Campanha eleitoral na Central do Brasil - foto Roberto Anderson |
O cara pede um panfleto para em seguida, com teatralidade, amassá-lo diante do militante que o havia entregado. Grunhindo o nome do presidente, joga o panfleto com a propaganda do opositor no chão. Não é a toda hora, mas acontece.
Uma moça pede o adesivo do candidato de oposição. Fica feliz em recebê-lo, mas pergunta se haverá a possibilidade de apanhar de alguém na rua, por usá-lo. É uma novidade, o medo de algumas pessoas de demonstrar a sua preferência política, já que o ambiente está tenso, com inúmeros casos de violência por questões políticas.
Uma senhora idosa, frágil, pede o panfleto do candidato a senador. Diz votar nele já há muitas eleições. Ele, que tem cabelos brancos como os dela. Perguntada se deseja uma sugestão para deputado, diz que não precisa, que já escolheu. Antes de ser indagada sobre quem conquistou sua preferência, informa com olhar matreiro: é a moça do MST.
Apesar de todas as ameaças, das promessas de não respeito ao resultado das eleições e de um sem número de inverdades sobre as urnas eletrônicas, a campanha eleitoral segue adiante, os cabos eleitorais, uns pagos, outros militantes, se esforçam para convencer as pessoas. As bandeiras dos candidatos são agitadas e os panfletos voam para as mãos dos eleitores.
A escolha de onde panfletar, instintivamente, segue os ensinamentos do urbanista Kevin Lynch: buscar os pontos nodais. Segundo o autor, estes são pontos de grande intensidade de atividades, de afluência de pessoas, de confluência de vias. Por isso, entradas de estações de metrô, de trens ou de barcas, esquinas movimentadas e ruas comerciais são os pontos preferidos pelas campanhas políticas.
Fazer campanha na Central do Brasil é para os fortes. Em meio a vendedores ambulantes nas calçadas, alguns com suas caixinhas de som que anunciam os produtos à venda, carros de som com jingles estridentes de candidatos, e um mar de gente apressada voltando para casa, cabos eleitorais disputam a atenção dos eleitores. Muitos apenas balançam bandeiras de candidatos que lhes pagam as diárias, outros entregam seus panfletos.
O olhar do militante precisa estar atento à multidão que passa, buscando identificar aquelas pessoas que esboçam a intenção de aceitar o panfleto. Tudo é muito rápido, e é preciso fazer o papel encontrar a mão que timidamente se presta a aceitá-lo. Às vezes o gesto de aceitação demora a acontecer e o panfleto não chega a tempo à mão que iria recebê-lo. Algumas pessoas, já de longe, demonstram que não querem panfletos. Pode ser um dedinho balançando um não, ou uma cara enfezada. Outras ignoram o militante, e isso dói. Bom mesmo é quando o passante abre um sorriso e diz que conhece e vota no candidato, aceitando a propaganda e pedindo adesivos. O militante vai ao paraíso.
Boa parte dos passantes são indiferentes, mas muitos também aceitam de bom grado as sugestões de candidatos. Eleições para o parlamento brasileiro são um campo fértil para qualquer candidato, pois os eleitores não costumam saber quem está concorrendo, o que aquele deputado em que um dia votaram já fez, e o que significam as diversas siglas que disputam a sua preferência. A maioria vai mesmo deixar para escolher na última hora, por critérios insondáveis.
Já para presidente a coisa muda um pouco de figura. São bem conhecidos os principais contendores e os eleitores têm opiniões firmes sobre os mesmos. Algumas pessoas aproveitam a presença das campanhas para gritar os nomes de seus preferidos. Devem pensar que assim desafiam o ambiente que se instalou, contrário ao debate. Outros exibem sorridentes o sinal com a mão que representa a primeira letra do nome do seu candidato. É uma festa, a democracia.
À medida que o tempo passa, vai se observando nas ruas que os adesivos são usados com mais convicção por militantes e por aqueles que já optaram. Estando convictos, buscam demonstrá-lo para, quem sabe, conquistar mais adeptos. Quem cruza com outra pessoa que também porta adesivos do seu candidato sorri, sente cumplicidade, e que a vitória é possível e próxima.
Com o tempo, o desafio de conseguir quem aceite um panfleto vai ficando mais difícil, já que boa parte da população já foi abordada dezenas de vezes. É a hora de centrar fogo nos santinhos, aqueles cartões mais simples, sem textos, que trazem os números dos candidatos. A estratégia é convencer o eleitor a levar a colinha com os números dos seus votos para o local de votação. Se o nome do candidato à presidência já está escolhido, não custa levar de contrabando o número de um senador, de um deputado. Que tal aquela atriz, que já foi a escrava? Que tal o do colete?
As ameaças ao processo eleitoral foram muitas, a mensagem subliminar para não se envolver, com risco de se machucar, foi forte. Os acontecimentos violentos, com mortes de adversários, foram reais. Mas o povo brasileiro é resiliente. Apesar de toda a confusão espalhada, ele traz convicções arraigadas sobre a necessidade de democracia. Os eleitores, mesmo aqueles com menos estudos, sabem como encontrar os representantes que defendem os seus direitos. Essa é a beleza da democracia que, se não for tolhida, permite que a população decida os seus destinos em paz.
artigo publicado no Diário do Rio em 22 de setembro de 2022.
Nenhum comentário:
Postar um comentário