sábado, 16 de novembro de 2024

Cresce a favelização

Lagoa da Tijuca - foto Roberto Anderson

Em seu livro Planeta Favela, Mike Davis afirma que a maior parte da contínua urbanização do nosso mundo se dá na forma de áreas precarizadas quanto à existência de infraestrutura e de titulação, as favelas. A falta de recursos e de políticas públicas de habitação leva os novos moradores das cidades, não só em países em desenvolvimento, a se localizarem nesses espaços. Por isso, não causa espanto, mas deveria, os dados revelados pelo censo das favelas brasileiras recentemente divulgado pelo IBGE. 

O censo mostra a impactante contagem de 16,4 milhões de brasileiros vivendo em favelas, o que corresponde a 8,1% da população. Entre 2010 e 2022, houve um crescimento de 103% no número de municípios onde ocorrem favelas. O número de favelas no país teve um crescimento de 95%, alcançando a cifra de 12.348 áreas assim caracterizadas. A maior concentração delas está na região Sudeste (48,7%), seguida da região Nordeste (26,8%) e Norte (11,6%).

Com a incapacidade, e o desinteresse, de provisão de áreas urbanizadas para as famílias mais pobres, o fenômeno da favelização passou a existir em todo o país. Outra característica, especialmente nas grandes cidades, é a escassez de novas áreas passíveis de serem favelizadas, levando à visível verticalização daquelas melhor localizadas, como Rocinha e Rio das Pedras. 

Os brasileiros pobres continuam saindo, ou sendo expulsos, do campo para as cidades, continuam tendo seus filhos, e a alternativa de moradia para essas pessoas é a mais precária. A produção de habitação social pelo Estado sempre foi imensamente insuficiente para a enorme carência e demanda existente. Mesmo programas vistosos, e urbanisticamente equivocados, como o Minha Casa Minha Vida não foram capazes de sequer arranhar a dimensão do problema. 

Ao censo do IBGE é preciso acrescentar o levantamento realizado pela rede MapBiomas, que mostra como cresce a ocupação de áreas ambientalmente sensíveis, e perigosas, como encostas e beiras de rios. Segundo esse levantamento, entre 1985 e 2023, a ocupação de áreas de encostas teve um aumento de 3,3% ao ano, maior que os 2,4% ao ano da expansão de áreas urbanas. Essa ocupação de encostas intensificou-se nos últimos 38 anos, quando 70% dessa ocupação ocorreu. No Rio de Janeiro, entre 1985 e 2023, ocorreu a ocupação de mais 811 hectares de áreas de encostas, o segundo maior crescimento em cidades do país, logo atrás de São Paulo, com 820 novos hectares ocupados.

Já a ocupação de beira de rios e córregos avançou no mesmo período à proporção de um para cada quatro hectares de novas áreas ocupadas nas cidades. Em 2023, 26,6% das áreas urbanas do país encontravam-se a três metros ou menos da beira de rios e córregos. Tal situação, além de impactar esses cursos d’água, traz enormes riscos para os moradores ali estabelecidos.

Nem todas as áreas ocupadas em encostas ou em beiras de rios são áreas de moradia de baixa renda. Mas, pelo histórico da evolução urbana brasileira, é bem provável que uma parte significativa o seja. É o processo descrito por estudiosos como injustiça ambiental, em que aos pobres são reservadas as áreas mais problemáticas das cidades. Se não são as áreas sujeitas a desastres naturais, são aquelas de grande concentração de poluentes, como bordas de lixões e depósitos de resíduos industriais.

Nas décadas de 1960 e 70, especialmente aqui no Rio, vendeu-se a falsa ideia de que seria possível erradicar as favelas. Na verdade, o alvo do poder público foram aquelas localizadas na Zona Sul da cidade. A transferência de seus moradores para locais distantes produziu áreas altamente valorizadas, como a Lagoa e o Leblon. 

Já na década de 1990, teve início um processo de urbanização de favelas, o Favela-Bairro. No entanto, mesmo tendo sido internacionalmente reconhecido e replicado em outros países, ele foi paralisado pelo atual prefeito. Atualmente, a Cidade do Rio de Janeiro, assim como outras, não constrói habitação social, nem urbaniza suas favelas. Por mais estranho que isso pareça, o tema não esteve presente na campanha eleitoral municipal recentemente terminada. Realmente, não há motivos para surpresas com o dramático aumento das favelas.

Artigo publicado no Diário do Rio em 14 de novembro de 2024.

quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Viver, sonhar nas ruas

Rennes - foto RobertoAnderson

Eles, e elas, estão por aí, em quase todos os bairros das grandes e médias cidades. Mas, mesmo nas cidades pequenas, lá estão. A crise econômica passou, o Brasil está, tecnicamente, em situação de pleno emprego, mas os moradores de rua seguem existindo. 

Aparentemente, já não são as famílias despejadas pela violência econômica ou do crime organizado as que estão nas ruas. A melhora da situação do país, e talvez uma maior atuação das prefeituras, reduziu essa marca amarga do desabrigo. Também não se vê com tanta frequência aqueles bandos de crianças dormindo nas calçadas e cometendo pequenos delitos. Estarão os Conselhos da Infância e Juventude agindo? Com sorte, não teremos outra chacina da Candelária. 

Mas, seguem nas ruas os tipos apegados à mendicância ou simplesmente fora de órbita. Um pão conseguido aqui, uma quentinha ali, são suficientes para mantê-los por perto. O pedido é feito nas portas das padarias, nas varandas dos restaurantes, suas presenças incômodas quase se debruçando sobre os pratos. Despertam culpa ou repulsa, às vezes os dois sentimentos misturados. Com frequência conseguem alguma coisa. Me compra uma quentinha? Poucos dão atenção. Mas há sempre uma senhora, uma boa alma, que lhes atenda. 

São como cometas vindos de cracolândias distantes, vagando por bairros, especialmente os da Zona Sul do Rio, aos quais não se sabe como chegaram e por quanto tempo ali permanecerão. Despertam o receio da fixação de um novo ponto do vício. São parentes distantes do louco do bairro. Mas já não são vítimas da zombaria de crianças, que os olham assustados, puxados pelas mães. 

Alguns se fixam num local por um tempo. Varrem a calçada diante de suas tralhas e conquistam a simpatia de alguma vizinha que lhes leva algo de comer. Realizam pequenos serviços, como a guarda de carros nos horários em que o pessoal oficial já se foi, ou catam latas e materiais para reciclagem. Outros têm a atenção voltada para algo fora do mundo que os cerca, perambulam a esmo, se metem entre os carros com o sinal aberto, falam sozinhos, divagam sem nada concluir.

Difícil encontrar poesia, liberdade de espírito ou rebeldia onde o que sobressai é a triste figura do pedinte. Passantes podem desejar uma mágica que os faça desaparecer. Que deixem de atormentar as suas consciências. Mas não, eles seguem existindo e não há instituição pública que se interesse por eles.

Uns são tristemente jovens, e fica-se querendo adivinhar a pessoa de banho tomado e cabelos penteados que há muito se perdeu, a sujidade das ruas colada em seus corpos. Quem são, quem terão sido, que familiares terão deixado, existirá alguém que ainda pense neles?

