Projeto Revolusolar no Morro da Babilônia - Rio |
A crise climática já é uma realidade. Esta é uma afirmação
que até os negacionistas têm dificuldades em refutar. A situação atual do
Paquistão, em que um terço do país se encontra debaixo d’água, é um exemplo dos
riscos a que diversos países estão sujeitos. Uma característica da crise é a
ocorrência de eventos extremos, seja na forma de chuvas e tempestades além do
usual, seja a ocorrência de secas, como a que atualmente castiga a China.
Infelizmente, nos últimos anos o Brasil passou a contribuir fortemente para
essa crise, ao incendiar a Floresta Amazônica.
Uma das formas de combater o aquecimento global é a
transição para uma economia descarbonizada, que não mais lance na atmosfera
gases que provocam o efeito estufa. Por essa razão, é fundamental a busca pela
ampliação do uso de energias renováveis, entre elas a solar.
Além de ser uma fonte renovável, a energia solar não tem
custos na sua origem, já que, até o momento, a luz solar é de todos. No
entanto, a captação dessa energia exige equipamentos que não são facilmente
acessíveis por famílias de baixa renda. A Revolusolar, associação sem fins
lucrativos, formada em 2015 pela união dos esforços de lideranças da comunidade
da Babilônia com empreendedores sociais de fora da favela, se propõe a levar
energia solar a comunidades do Rio de Janeiro. É uma iniciativa
interessantíssima, e revolucionária, como o seu nome indica. É a construção da
sustentabilidade ambiental na prática.
Os primeiros imóveis a receberem as placas de captação de
energia solar do projeto foram dois estabelecimentos comerciais situados nas
favelas Babilônia-Chapéu Mangueira. Nesse início foi usado um financiamento da
AgeRio, que diluiu os custos no tempo. Em seguida, foi feita a instalação numa
escola comunitária local, financiada através de captação num fundo
sócio-ambiental. A instalação dos equipamentos foi feita sem custos para a
escola, que passou a ter uma economia da ordem de milhares de reais por ano. O
projeto ainda capacita moradores, para que eles instalem as placas e façam a
sua manutenção, o que gera empregos locais. Aliado a isso, o projeto realiza
oficinas com crianças para sensibilizá-las para as questões da sustentabilidade
e da energia renovável.
Nessas comunidades, onde o projeto teve início, verificou-se
que, ao contrário do que comumente se acredita, a maioria da população paga pela
energia. E paga caro, já que a porcentagem do seu orçamento gasta com energia é
maior do que em residências de maior poder aquisitivo. A cobrança da energia
tradicional é feita por uma estimativa de consumo, através da divisão do
consumo total da comunidade pelas unidades conectadas. Se uma família se
ausenta, a cobrança ocorre da mesma forma. Além disso, no morro a energia
costuma cair com mais frequência do que em outras áreas. E quando cai, o reparo
tarda mais a acontecer, uma demora que pode ser de dias. Tais circunstâncias
tornaram a possibilidade de uso da energia solar bastante atrativa.
Outro aspecto a ser ressaltado é o progressivo barateamento
dos equipamentos de energia solar, o que, a médio prazo, a torna competitiva. Na
última década, a tarifa de energia residencial teve um aumento de 105%,
enquanto os custos dos equipamentos de energia solar tiveram uma queda de 85%.
Nesse quadro de aumento do valor da energia tradicional e queda do valor da
energia solar é que se encontra a oportunidade de popularizar o seu uso.
Com o apoio de duas empresas chinesas, fabricantes de equipamentos
de energia solar, a Revolusolar deu início também a um projeto piloto de cooperativa
para a geração compartilhada de energia solar. É a primeira cooperativa de
energia solar em favelas no Brasil. Os equipamentos ficam centralizados no
telhado da sede da associação de moradores, imóvel com mais condições de
suportá-los. A energia gerada propicia créditos, que são apropriados
cooperativamente pelas 34 famílias atualmente envolvidas. Esses créditos
significam uma economia de cerca de 40% nas contas de luz das mesmas, economia
essa que, em parte, é utilizada para remunerar os trabalhadores locais do
projeto e a sua expansão. A meta é alcançar 60 famílias ainda em 2022.
O desenvolvimento do projeto para mais áreas da
Babilônia-Chapéu Mangueira, bem como para outras comunidades, traz a
possibilidade de, a longo prazo, as favelas não só gerarem toda a energia que
consomem, como também gerarem excedentes que poderão ser comercializados
externamente. Assim, a energia solar permitiria não só a ampliação de
atividades econômicas nas comunidades, como também uma possível renda extra com
a venda de excedentes.
Mais recentemente, a Revolusolar expandiu sua atuação para
duas novas áreas: o Circo Crescer e Viver, na Cidade Nova, e uma comunidade
indígena da Amazônia. Nesses dois locais está sendo repetido o tripé de ações
do projeto, constituído pela instalação da energia solar, a capacitação de
moradores para realizarem a instalação e manutenção, e oficinas de educação
ambiental com crianças. Na Cidade Nova e no Estácio, há a ambição de criar os
primeiros “bairros solares” do Brasil, com a instalação de placas em
condomínios populares e equipamentos de cultura, em parceria com a
Prefeitura.
O uso da energia solar, apesar de ainda pouco desenvolvido no
Brasil, tem enormes possibilidades de crescimento. Segundo Eduardo Ávila, economista
diretor executivo da Revolusolar, as condições de insolação aqui são
excepcionais, o que inclui o Rio de Janeiro. O estado com menor potencial de
insolação, Santa Catarina, recebe 40% mais insolação do que a Alemanha, líder
mundial na área. Além disso, as maiores reservas mundiais de quartzo, mineral
utilizado na fabricação das placas solares, estão no Brasil.
O dinamismo e inventividade de uma associação como a Revolusolar é fundamental para se dar início ao processo de transição energética que precisamos fazer. Iniciativas semelhantes vêm ocorrendo em outras cidades do Brasil. Mas a sua capacidade de ação é limitada pela carência de recursos. O poder público poderia ter um papel importante no fomento a essas ações. Os próximos governantes a serem eleitos precisam ser sensibilizados para a urgência da crise climática e da ação dos governos para a transição energética.
artigo publicado no Diário do Rio em 02 de setembro de 2022.
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