Portal do antigo presídio da Frei Caneca - imagem Google |
Na rua Frei Caneca, ali no
Catumbi, houve, durante mais de cem anos, um presídio. Em 1840, ele foi criado
como Casa de Correção Frei Caneca. Ao longo dos anos, diversas outras unidades
foram sendo construídas, incluindo o Manicômio Judiciário e o Hospital
Penitenciário. A parte visível do presídio era o seu grande muro, composto de
um mosaico de técnicas construtivas. Partes eram em pedras aparelhadas, outras
em pedra e cal, ou em tijolos maciços, e outras ainda, em concreto. Acima desse
muro, encontravam-se guaritas em pedra e, em posição central, o portal, de
feição neoclássica, único elemento restante.
Enquanto existiu, o presídio da Frei Caneca viu
sofrimentos, rebeliões e também serviu de locação para filmagens. No entanto,
tudo se foi, tudo foi demolido à exceção do portal, que lá permanece solto,
isolado, deslocado do seu contexto. No lugar do presídio foi construído um
projeto padrão do Minha Casa, Minha Vida, uma repetição da arquitetura pobre e
despersonalizada que se fazia para o BNH décadas atrás.
Conjunto MCMV na Rua Frei Caneca - imagem Google |
A reutilização da área do presídio foi um tema que frequentou
as preocupações municipais e, por conseguinte, as páginas dos jornais, durante muito
tempo. Diversos projetos foram pensados para lá, sem que viessem a se concretizar.
Por fim, a Prefeitura do Rio de Janeiro fechou um acordo com o Estado do Rio de
Janeiro, que garantiu a desativação do presídio, para em seu lugar construir
unidades habitacionais.
A demolição do conjunto se deu
sem nenhuma análise do potencial das construções lá existentes. Como eram de
épocas distintas, havia variações entre as mesmas, que não foram consideradas.
Nada ficou que contasse a memória do presídio centenário. Nem sequer seu muro
ou parte do mesmo. Como na demolição do presídio da Ilha Grande, no Governo
Brizola, mais uma vez se apagaram os elementos físicos que remetiam a um
passado não muito brilhante.
Hoje, passados alguns anos da
demolição do presídio, vale a pena fazer uma reflexão sobre como se dão esses
processos de renovação urbana entre nós. Como os governantes tomam decisões
radicais sem consideração à história, à paisagem da cidade e ao Patrimônio
Cultural. Assim foi com a demolição, não muito longe dali, da Fábrica da
Brahma, na administração Eduardo Paes, para a ampliação do Sambódromo. E com a
demolição do prédio da Gastal, na Avenida Brasil, projeto de Paulo Antunes
Ribeiro, para a construção de uma feiosa alça da Linha Vermelha, na
administração Luiz Paulo Conde.
Podemos pensar como teria sido
manter uma parte do muro do presídio e algum pavilhão, dos tantos que lá havia.
A força do muro do presídio estava na sua presença ao longo de um bom trecho da
Rua Frei Caneca, tendo se constituído num limite claro para a área de
residências e de comércio. As casas térreas e sobrados, que se estendem desde
as bordas da Avenida Presidente Vargas, pareciam ali estancar o seu
espraiamento. Havia um contraste interessante entre suas baixas alturas e a do
muro, agora demolido. Como um burgo que se contivesse ante sua muralha. O longo
tempo que a cidade conviveu com aquela presença o havia incorporado à paisagem,
de uma forma bastante significativa. Não, não se elimina assim um registro de
quase dois séculos de existência.
Venceu a simples supressão do
muro e dos pavilhões do presídio, bem como a destruição de todas as edificações
lá existentes. Perdeu-se a possibilidade de utilização do seu potencial
paisagístico, que a exemplo dos Arcos da Lapa, poderia, em menor escala,
continuar a servir como referencial para a área. Várias partes do muro poderiam
ter recebido aberturas, com vistas à integração com o novo bairro que se ergueria
onde havia o presídio. Que efeitos surpresa não se poderia obter pela passagem
através das possíveis aberturas no muro, que descortinariam ambientes urbanos
tão diferentes entre si, já que separados por dois séculos, mas perfeitamente
integrados em suas diferenças!
Publicado no Diário do Rio em 30/07/2020
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