Todas as noites dorme-se nas ruas sobre trapos ou restos de papelão. Às vezes o sono chega durante o dia. É quando o vai e vem dos passantes traz mais segurança. O caminho do sono lhes parece estranhamente fácil. Que bebidas, drogas ou cansaço lhes proporciona o abandono do sono na calçada suja, na terra fria, na porta dos estabelecimentos? Há tempos nos acostumamos com suas presenças. Pouco nos incomodamos.

Artigo publicado em 07 de novembro de 2024 no Diário do Rio

quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Adeus ao pequeno palacete do Catete

Durante anos trabalhando no Centro do Rio de Janeiro, meu trajeto de ônibus passava pela rua do Catete. E, sendo adepto convicto dos sistemas de transporte público, isso significava aceitar certos perrengues. Mas, se fosse possível viajar sentado, e se o ar-condicionado estivesse funcionando, curtir a cidade pela janela era sempre um prazer. Ali na altura do Ciep Tancredo Neves, me deliciava com a visão dos sobrados que restavam do lado par da rua. O lado ímpar, naquele trecho, havia sido demolido para a construção do metrô, época em que se destruía o passado sem dó. Hoje essa destruição permanece, mas é mais envergonhada, silente. Mesmo assim, constante.

Em meio à fileira de sobrados daquele trecho de rua, havia um que particularmente me encantava. Era uma miniatura de um palacete barroco francês, uma obra do ecletismo, essa linha estética da arquitetura tão atacada pelos modernistas. Lá estava o pequeno sobrado com ares de superioridade entre seus pares. O que lhe conferia essa distinção era o telhado afrancesado em ardósia, com inclinação capaz de repelir a neve tropical. Havia também uma torre encimada por pináculos e janelas circulares de chapa metálica, salientes da superfície do telhado, à maneira das mansardas parisienses. 

Essa cobertura era todo o charme da edificação, já que sua fachada era semelhante às dos sobrados vizinhos. Mas ela ruiu. Foi consumida pelo fogo recente que a destruiu, na rua do Catete 48. Mais um sobrado destruído na cidade. Diz-se que andava invadido por população de rua. Se esse era o caso, o incêndio era uma questão de tempo. Como pode uma cidade não dar atenção ao seu rico Patrimônio?

É preciso deixar a imaginação fluir para tentar entender como aquela pequena joia foi erguida no Catete. Recriar os sonhos de grandeza de seu construtor. Ali perto, estava o Palácio que era a residência do presidente da República. Construir uma miniatura de um palácio francês certamente atrairia a atenção dos poderosos. A admiração de quantos teria captado? Quem teria se hospedado no seu sobrado? Que saraus ali teriam sido promovidos? 

A eternidade, a permanência, seria a recompensa desejada, e merecida, pelo esforço do construtor. Mas não, no século XXI o pequeno palacete ruiu ante um incêndio. Quem terão sido os herdeiros? Por que brutalidade da alma não seguiram cuidando do imóvel? Ou que catástrofe financeira teria se abatido sobre a família a ponto de não mais seguir cuidando do legado de um antepassado sonhador?

Ainda não tive coragem de ir ao local para ver a ruína desse bem que tanto me encantava. Já sei que o caminho até o Centro não será o mesmo. Uma lacuna na paisagem estará ali gritando que o mundo a que me afeiçoei vai desaparecendo.

Alguns privilegiados viajam diversas vezes às belas cidades europeias, como Paris, Londres, Amsterdam ou Roma. E sempre reencontram os marcos arquitetônicos que a todos fascinam. No Rio, vi desaparecer o Palácio Monroe na Cinelândia, o Solar do Visconde de São Lourenço na Lapa, a Fábrica da Brahma no Catumbi, os armazéns da Área Portuária, e uma infinidade de pequenos palacetes e sobrados, consumidos pela ação de proprietários embrutecidos ou pela omissão dos governos. Bem próximo ao pequeno palacete que ruiu, está outro maior, o São Cornélio, em longo processo de arruinamento que nada parece ser capaz de interromper. 

Percebo que o pequeno palacete do Catete ocupava um lugar de distinção nos elementos da minha paisagem particular. Ele se foi e o fato de saber que não mais existe é um incômodo de grande proporção. Ver o seu mundo desaparecer, perder referências, será isso também morrer? Talvez sim. Morre-se lentamente quando as coisas à sua volta, as pessoas e as ideias deixam de fazer sentido. Mas aqui retira-se violentamente elementos da paisagem que marcam nossas vidas. É triste. 

Artigo publicado em 31 de outubro de 2024 no Diário do Rio.


quinta-feira, 24 de outubro de 2024

A rua chama

Oi, chama o moço, que o moço volta. Compro cobre, compro chumbo, alumínio e metal, pego seu fogão velho, sua geladeira velha, sua máquina de lavar velha, seu ar-condicionado velho. O moço tá passando e tá comprando. Oi, chama o moço, que o moço volta. Em seguida, toca uma música de tom evangélico, prometendo uma nova vida, uma nova história, meu bem. 

Será uma nova vida para o item a ser reciclado ou para o doador? Se destinada ao primeiro, seria um favor enorme ao meio ambiente. Já ao segundo, considerando a sua boa ação, seria desejável lhe dar a opção da escolha. Nada garante que a nova vida oferecida seja melhor...

Em diversos bairros do Rio essa cantilena chega às janelas dos edifícios. Ela vem de kombis caindo aos pedaços que se confundem com a sucata que recolhem. Deve existir uma organização das kombis velhas a serviço da reciclagem. Elas passam invisíveis pela invisível fiscalização do estado de conservação dos veículos que rodam em nossas ruas. De qualquer forma, fica-se sem saber se algum morador de andares mais altos é capaz de descer correndo com o seu ferro velho a tempo de entregá-lo ao comprador. 

Sinais, nem sempre claros para não iniciados, chegam das ruas. São os sons centenários dos vendedores, os verdadeiramente ambulantes, nas ruas de nossa cidade. Ôh vaassoureiiirooo! O vendedor da voz grave e das sílabas alongadas é um clássico que resiste ao tempo. A pé, carregando diversos tipos de vassouras, ele segue existindo nas ruas da cidade. Um herói dos velhos tempos, já que talvez seja o último a, verdadeiramente, ambular a pé. Quem, aparentemente, deixou de circular pelas ruas foi o amolador de facas. O som agudo, estridente, da sua roda de amolar raspando no metal está na memória de muita gente. 

Em kombis ou caminhonetes seguem também o vendedor de pamonha e o de abacaxis. O primeiro já sofreu campanhas contrárias pela irritação dos moradores à insistência e à frequência com que passava nas ruas. Já o vendedor de abacaxis estaciona seu caminhão em algum bairro e confia na atratividade do cheiro adocicado do seu produto. Irresistível forma de atrair a clientela. Estratégia semelhante à do vendedor de goiabas, com suas lindas frutas em banquinhas nas esquinas. O homem do abacaxi, assim como o comprador de metais e o vassoureiro são personagens das ruas cariocas desde o século XIX, ou mesmo de antes.

