terça-feira, 25 de março de 2025

Ainda estamos aqui

Caminhada do enterro de D. Lida, vítima de bomba na OAB

A volta às histórias de vida de Eunice e Rubens Paiva, que o filme "Ainda estou aqui" tornou possível, suscitou uma onda de empatia com aquela família, assim como com milhares de outras famílias, que passaram por terríveis sofrimentos durante a ditadura militar. O filme possibilitou também que brasileiros desmemoriados ou mal-informados tomassem conhecimento desses fatos, e de como eles afetaram a vida de pessoas comuns.

A memória coletiva sobre erros do passado, visando a sua não repetição, é algo importante de ser cultivado. A Alemanha tenta não esquecer dos crimes do nazismo, sempre informando à juventude sobre o ocorrido. Mesmo assim, lá o perigo agora renasce, com a adesão de boa parte da população a partidos neonazistas, e com dirigentes governamentais apoiando o genocídio em Gaza. 

Os japoneses não deixam os horrores dos bombardeios atômicos caírem no esquecimento. Senhores e senhoras de idade, vítimas naquele terrível momento, seguem recontando, nos sensibilizando, e militando pela paz. O holocausto atômico marcou profundamente a sociedade japonesa. 

Entre nós, o importante trabalho de manter a memória dos tempos da ditadura militar tem sido pouco efetivo. Os horrores daquele período vão sendo esquecidos ou relativizados. Milhões de eleitores acharam possível votar em alguém que defendia a ditadura, assim como os torturadores. No final, como esperado, houve a tentativa de um golpe de estado. Isso deveria fazer soar o sinal de alarme entre as pessoas de bem. Talvez os levantamentos das Comissões da Verdade não tenham atingido a sensibilidade da maioria dos brasileiros, gerando uma vacina contra o totalitarismo. 

Algo que o filme de Walter Salles ensina é que é preciso chegar até à fonte das emoções das pessoas, aquilo que é compartilhado por todos os seres humanos. É preciso mostrar que a ditadura não perseguia apenas os que ativamente militavam contra ela. Ela era um mal na vida cotidiana de cada um.

É preciso contar aos jovens sobre o temor que havia entre as famílias de falar sobre política dentro de casa, e da fala baixa entre as pessoas, uma das precauções tomadas ao criticar o governo. É preciso lembrar da presença de um policial infiltrado nas salas de aulas das universidades, a todos vigiando. É preciso lembrar da falta de cerimônia dos policiais ao pararem qualquer jovem na rua, pois ele podia ser mais um oponente do regime. É preciso contar do medo nas assembleias estudantis, sempre vigiadas por alguém que poderia denunciar uma nova liderança. É preciso lembrar do gás lacrimogêneo, das correrias e dos helicópteros voando sobre as manifestações por democracia.

É preciso lembrar da humilhação que era levar para a censura o roteiro de uma peça, ou mesmo de um espetáculo de dança, para que uma funcionária obtusa considerasse se estava liberada ou não. É preciso recontar a saudade que famílias e amigos sentiam dos exilados. É preciso lembrar o que era viver sob o medo de ser mais um preso ou desaparecido. 

Os, agora cada vez menos, sobreviventes daqueles anos de chumbo precisam contar e recontar, e tentar tocar a sensibilidade das novas gerações, para que o horror nunca mais volte. 

Artigo publicado em 20 de março de 2025 no Diário do Rio

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