quinta-feira, 6 de março de 2025

Rio mais que 40º

Foto Ana Branco-Agência O Globo.

Deixamos fevereiro de 2025 para trás, o mês mais seco no Rio de Janeiro da série de medições iniciada em 1997. Não só isso, foi o mês em que os cariocas vivenciaram duas ondas de calor. Estados do Sul passaram por quatro dessas ondas, somente neste ano e, considerando o país como um todo, foram cinco!

Ondas de calor cada vez mais frequentes já vinham sendo anunciadas há tempos por quem estuda o fenômeno do aquecimento global. Pois bem, elas chegaram e devem se intensificar, tanto em frequência, quanto em aumento de temperaturas. A Prefeitura do Rio vem agindo no susto, aprendendo a buscar soluções quando os eventos se apresentam. Áreas de hidratação são criadas, eventualmente aulas são suspensas, recomendação de cuidados são divulgadas, como beber mais água, não se expor ao sol, etc. São medidas na direção correta e outras virão, mas são medidas paliativas.

O Rio é uma cidade quente, celebrada na música Rio 40° por outra querida Fernanda. Sua geografia particular nos encanta, mas os meteorologistas não sabem explicar o porquê de quase sempre termos as máximas temperaturas do país. Com o aquecimento global, o que é suportável com algum sacrifício, poderá se tornar um enorme desafio.

A cidade poderia estar mais bem preparada se a Prefeitura levasse a sério as recomendações dos estudiosos. Vejamos a questão da arborização urbana. Ela é quase inexistente em bairros da Zona Norte e Oeste. Na Zona Sul, onde existe, poderia ser muitíssimo melhorada. Com ondas de calor, precisamos de sombra, principalmente das árvores, já que áreas arborizadas têm queda de alguns graus na temperatura. 

A Prefeitura precisaria fazer uma busca mais forte por espaços para plantar, e precisaria abrir esses espaços naquelas calçadas que estão totalmente cimentadas. Atualmente, na Fundação Parques e Jardins há apenas uma máquina de cortar concreto nas calçadas. Durante a semana da primeira onda de calor do ano, debaixo do sol escaldante, os funcionários da Fundação Parques e Jardins estavam tentando abrir golas nas calçadas da rua Olegário Maciel, na Barra. Com uma única máquina, numa metrópole, o que podem conseguir? Muito pouco. E pior, os novos edifícios não têm obrigação de plantar árvores diante de suas calçadas ou de reservar espaços para isso. Tem sido comum a entrega de novos empreendimentos sem uma única muda de árvore plantada diante de suas fachadas, um absurdo. 

Com relação aos espaços não edificáveis, o Rio tem uma experiência exitosa, o Mutirão Reflorestamento. Ele é um projeto maravilhoso, que existe desde 1986. Mas, o projeto anda a passos lentos, como se não estivéssemos numa emergência em que a arborização das encostas da cidade seria fundamental para a redução das ilhas de calor. O Mutirão Reflorestamento, concebido para uma outra época, precisaria ser tornado um dos principais projetos da Prefeitura, com verbas e objetivos ambiciosos para a situação emergencial em que já estamos.

Além do reflorestamento de encostas, a Prefeitura precisaria cuidar de seus parques e praças. Somente alguns, que servem de vitrine eleitoral, são razoavelmente cuidados. Há décadas a Fundação Parques e Jardins se encontra sucateada, e os espaços verdes da cidade não são bem cuidados. Quando não chove, como neste mês de fevereiro que passou, a grama e os arbustos ressecam até ficarem irreconhecíveis. A Prefeitura do Rio de Janeiro nunca rega seus jardins. Ela os trata como mato. Flores então, nem pensar. Elas não existem no universo estético dos prefeitos cariocas. No entanto, gramados e canteiros bem cuidados contribuem para amenizar o calor.

Também a arquitetura produzida na cidade poderia auxiliar na melhoria da temperatura. Atualmente, são produzidos muitos edifícios de vidros espelhados que refletem o calor. Houve uma perda da sabedoria de como usar cores, materiais, espessuras das paredes, altura dos cômodos e ventilação cruzada em nossas edificações. Elas se tornaram dependentes de ar-condicionado nos seus espaços interiores, expelindo calor para o espaço exterior.

As cidades hispânicas, em seus centros históricos, costumam ter calçadas cobertas por galerias, uma solução antiga, mas interessante para lugares quentes. A cidade ecológica de Masdar, nos Emirados Árabes Unidos, tem gigantescos guarda-sóis mecânicos na sua praça principal. Durante o dia eles ficam abertos, provendo sombra, e se fecham à noite, revelando as estrelas. Fornecer sombra para os pedestres será vital na nova realidade que enfrentamos. Será preciso aliar tecnologia e criatividade.

A Prefeitura precisa também deixar de lado o seu preconceito com o uso de chafarizes por crianças e moradores de rua. Chafarizes aspergem água no ar e ajudam na redução da sensação de calor. O Rio precisa de fontes e chafarizes funcionando em todos os locais públicos. Se no calor as crianças entram nos chafarizes, é porque não lhes são dadas opções de diversão em dias quentes. A Prefeitura deveria construir piscinas públicas nos bairros distantes da orla. É assim nas grandes cidades do mundo. 

Com relação ao tema da hidratação nos períodos quentes, é necessária a atenção ao aumento do consumo de água em garrafas plásticas e ao seu descarte. A própria Prefeitura vem fornecendo água nessas garrafas e em copos de plástico nos seus pontos de hidratação. Não é uma boa solução. Em diversas cidades do mundo já existem pontos com torneiras de água filtrada, e refrescada, para enchimento de vasilhames reutilizáveis da população. São a versão contemporânea dos chafarizes e seria um serviço de primeira necessidade para a população carioca nos novos tempos. 

O aquecimento global e suas consequências é uma realidade desafiadora e as cidades precisarão pensar em medidas criativas para a sobrevivência dos cidadãos nesses tempos do novo normal. E em medidas de prevenção para momentos de eventos extremos. Há muito a fazer para além das medidas paliativas atuais. Se ouvisse os estudiosos e confiasse na população, a Prefeitura faria melhor. 

Artigo publicado em 06 de março de 2025 no Diário do Rio. 

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