Em O Rio de Janeiro do Meu Tempo, Luís Edmundo faz um relato das diversas profissões ambulantes existentes na cidade do Rio de Janeiro na virada do século XIX ao XX. Ali encontramos o preto fabricante de cestos, hoje talvez substituído pelo homem que conserta cadeiras de palhinha. Ali estão também o vendedor de carvão, o português dos perus, o italiano do peixe, o turco dos fósforos, o vendedor de abacaxis, o vassoureiro, o comprador de metais, o garrafeiro, a negra da canjica, o português que vende empadas nas portas dos teatros, o sorveteiro, o mascate de panos, o doceiro, a baiana e o vendedor de caldo de cana. Este último resiste nas feiras, sempre atraindo enorme clientela. Já os meninos vendedores de jornais, que chegaram a ganhar uma estátua, atualmente localizada na rua Sete de Setembro, encontram-se nas escolas. Finalmente, o trabalho infantil foi banido de nossa legislação.

Então, caro leitor, quando ouvir uma voz de vendedor vindo da rua, não se irrite. Eles estão ali há muito mais tempo do que todos nós.

Artigo publicado em 24 de outubro de 2024 no Diário do Rio.

sexta-feira, 18 de outubro de 2024

Uma rua em Gaza

Gaza-foto de AnasShamallakh 

O céu é azul, mas nele voam aviões e drones israelenses que matam quem está ali embaixo na terra. Os edifícios estão em escombros, depois de seguidos bombardeios, mas há quem lá more e coloque roupas no varal. O que resta da rua está tomado por blocos disformes de concreto, ferros retorcidos, poeira de alvenaria desfeita, cacos de vidro, pedaços de brinquedos de crianças. Apesar disso, uma mulher insiste em varrer, deixando limpo o pequeno trecho do seu mundo desabado, se isso é possível. Nas guerras, as mulheres perdem os maridos, perdem os filhos, cuidam dos que restam, tratam dos velhos, choram e se desesperam. Mas são elas que sempre dão início ao trabalho de reconstrução, de volta a alguma normalidade, mesmo que as bombas sigam caindo, e que sua família possa desaparecer, como já ocorreu a tantas outras. O que sobrou de asfalto está marcado pelo sangue dos que foram atingidos por atiradores de elite, dos que tiveram seus corpos esmagados sob os tanques, dos que foram dilacerados em pedaços por bombas, dos que ficaram esmagados, incógnitos, sob as lajes desabadas. Não se vê crianças, os alvos mais doídos, mas elas, em algum buraco, certamente existem. Em algum lugar, seguem sentindo fome e pensando em brincar. Vestem suas roupas sujas, têm os cabelos desgrenhados e os olhos de súplica e incompreensão do mundo violento que as cerca. Em alguma rua de Gaza, apesar do genocídio, alguns seres humanos relutam em não desaparecer.

Artigo publicado em 17 de outubro de 2024 no Diário do Rio


sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Plantar é preciso

No início da década de 1970, morando no Jardim Botânico, li no jornal que a Prefeitura do Rio tinha um novo serviço, um telefone para quem quisesse solicitar o plantio de uma árvore. Bastava indicar o endereço de um espaço vazio na calçada, onde já existisse uma gola, aquele quadrado não pavimentado da calçada. Melhor ainda, na primeira tentativa, descobri que o serviço funcionava, realmente vinha um caminhão com um grupo de trabalhadores e plantavam a muda solicitada. Se não me engano, era até possível indicar a espécie desejada, o que me levou a pesquisar sobre o assunto. 

Detentor desse novo poder, saía andando pela vizinhança anotando os endereços de possíveis plantios que, após comunicados à Prefeitura, eram devidamente realizados. Depois, eu voltava a circular pelo bairro, verificando se as mudas estavam bem, se ninguém as havia danificado. Me lembro de um morador que passou a regar a que foi plantada diante da sua casa, e da vontade de lhe contar a minha façanha. 

Hoje em dia, ao caminhar pelo bairro, reconheço algumas árvores plantadas após aqueles telefonemas. Estão grandes e frondosas, e espero que, tão cedo, não sejam abatidas pelo corte realizado pela mesma prefeitura, chamada a remover árvores com risco de queda. Aliás, uma das grandes demandas que chegam atualmente à administração municipal é a poda de árvores, muitas vezes por motivos fúteis. 

Ainda é possível solicitar o plantio de uma árvore, mas o pedido entra numa fila que, no final da malfadada administração Crivella, era gigantesca e pouco atendida. Não deve ter sido zerada, já que a Prefeitura não destina verbas específicas para arborização urbana, dependendo de medidas compensatórias, quando novas edificações são licenciadas ou crimes ambientais são autuados. Uma pena que não seja algo atendido com rapidez pois, em tempos de crise climática, o cidadão que pede o plantio de uma árvore está solicitando um serviço de primeira necessidade. É preciso engajar a sociedade na tarefa de tornar nossas ruas mais arborizadas. Mas, antes, é preciso que a Prefeitura tenha a arborização urbana como projeto prioritário para as atuais condições climáticas. 

Em 2019, com um plano de tornar a cidade mais sustentável e mais resiliente às ondas de calor produzidas pela crise climática, a Prefeitura de Paris anunciou a meta de plantar 20 mil novas árvores até o fim de 2020. Esta meta foi atualizada para um plantio de 170 mil novas árvores até 2026, o que será uma marca notável. Além disso, a cidade irá remover 40% do asfalto da cidade. E esse trabalho já está sendo executado. 

Tanto quanto o Rio de Janeiro, e São Paulo, a cidade de Paris é membro do C 40, a rede de prefeitos de cidades que se propõem a buscar soluções para a crise climática. No entanto, nesta última é muito claro que existe um plano de adaptação da cidade a esse novo desafio, e que o mesmo está sendo colocado em prática. Por que não percebemos isso em nossas cidades? Os planos aqui até existem, mas mesmo tendo metas menos ambiciosas, não são desenvolvidos. A questão climática esteve pouco presente nas propostas de prefeitos e vereadores recém-eleitos, uma lacuna incompreensível. É preciso mudar, é preciso plantar. 

Artigo publicado em 10 de outubro de 2024 no Diário do Rio.

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Um voto por Marielle

No próximo domingo, os brasileiros, com exceção dos moradores de Brasília, elegerão seus prefeitos e vereadores. Até aqui as disputas para prefeitos das capitais, como de costume, vêm sendo relativamente bem acompanhadas pela imprensa. São Paulo nos apresentou o bolsonarismo ponto 2, a nova ameaça. Uma evolução naquilo que já provocava calafrios e que se acreditava não poder ser pior. Pois pode. Um modelo de fazer política na base da agressão permanente, da lacração pela prática de caluniar adversários, de se mostrar abertamente misógino, preconceituoso e violento. Um modelo que, por se mostrar viável eleitoralmente, mesmo que não alcance a vitória num primeiro momento, deverá se expandir por entre oportunistas de todos os quadrantes do país.

No entanto, a atenção aos candidatos à vereança é sempre menor, o que faz com que os resultados sejam surpreendentes, e mesmo ignorados pela maioria do eleitorado. Desatenção preocupante. São nas Câmaras de Vereadores que os prefeitos confirmam suas políticas para as cidades, ou as têm corrigidas. De lá partem as aprovações de onde gastar os recursos públicos municipais. De lá partem leis que afetam o dia a dia do cidadão. De lá partem legislações que podem afetar irremediavelmente a paisagem das cidades ou protegê-las. São as Câmaras Municipais que homenageiam e concedem títulos de cidadãos honorários a pessoas merecedoras das homenagens e a outras que nem tanto.

