Daí resultou uma imensa área vazia, que veio a sediar a Exposição Internacional de 1922. Após a exposição, chamou-se o urbanista francês Alfred Agache para pensar um projeto para a Esplanada do Castelo. Agache terminou sendo convocado para pensar a cidade inteira, realizando o primeiro plano urbanístico da modernidade para o Rio de Janeiro.
Apesar de um certo formalismo e desprezo pela história, Agache elaborou um plano abrangente, que, além de embelezamentos no Centro, propôs um plano para o metrô da cidade e um sistema de parques que, iniciando-se na Quinta da Boa Vista, avançava em direção à Zona Norte até alcançar o Engenho de Dentro. Se realizado, a Zona Norte hoje contaria com uma grande linha semicircular, quase contínua de generosos espaços verdes. Muito ao contrário, a realidade é que a região conta com baixa cobertura verde por habitante, poucas praças e poucos parques. O sucesso do Parque Madureira, um parque linear e estreito, em área suprimida da linha de transmissão da Light, dá bem a medida da carência ali de áreas verdes.
Mas existe um lugar em Deodoro, muitíssimas vezes maior do que o Parque de Madureira, com o dobro do tamanho do Parque do Flamengo, já florestado, que poderia ser um lindo parque servindo a Deodoro, Guadalupe e Ricardo de Albuquerque, bairros que o rodeiam, e aos demais bairros da Zona Norte e Oeste. É a Floresta do Camboatá, que o trio Bolsonaro, Witzel e Crivella querem a todo custo transformar num autódromo.
A Federação Internacional de Automobilismo - FIA sabe bem explorar a disputa entre as cidades para sediar suas competições. A questão de um novo autódromo para o Rio de Janeiro só surgiu porque o contrato da Cidade de São Paulo com a FIA expira neste ano. Os governantes do Município e do Estado, fortemente incentivados pelo governo federal, meteram-se nessa cruzada contra o patrimônio ambiental do Rio. Conseguiram que a área, que pertencia ao Exército, fosse repassada ao Município e, insensíveis a todas as ponderações de ambientalistas e aos apelos da população querem, por que querem destruir a Floresta do Camboatá.
A palavra Camboatá é o nome de um grupo de árvores, cuja madeira é resistente e flexível, boa para fazer instrumentos. Com a contribuição do Engenheiro Florestal Claudio Santana, ficamos sabendo que a Floresta do Camboatá é uma floresta de terras baixas, de baixada, e de bosque não muito denso. Ela tem mais de 200 ha, representando o maior remanescente de floresta de baixada na Cidade do Rio de Janeiro. É um refúgio para espécies ameaçadas, como aves raras e jacarés do papo amarelo, com uma flora bastante diversa, já que são pelo menos 77 diferentes espécies arbóreas.
Apenas por existir, sem qualquer intervenção de urbanização, a floresta já presta significativos serviços ambientais à região, como retenção de grande parte das águas pluviais da área e contribuindo para regular a temperatura local, numa região pouco arborizada. Agora imagine associar esses benefícios ambientais da Floresta do Camboatá à oferta de espaços de lazer, trilhas sinalizadas, um centro de educação ambiental, ciclovia, e espaços para a prática de esportes. Seria o grande parque metropolitano do Rio de Janeiro, no coração da Zona Norte. Lembremo-nos de Lota Macedo Soares, que com persistência conseguiu a criação do Parque do Flamengo. A preservação da Floresta do Camboatá e sua transformação em parque poderá ser uma maravilhosa criação coletiva!
Texto publicado no Diário do Rio em 06 de agosto de 2020
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