Porto Real é uma cidade do Sul fluminense, com aproximadamente 20 mil habitantes, que sedia a fábrica da Peugeot Citroën, atual Stellantis. Até 1995, era parte de Resende. Mas, lá no passado, foi a localidade de Minhocal. Por ter tido uma porção de terra doada à coroa, na qual havia um desembarcadouro às margens do rio Paraíba do Sul, tornou-se Porto Real.
No final
do século XIX, ela recebeu um grupo de colonos italianos que, supostamente,
deveriam ir para Santa Catarina. Mas eles teriam preferido ficar por ali mesmo,
já que gostaram do lugar. Esses colonos trabalharam duro, plantaram
cana-de-açúcar e, para beneficiar essa produção, foi inaugurada em 1889 uma
bela edificação projetada por arquitetos franceses, que veio a se chamar
Açucareira Porto Real. Além da importância afetiva por ser parte importante da
história local, o edifício é um dos cartões postais da cidade. É uma bela
edificação industrial, em alvenaria de tijolos aparentes, com um corpo mais
alto, em cuja fachada estão incrustados um relógio e um oratório.
A antiga
usina assemelha-se em tipologia a outros edifícios industriais preservados,
como as antigas fábricas de tecidos Bangu, o Moinho Fluminense e a
Companhia Têxtil Brasil Industrial, esta última em Paracambi.
Inexplicavelmente, a antiga Usina, depois fábrica da Coca-Cola, até hoje não é
tombada, nem tem qualquer proteção legal. Mas, isso não lhe retira importância
e a necessidade de ser preservada. Já faz muito tempo que os edifícios
industriais do século XIX, e mesmo do século XX, entraram no radar dos órgãos
de Patrimônio, que vêm buscando preservar esse período da história
humana.
Em maio
deste ano, parte da fachada desabou, um acontecimento triste e deplorável, por
evidenciar falta de cuidado. A parte desabada corresponde a uns 15% da
edificação, portanto, a sua recuperação é perfeitamente possível e desejável.
No entanto, a absurda solução encontrada pela Coca-Cola foi encomendar um
projeto que parta da demolição total do que restou e reconstrua a edificação
como um pastiche do prédio histórico existente. Sim, é isso mesmo, querem
demolir o prédio histórico para reconstruí-lo como cenário.
Após esta
ação danosa, criminosa mesmo, de demolição do que ainda resta de pé se
concretizar, a empresa planeja reconstruir a volumetria do edifício utilizando
alvenaria de bloco de concreto, com pilares pré-moldados. Posteriormente, toda
fachada da nova edificação seria revestida com tijolinhos cerâmicos, similares
aos tijolinhos maciços existentes na estrutura atual, que não são apenas um revestimento.
As janelas e as portas da nova edificação teriam as mesmas medidas das atuais,
mas seriam fabricadas em alumínio.
Quem
imaginaria que a Coca-Cola promoveria algo fake, não é mesmo? Essa
solução é inadmissível, e contraria todos os cânones de gestão de bens
culturais. O Ministério Público deveria olhar esse caso de destruição do
Patrimônio de Porto Real e impedir que a demolição do que ainda existe se
concretize. Os cidadãos de Porto Real deveriam se indignar com a destruição da
sua história. E o órgão de Patrimônio estadual, o Inepac, deveria agir,
antes que seja tarde demais.
Artigo publicado no Diário do Rio em 21 de dezembro de 2023.
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