Foi na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro que uma mulher vinda da favela se projetou nacionalmente, e internacionalmente, infelizmente pela pior das razões, o seu assassinato. Marielle Franco, usando seu mandato a serviço dos mais desfavorecidos, ousou contrariar os interesses da máfia da grilagem de terras urbanas na cidade, que ocorre geralmente por desmatamento e ocupação de terras públicas. Se a ação de uma vereadora foi capaz de incomodar criminosos tão poderosos, com ramificações no Tribunal de Contas, na política e na polícia, é porque esse tipo de prática está ocorrendo debaixo do nosso nariz e precisamos de mais pessoas corajosas que a enfrente. Nunca nos esqueçamos que a terra urbana, um valor construído coletivamente, que deveria ser usada para o benefício coletivo, foi transformada em um grande ativo econômico, alvo de especulação, pelo qual grupos poderosos, alguns mafiosos, se digladiam. E cabe ao poder municipal, o que inclui a Câmara de Vereadores, regular o uso dessa terra.

Há muito o que fazer pelas cidades. Há a crise climática batendo às portas e exigindo políticas de adaptação. Há a necessidade de arborização intensa das ruas e praças, e a necessidade de buscar melhores soluções para o problema das chuvas torrenciais. Há diversos novos modelos de organização do espaço urbano sendo implementados nas principais cidades do mundo. Paris vem investindo no conceito de proximidade da moradia ao trabalho, às necessidades mais básicas e ao lazer, a chamada cidade de 15 minutos. Cidades de países nórdicos vêm buscando novos parâmetros na busca da construção da sustentabilidade.

Na cidade do Rio de Janeiro vemos ações descosturadas. Uma rede de ciclovias incompleta e malcuidada, um VLT limitado aqui, uns novos parques ali, um metrô que não avança acolá, um programa de revitalização de áreas centrais que pode se transformar no paraíso dos investidores em imóveis para locação de temporada... Em todas essas políticas a ação, ou omissão da Câmara de Vereadores se faz presente. E boa parte dos vereadores eleitos não têm ideia da complexidade da cidade, voltando-se para o atendimento de demandas paroquiais ou para o simples endosso das políticas propostas pelo prefeito.   

No próximo domingo o eleitor terá mais uma chance de fazer bonito, de enviar às Câmaras de Vereadores políticos comprometidos com o bem-estar dos cidadãos e com a melhoria das cidades. Por isso, é tão importante nessa reta final voltar a atenção para os candidatos àquelas casas. Se entre os candidatos a prefeitos há os bem-intencionados, mas também há os histriônicos, os populistas e os violentos, entre os candidatos às câmaras municipais esses atributos estão muitas vezes multiplicados. Dá trabalho, mas é muito importante saber escolher. A memória de Marielle merece um voto consciente. 

Artigo publicado em 03 de outubro de 2024 no Diário do Rio

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

O parque não é mais aquele

Keller Fountain Park - Portland

Duas semanas atrás, a Prefeitura do Rio abriu à população carioca o ainda inacabado Parque Oeste, em Inhoaíba. Isso se deu em plena campanha, configurando uma burla da legislação eleitoral, já que desde o dia 06 de julho são proibidas inaugurações por candidatos à reeleição. A jogada é que não foi bem uma inauguração, mas uma abertura (nada inocente) dos portões do parque ao público. Daqui a um tempo, se reeleito, o prefeito ainda poderá fazer a inauguração oficial. 

Talvez a maior atração do parque seja a escada de águas, onde crianças e adultos se esbaldam, subindo e descendo enquanto a água corre continuamente. Há também esguichos vindos do chão, outra opção de quem deseja se refrescar no parque. Os arquitetos que vêm projetando os novos parques da Prefeitura, muito provavelmente, leram o paisagista americano Lawrence Halprin, que propõe parques assim, voltados para um lazer ativo. Com efeito, o Parque Oeste oferece ainda pistas de skate e byke cross. Espera-se que tenham lembrado de que Halprin propõe também espaços de calma, um balanceamento entre o Yin e o Yang.

O Parque de Madureira já conta com uma cascata para a criançada se banhar, assim como o Parque Suzana Naspolini. Este último ainda recebeu estruturas metálicas no mesmo formato daquelas chamadas de superárvores, existentes no Gardens by the Bay, em Cingapura. Lá, elas captam a água da chuva e servem de suporte à vegetação, como árvores verticais. As do Rio são menores que as suas congêneres e servem como peças de um espetáculo de luz noturno. Além disso, foram projetadas para também aspergir vapor d'água, que amenize a temperatura, a exemplo do que foi projetado nos calçadões de Bangu e de Campo Grande. Nos calçadões esses dispositivos já não funcionam.

Os novos parques cariocas parecem ser desprovidos de arborização intensa, talvez por suas mudas ainda serem jovens, ou por opção projetual mesmo. Definitivamente ficam para trás os parques voltados para o lazer contemplativo do século XIX, assim como os parques modernistas de Burle Marx e os parques de recuperação ecológica de Fernando Chacel, ambos do século XX. Os novos parques do Rio têm algo daqueles parques temáticos que a iniciativa privada oferecia, com entrada paga, como os parques de águas com piscinas e tobogãs. E são localizados em áreas com carência de lazer e áreas verdes, como as Zonas Norte e Oeste, o que é positivo. 

Mas eles trazem um novo elemento, que é o alto custo de manutenção. As águas utilizadas precisam ser continuamente filtradas, as bombas que permitem seu circuito precisam ser mantidas, assim como as pistas para skate e bike-cross, as pequenas superárvores, os aspersores de água, as churrasqueiras... E os custos dessas manutenções não são pequenos. 

A gestão, e o orçamento, do Parque de Madureira, o primeiro dessa série e, por muito tempo o único, ficou administrativamente alocada no gabinete do prefeito, algo atípico. Para o Parque de Madureira nunca faltaram recursos. Era a vitrine da outra gestão do prefeito. Não importava que a Fundação Parques e Jardins estivesse sucateada e com um orçamento apertado, que o Parque do Flamengo precisasse de restauração urgente, assim como o Campo de Santana e a Quinta da Boa Vista.  

Nesses dois últimos as grutas construídas com estalactites e espaços para provocar curiosidade e fascinação estão há tempos interditadas por falta de manutenção. Os lagos artificiais do Campo de Santana sofrem com rachaduras no seu piso por onde a água se esvai. Um deles está permanentemente vazio há muitos anos. E as altas contas da Cedae, que mal cabem no orçamento desse parque, levam à pouca renovação das águas dos lagos. Na praça da avenida Princesa Isabel, em Copacabana, os repuxos de água vindos do piso, os primeiros a serem instalados na cidade, funcionaram por um par de anos e depois nunca mais. 

Como se vê, parques têm custos e os novos parques da cidade têm custos muito acima da média dos parques que já existiam. A fórmula de só cuidar dos novos, os que dão dividendos políticos, é muito injusta. Não é correto pinçar alguns como vitrines e deixar os demais à míngua. Aparentemente, a proposta da atual administração municipal é a concessão dos parques à iniciativa privada. O Parque de Madureira, inclusive, já estava na lista do primeiro lote a ser oferecido em leilão. 

A fórmula da concessão prevê o repasse de verbas municipais aos gestores e que esses possam auferir recursos com atividades lucrativas dentro dos parques. Mas com concessão ou não, as verbas públicas para a manutenção desses parques não podem sofrer descontinuidade, uma marca do nosso setor público. O próprio Parque de Madureira foi vítima de descaso na administração Crivella. Se no futuro a tradição de descontinuidade das políticas públicas se confirmar, as novas joias do sistema de parques da cidade correm o risco de sofrer do mesmo triste abandono dos nossos parques históricos. E o alto custo para sua manutenção poderá jogar mais água nesse moinho. 

Artigo publicado em 26 de setembro de 2024 no Diário do Rio.

domingo, 22 de setembro de 2024

Adorável Marcia

 

Nesta semana Ipanema perdeu uma de suas garotas. Na juventude, Márcia Coutinho morava ali na Bulhões de Carvalho, frequentava a praia no píer e tinha uma turma imensa de amigos, onde o seu sorriso franco dominava. Antes de ser usual se locomover de bicicleta na cidade, muito antes das ciclovias, Márcia já rodava com a sua pela Vieira Souto. E pagava o preço do pioneirismo: era vítima dos machões de carro querendo lhe passar a mão. Claro que palavrões voavam de volta. Bem antes também da onda de academias, dos programas de TV de Jane Fonda, Márcia já malhava, destoando dos amigos, ainda naquela de ser magrelos e relaxados. 

No cursinho de vestibular a gata chegava de moto com um amigo, sempre um pouco atrasada. Causava ao entrar na imensa sala de aula, apinhada de sofridos vestibulandos. Com seus longos cabelos negros, às vezes ainda molhados, sua calça Saint Tropez, aquela da cintura baixa, e sua bata branca, sem qualquer esforço ou afetação, imediatamente se fazia notar. Contudo, ela era das mais estudiosas e foi com facilidade que passou para a Faculdade de Arquitetura da UFRJ. 

Encontrá-la pelos corredores da faculdade, poder sentar no chão, encostados nos brancos pilotis, reclamar do excesso de trabalho passado pelos professores, combinar de fazê-los juntos na sua casa, onde Dona Rosa serviria um refresco, eram alguns dos prazeres do curso. Márcia era a amiga, a pessoa que nunca faltava àqueles a quem se afeiçoava. Era a rainha da turma mais chegada dos amigos. Márcia contava das suas viagens lisérgicas, do prazer dos fins de semana no sítio em Maricá, e falava da vontade de ter filhos. Ela sempre foi um misto de hippie e certinha. Era dona de um dos melhores cadernos da faculdade, franqueado aos amigos em atraso com as matérias. 

Os estudos a levaram ao mestrado em planejamento urbano. E daí a uma profícua atuação nessa área na Prefeitura do Rio. Foi quando se aproximou do tema favela, trabalhando na inclusão delas nos mapas da cidade, onde até então eram ausentes. 

Um desafio maior a levou à Light, o de regularizar o fornecimento de luz em favelas, com a consequente regularização das ligações e contas. Ter uma conta de luz no seu nome é um bem enorme para moradores de comunidades. Muitas vezes é o único documento de comprovação de endereço. 

Márcia andou pelas favelas mais esquecidas, as recém-constituídas, aquelas que o poder público fazia questão de não ver, e que depois seriam ocupadas pela guerra mortal de facções do crime organizado, e pela milícia. Após alguns anos, ela voltou à Prefeitura, onde atuou na Secretaria Municipal de Habitação em projetos voltados para a urbanização de favelas e na Secretaria de Meio Ambiente. Na maior parte da sua carreira profissional, Marcia Coutinho esteve dedicada ao serviço público e ao trabalho de pensar soluções para os problemas da Cidade do Rio de Janeiro, que ela tanto amou.

Márcia teve os namorados e os maridos que quis, teve seus filhos, construiu sua casa na encosta da Cardoso Júnior, teve seus netos, distribuiu amor e alegria para tantos quantos dela se aproximaram. Nos últimos anos cultivou a paixão pela literatura, num clube de leitura. E retomou a paixão pelos percursos de bicicleta. Foi num desses, no meio de uma estrada na Europa, que conheceu o seu último amor.

Marcia se foi nesta semana de intensas atividades na cidade, pontos facultativos, Rock in Rio, turistas pelas ruas e efeitos da crise climática. Foi cedo demais. As saudades de todos os que com ela conviveram profissionalmente e de todos os inúmeros amigos que fez pela vida já são imensas.

Artigo publicado no Diário do Rio em 19 de setembro de 2024.


terça-feira, 17 de setembro de 2024

Uma chance ao debate

Brevemente os eleitores da Cidade do Rio de Janeiro terão a oportunidade de eleger o seu prefeito para os próximos quatro anos. Diferentemente do que ocorre em São Paulo, aqui há um candidato isolado na liderança. Estaria a parcela dos eleitores que poderia estar indecisa seguindo acriticamente a maioria? Um pouco mais de disputa talvez fosse do interesse dos cariocas.

O prefeito, que lidera a disputa, é simpático e bem avaliado, apesar de se dizer que, privadamente, não é bem assim com seus subalternos. O prefeito é boa praça, amigo da Tia Surica, frequenta a Portela e, depois de já ter feito oposição ao atual presidente, agora o apoia. Mas será que só a simpatia basta? Analisemos alguns dos programas que deveriam beneficiar a população. 

Podemos começar pela habitação social, uma função sabidamente municipal. Na sua primeira gestão o prefeito recebeu dois programas vitoriosos e premiados em andamento: o Favela-Bairro e o Novas Alternativas. Por vaidade, o nome do primeiro foi trocado para Morar Carioca. Depois, com a vinda das Olimpíadas para o Rio, e a demanda por verbas para a execução da infraestrutura daquele evento, esse fantástico programa foi simplesmente interrompido. Já o Novas Alternativas, que recuperava sobrados e casarões da área central, transformando-os em moradia social, desde o início padecia de limitação de verbas e foi sendo apagado até não mais existir. 

Não importa se o Banco Mundial recomendou a adoção do programa de urbanização de favelas para outras cidades do mundo, se Medelin, na Colômbia, o aperfeiçoou. Por aqui ele nunca mais foi visto. Ah, mas o Prefeito reurbanizou a favela Vila do Aço e lá construiu habitações. Certo, fez isso no último ano da sua administração e numa única favela, entre as centenas de outras áreas carentes da cidade. 

Ainda no quesito habitação social, a lei do programa Reviver Centro, criado na atual administração, propõe a constituição de um estoque de unidades residenciais para um programa de aluguel social naquela região. Prevê também a arrecadação de imóveis em dívida com o Município para posterior destinação a habitação social. Nada disso foi feito. As unidades residenciais construídas pelas empresas que atuam no programa são claramente destinadas a investimentos e a aluguéis por aplicativos para curtas temporadas. Nada destinado a famílias que necessitam de moradia mais digna.

Se formos avaliar a atual administração do ponto de vista da proteção ao meio ambiente os resultados também não são animadores. A primeira iniciativa do prefeito nessa área foi a de retirar o licenciamento ambiental da Secretaria de Meio Ambiente. Parece absurdo, mas é isso mesmo. Atualmente, quem faz o licenciamento ambiental na cidade é uma secretaria voltada para a formação de parcerias com a iniciativa privada. O conflito de interesses é evidente. 

No quesito arborização urbana, algo tão importante para as cidades, especialmente em tempos de aquecimento global, a atuação da Prefeitura é bastante tímida. Não há verba específica para um programa de arborização urbana, mesmo sendo as Zonas Norte e Oeste pouco providas de árvores nas ruas. A Prefeitura depende de medidas de compensação, quando novos edifícios são construídos, para realizar algum plantio nas calçadas. 

Se pensarmos a mobilidade do ponto de vista da sustentabilidade, ficaremos igualmente insatisfeitos. A significativa compra de novos ônibus para o sistema BRT foi de veículos a combustão, perdendo-se uma excelente oportunidade de dar início a um programa de eletrificação da frota de transporte público. E as ciclovias da cidade? Quase não foram estendidas, uma pena.

Analisando-se a forma de governar, é possível encontrar alianças políticas certamente estranhas. Há aproximação com bolsonaristas, com crivellistas e houve até a nomeação de um dos acusados de ser mandante do assassinato de Marielle Franco para o secretariado. Além disso, a primazia dos interesses do mercado, entre eles do mercado imobiliário, na definição das ações e políticas municipais é bastante marcante. Interesses que não devem ser coincidentes com os daqueles com os quais o prefeito é simpático. 

Na prática de ser boa praça cabem, por exemplo, privatizações do espaço público, favorecimento a times de futebol e incentivos à verticalização exagerada dos edifícios da cidade. Vale também ressuscitar a lei Mais Valerá do ex-prefeito Crivella, que permite burlar a legislação de edificação mediante pagamento. Um gesto mega simpático com quem pode pagar para não respeitar os parâmetros urbanísticos vigentes.

A persistir o ritmo atual o prefeito poderá ser reeleito no primeiro turno, da mesma forma como ocorreu na reeleição do atual governador, o que se mostrou bastante problemático. Seria bem melhor se o eleitor aceitasse ter um pouco de dúvida e provocasse um segundo turno. Haveria a chance de se discutir um pouco mais a fundo os problemas da cidade. 

Artigo publicado no Diário do Rio em 12 de setembro de 2024.

domingo, 8 de setembro de 2024

Queimadas nos pulmões

 

Agosto foi mês de desgosto, pelo menos no que se refere ao absurdo aumento das queimadas país afora. Brasileiros, como cada um de nós, por avidez ou ignorância, estão pondo fogo nas matas e plantações. A Amazônia está em chamas. Arde o Pantanal. Minas, São Paulo e Goiás, centros do agronegócio, estão em combustão. Na comparação entre agosto de 2023 e o de 2024 houve um aumento de 144% nas queimadas no Brasil. Na Amazônia o aumento foi de 83%. Tudo provocado pelo homem daninho. 

Os poéticos e benfazejos "rios voadores", uma faixa flutuante que atravessa o país de Norte a Sul carregando umidade, se transformaram em rios de fuligem. Fuligem da vegetação queimada, das árvores incineradas, das aves e mamíferos calcinados, do nosso futuro sendo dilapidado. E o destino dessa fumaça são os nossos pulmões. Não importa se você mora no litoral ou no interior, a fumaça alcança o seu nariz. 

O céu escureceu em cidades do Pantanal e da Amazônia. Uma névoa escura tomou conta de São Paulo e Rio. Quando a fumaça chegou a Brasília, as autoridades de saúde sugeriram o uso de máscaras. Já era tarde para as milhares de crianças com acessos de bronquite. Para os que tiveram que passar horas na nebulização. Para os que trabalham nas ruas respirando esse ar maléfico. 

Nas últimas décadas o movimento ambiental tentou salientar o papel das cidades na construção da sustentabilidade. No Brasil, por exemplo, a maioria da população já vive em cidades. No entanto, a vastidão do campo e das florestas impôs a sua avassaladora presença. Quando elas queimam, queimamos todos. 

As queimadas vêm num momento crítico, quando uma terrível seca castiga o Brasil. Os efeitos do aquecimento global se fazem sentir com força por aqui. A pátria das águas, dos rios caudalosos, dos córregos, dos meandros, dos igarapés e das veredas está secando. Corremos o risco de dizer adeus às nascentes, ao frescor dos rios, às sombras das matas. A ganância põe tudo a perder.

Agosto foi um desgosto. Bem pior se anuncia setembro.

Artigo publicado em 05 de setembro de 2024.

 

quinta-feira, 5 de setembro de 2024

O panfletinho

O cara pegou o panfleto, olhou com raiva para quem lhe entregou, amassou o papel de forma a que sua ação fosse vista, e jogou-o no chão. Chato isso, não? Mas é parte do jogo. É hora de campanha eleitoral, momento de tentar convencer os eleitores a prestarem atenção no candidato que se crê bem-intencionado e com vontade de mudar o mundo pela via eleitoral. 

O panfleto em questão traz informações sobre a trajetória do candidato, suas propostas, as personalidades conhecidas que o apoiam e suas fotos. É até bonitinho, bem diagramado, e com um português correto. Diferente de certos panfletos que circulam por aí com diagramações pavorosas, refletindo seus conteúdos reacionários. Distribuir panfletos é uma arte. É preciso saber cumprimentar o passante, captar a sua atenção, e conseguir que ele aceite levar um exemplar. Se será lido com um mínimo de atenção é a grande incógnita de toda essa maratona. 

Uma senhora o aceita e sorri. Um senhor logo atrás também. Mas a senhora seguinte não. E, como numa reação em cadeia, os próximos passantes que presenciaram a rejeição também o rejeitam. Há um certo comportamento de manada entre as pessoas e é preciso recomeçar, conquistar alguém que aceite, e torcer para que a onda de aceitação dure pelos próximos passantes. E assim segue o entregador de panfletos, alguém que não pode ter baixa estima...

Um casal que se aproxima é o próximo alvo. Ele, com cara fechada, recusa. Mas, como é comum acontecer, ela aceita o panfletinho. É como se aquele pequeno ato fosse a reafirmação da sua independência frente ao companheiro. Outra senhora puxa conversa, quer saber mais detalhes. Ouve atentamente e ao fim promete que seu voto foi conquistado. Mas, sabe-se que isto irá durar até o próximo convencimento pelo cabo eleitoral do candidato concorrente. Até o dia da eleição há um longo caminho a ser percorrido. 

Após ser aceito e rejeitado por tantas mãos, o panfletinho do candidato foi aceito por um desatento morador de rua. Ele apenas pega o papel enquanto passa puxando seu carrinho de feira meio vazio. Sequer olha para ver do que se trata. O panfletinho é jogado no carrinho e lá fica, sobre a grade metálica. De vez em quando uma brisa levanta suas pontas, tentando fazê-lo voar para a rua. Mas ele segue no carrinho, sendo puxado por calçadas, ruas e praças. 

Outras coisas vêm se instalar junto ao panfletinho. Latas de alumínio vazias, jornais, uma bermuda velha, uma quentinha já comida pela metade. O morador de rua roda por muitos lugares, atravessa bairros da cidade e, finalmente, para embaixo de uma marquise. O homem tem muitas tarefas a executar. Separar a traquitana que juntou durante o dia, preparar a cama na calçada, comer o resto da quentinha. Por fim, já não tendo mais o que fazer, ele lembra do panfletinho. Pega-o com as mãos de unhas enegrecidas, olha as fotografias e, com o pouco de leitura que aprendeu quando criança, vai tentando entender do que se trata. 

Ele lê palavra por palavra, às vezes soletrando as letras. Juntando as frases com paciência, acha que compreende o que ali está contido. Aquele pedaço de papel fala da condição de vida dos pobres, gente como ele. Fala do descuido com a cidade, o que ele percebe em suas andanças diárias. Fala do descaso com o meio ambiente e do aumento da temperatura, coisa que ele bem sabe ser verdade, pois os dias estão cada vez mais quentes nas ruas onde vive. 

Uma frase lhe chama a atenção. Fala da necessidade de se olhar para o crescente número de pessoas vivendo nas ruas, sem condições de higiene e segurança. Ele sente que é sobre ele que aquilo foi escrito. A emoção lhe umedece os olhos. Alguém se importa. Dobra com cuidado o panfletinho e guarda-o no bolso da camisa. Esse pedaço de papel não irá se juntar aos jornais velhos que ele venderá para o homem da reciclagem. Seguirá com ele, pelo menos até que a camisa velha se perca por aí.

Artigo publicado em 29 de agosto de 2024 no Diário do Rio.


segunda-feira, 26 de agosto de 2024

Edge Rio

O Arco Metropolitano é uma rodovia que liga o Porto de Sepetiba à BR 040, e que visa desviar o trânsito de veículos, especialmente os de carga, das áreas urbanas da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Assim, ele evita as áreas já urbanizadas, atravessando aquelas ainda vazias. Mas, a sua presença pode vir a induzir a ocupação urbana, já que rodovias têm esse poder. Quando a ocupação não é planejada, ela pode ocorrer de forma espontânea e irregular. Não à toa, em 2008, o então Secretário de Obras do Estado do Rio de Janeiro, e futuro governador, Luiz Fernando Pezão, incentivou os empresários a ocuparem as margens do Arco Metropolitano, de forma a evitar uma possível favelização.

Durante muito tempo, não houve resposta dos empresários àquela exortação do ex-governador. A própria rodovia entrou em crise com a queda da circulação de veículos, em função da sua má conservação, da ausência de administração, e da insegurança. No entanto, em 2022 houve a concessão da rodovia para a iniciativa privada e já há notícias do aumento do fluxo de veículos. Surgem também algumas iniciativas empresariais, como o Centro de Logística Golgi, no entroncamento do Arco Metropolitano com a RJ-085, onde foi construído um galpão com 61 mil m2 de área para locação, com previsão de ampliação. Para essa mesma localidade, hoje um lugar vazio, há uma campanha publicitária de um empreendimento voltado para a construção de habitações, comércio e serviços, ocupando uma área de aproximadamente 5 milhões de m2. Complementando esse projeto, haveria um aeroporto para aeronaves particulares, o ArcoRio.

É difícil saber até que ponto essas são iniciativas coordenadas com um planejamento metropolitano ou apostas soltas do mercado imobiliário. A verdade é que o Estado do Rio de Janeiro não prima por ter um planejamento para a sua metrópole, nem um órgão ativo e com força para propor projetos e vê-los implementados. É possível que se esteja assistindo ao surgimento de uma Edge City (cidade à margem), a qual trará novos desafios futuros.

A expressão Edge Cities foi cunhada pelo jornalista americano Joel Garreau que, em 1991, escreveu o livro Edge City: Life in the New Frontier. Ele buscava nomear um fenômeno que consistia no surgimento de áreas urbanas em entroncamentos rodoviários, fora da mancha urbana das cidades já constituídas, com uma grande oferta de postos de trabalho, grandes lojas de departamento e de varejo ou shopping centers e moradia em menor proporção do que os postos de trabalho. Essas novas áreas urbanas não são cidades, na medida em que não são autônomas, têm uma forte participação do capital privado na sua formação e desenvolvimento, e são relativamente recentes, tendo apenas algumas dezenas de anos de existência.  

Garreau também chamou a atenção para a forte presença nessas Edge Cities de escritórios voltados para a área de informática, em edifícios não tão altos, cercados por áreas verdes e pistas de corrida e equipamentos de lazer e diversão. Elas passaram a existir não só nos Estados Unidos, mas também na Europa e na Austrália. Alphaville e Tamboré, na área metropolitana de São Paulo, seriam exemplos desse modelo de urbanização. O fato de serem fenômenos em crescimento, não significa que sejam a melhor solução para a constituição de espaços urbanos. Quando, eventualmente, o poder público decide investir no lugar, trazendo transporte público, instituições públicas de administração e de saúde, como foi o caso de Surrey no Canadá, isso se mostra uma operação custosa.

Se até em países com mais tradição de planejamento essas urbanizações privadas e descoladas dos contextos das cidades vêm existindo, o que não poderá ocorrer no Brasil, um campo fértil para as experimentações do capitalismo? Com tempo, saberemos.   

Artigo publicado em 22 de agosto de 2024 no Diário do Rio.

sexta-feira, 16 de agosto de 2024

Volta às aulas

O segundo semestre letivo chegou. Em ondas sucessivas os estudantes foram voltando às aulas. Parece que os pequenos voltaram antes do que os universitários, um alívio para os pais, sobrecarregados durante as férias. Entre os universitários, quando o calendário não está bagunçado por greves passadas, os das públicas voltaram antes. No final, estão todos em salas de aula, alunos e professores, pelos próximos quatro meses. 

Os efeitos na cidade são evidentes. Há mais pessoas circulando. Há mais pessoas nos ônibus, nos trens e no metrô. Nas calçadas, se vê a garotada uniformizada. O barulho de suas brincadeiras volta a chamar a atenção. 

Desaparece aquela calma relativa no trânsito. Voltam os engarrafamentos provocados pelo aumento de carros circulando nas ruas e, principalmente, pelo acúmulo de carros de pais parados nas faixas de trânsito em frente às escolas particulares. Boa parte em filas duplas. Quanto mais exclusiva, mais confusão no trânsito aprontam os pais. Como não há policiamento de trânsito na cidade, todos são afetados, mesmo aqueles que abominam a ideia de ter filhos.

É verdade que a violência é um problema, o que faz com que os pais, aqueles que podem, atrasem ao máximo o momento em que os filhos passam a ir sozinhos à escola, uma pena. Bons tempos aqueles em que miúdos que mal conseguiam carregar suas pastas já podiam caminhar sozinhos até o colégio. Mas há também um certo exagero, uma falta de confiança no transporte público e na sagacidade dos filhos. Dar-lhes autonomia é acreditar neles e vê-los corresponder e crescer. Aqui, boa parte dos filhos vão seguir sendo levados de carro à escola. 

Os professores encontram seus novos alunos, o que é sempre um momento esperado por ambas as partes. Será o mestre, ou a mestra, interessante e capaz de captar a atenção da turma e fazê-la progredir no semestre? Serão os alunos poucos ou numerosos? Serão atentos? Formularão perguntas interessantes? Os dois lados se tateiam, as piadas, algumas sem graça, e as brincadeiras tentam quebrar o gelo. A tarefa de guardar os nomes dos alunos é o primeiro desafio do professor, nem sempre cumprido ao fim do semestre. 

Nas escolas das favelas e dos bairros populares segue havendo uma certeza: em vários dias elas permanecerão fechadas, em função de infrutíferas e infindáveis operações policiais, ou pela continuada guerra entre as facções criminosas da cidade. Em outros, as aulas serão interrompidas por tiroteios, que obrigarão estudantes e professores a se abrigarem por horas a fio em corredores no meio da escola.

O Ministério da Educação acaba de liberar a avaliação do ensino brasileiro pelo Ideb em 2023. O ensino fundamental carioca, de responsabilidade da Prefeitura avançou, mas ainda fica bem atrás de cidades do Nordeste, que têm demonstrado o que é cuidar da educação. Já o ensino médio, de responsabilidade do Governo do Estado, teve a penúltima nota entre todos os estados da federação. Uma vergonha, que reflete a maneira descuidada com que se elegem governadores no Estado do Rio de Janeiro.

Artigo publicado em 15 de agosto de 2024 no Diário do Rio.


quinta-feira, 8 de agosto de 2024

Inventário de perdas e danos

O antigo Gasômetro do Rio de Janeiro - aquarela

Com a provável, e bastante discutível, construção do estádio do Flamengo no terreno do antigo Gasômetro, é preciso que se faça o inventário dos bens que, certamente, se perderão com essa obra. São edificações industriais remanescentes do período em que ali funcionou a fabricação e o armazenamento de gás para a cidade do Rio de Janeiro. Essa memória dos primórdios da indústria tem sido preservada em diversos países, já sendo considerada como parte do seu Patrimônio Cultural. 

O fornecimento de gás na cidade remonta ainda ao Império, quando o Barão de Mauá criou a Companhia de Iluminação a Gás. Três anos após a assinatura do contrato de exclusividade para o fornecimento desse serviço, ocorrida em 1851, o gás obtido pela queima de carvão já chegava a 3.027 lampiões de rua, anteriormente iluminados pela queima de óleo, 3.200 residências e três teatros. 

A empresa, que se localizava na antiga Rua Senador Euzébio, hoje parte da Avenida Presidente Vargas, em edifício ainda parcialmente existente, foi depois vendida a uma companhia inglesa e, em 1876, a concessão do serviço passou para a empresa belga Société Anonyme du Gaz - SAG. Foi essa empresa que, em 1911, construiu as instalações do Gasômetro em São Cristóvão. É importante lembrar que o terreno onde a companhia se instalou é fruto de aterro para a construção do Porto do Rio, ocorrida no mesmo período das obras do prefeito Pereira Passos, já que ali havia o Saco de São Diogo. 

Inicialmente o carvão, importado da Inglaterra, chegava ao Gasômetro por ferrovia elevada sobre o Canal do Mangue, que o conectava ao porto. Depois, passou a chegar em chatas pelo canal, sendo transferido para a área de armazenamento por estruturas metálicas que atravessavam a avenida Francisco Bicalho. Por ali também eram escoados os resíduos industriais. Em 1967 o carvão foi substituído pela nafta e, em 1982, teve início o uso do gás natural vindo da bacia de Campos. Todos esses anos de armazenamento e manipulação desses produtos tão poluentes produziram a grave contaminação do solo do terreno onde se deseja construir o estádio. 

As maiores edificações do Gasômetro eram os três tanques circulares de armazenamento de gás e as estruturas metálicas que os sustentavam. Em 2000, em função da aproximação do momento de desativação do Gasômetro, a Prefeitura do Rio propôs o local como objeto do concurso de projetos organizado pela cidade de Santiago de Compostela. Os projetos de reutilização dos equipamentos lá existentes propunham a preservação dos tanques, dando-lhes novas funções, como cinema, biblioteca, shopping e habitação.

 

Apesar de serem marcos na paisagem local, os tanques de gás começaram a ser desmontados em 2006, fruto da miopia do governo Rosinha Garotinho, que desejava ver o terreno livre para a venda à iniciativa privada. Um deles ainda permaneceu por mais tempo, mas também acabou desmontado. Um grande equívoco, pois há diversos exemplos pelo mundo de reaproveitamento dessas estruturas para outros usos. Mesmo assim, ainda restam no terreno do Gasômetro elementos interessantes que deveriam ser avaliados antes de se passar o trator por cima de tudo.

 

Sem uma visita de técnicos da área do Patrimônio ao local, é difícil ter uma certeza sobre quantos e quais são os imóveis que mereceriam ser preservados no terreno. Há ainda pelo menos cinco prédios em tijolinhos aparentes, uma tipologia característica de edificações industriais europeias do início do século XX. Alguns são de dois pavimentos e outros com um único pavimento, no formato de galpões. O tratamento das fachadas tem influência do neoclassicismo, com pilastras, frisos, cornijas com dentículos e platibandas. Há também fachadas encimadas por frontões, sendo alguns deles em escadinhas. 



No centro do terreno do antigo Gasômetro há uma chaminé em tijolos aparentes, outra marca das antigas instalações industriais da cidade que se destacavam no horizonte. Ali próximo, no que foi a antiga fábrica da Brahma no Catumbi, também havia uma outra chaminé, implodida juntamente com a fábrica pelo próprio prefeito Paes em 2011. Em poucos minutos, 123 anos de história foram ao chão. Outra dessas chaminés permanece no início da avenida Brasil, onde antes existiu a Fábrica de Sabão Português.

Outro elemento vertical digno de nota é uma curiosa torre metálica, semelhante a um castelo de água, que poderia figurar em cenários de filmes retrofuturistas. E há o muro que circunda o terreno do antigo Gasômetro. Em tijolos aparentes, ele é muito bem construído e bem alicerçado. Como elemento contínuo que separa o espaço exterior do interior a sua permanência integral não seria benéfica a qualquer novo empreendimento na área. Mas, como vem marcando a paisagem local por tanto tempo, seria interessante a manutenção de uma parte dele.   

 

Por fim, não deve ser esquecido o antigo Hospital Frei Antônio, conhecido como Lazareto. Ele se encontra bem junto ao terreno do antigo Gasômetro, numa posição ligeiramente elevada, podendo ser visto de vários pontos de observação. Ele não será demolido, já que foi tombado em 1985 pelo Município do Rio de Janeiro. Mas o grande volume e altura do estádio que o Flamengo deseja construir certamente irão obstruir a visão do hospital. Como o IRPH pretende conciliar o estádio com esse bem tombado é uma incógnita.  

 

No Rio de Janeiro se costuma lamentar pelas perdas de bens do passado. A cidade já perdeu muito de seu maravilhoso Patrimônio. Mas é importante ter a consciência de que continua a haver projetos de renovação urbana pouco cuidadosos. Além disso, o menosprezo com o passado ainda está presente entre administradores públicos e políticos. É triste e revoltante, mas segue ocorrendo a perda do Patrimônio carioca e o atual prefeito tem sido um importante agente desse processo.

Artigo publicado no Diário do Rio em 08 de agosto de 2024.