Xangai se tornou um porto aberto ao comércio com o
Ocidente após a Guerra do Ópio, no século XIX. Em seguida, vários países
colonialistas criaram concessões no seu território, nas quais os nacionais
desses países ficavam fora da jurisdição chinesa. Ingleses, franceses alemães e
americanos se estabeleceram na cidade, chegando a dominar ali um território
quatro vezes maior do que o chinês, apesar de serem minoria. Também vieram para
Xangai russos fugidos da Revolução Comunista e judeus, fugidos da Alemanha Nazista.
Por fim, chegaram os japoneses, que dominaram tudo, subjugaram chineses e
estrangeiros, e criaram um gueto para os judeus. Até serem derrotados, e ter
início a grande saga do socialismo na China.
Toda essa história marcada por humilhações, mas também
por influências culturais diversas, explica um pouco o cosmopolitismo da cidade
e o seu dinamismo. Em Xangai foi criado o Partido Comunista Chinês. Os
nacionalistas de Chiang Kai-Shek elaboraram um plano urbano para a cidade
baseado nas ideias da Cidade-jardim que, com a invasão japonesa foi abandonado.
No processo de reabertura comercial da China, do início da década de 1980,
Xangai teve um papel importante, com o estabelecimento ali, em 1990, da sexta
Zona Econômica Especial do país, significando uma regulação mais orientada para
o mercado.
As ruas de Xangai são vibrantes, com muito movimento.
Ao contrário de Beijing, com suas larguíssimas avenidas, a trama de ruas de
Xangai comporta também ruas mais estreitas, com variação de direções e de
ambiência. Permanece o sistema de ocupação do interior das quadras com vilas,
algumas de muito boa arquitetura.
Há muitas ruas de pedestres nas áreas comerciais, como
na Cidade Velha, cujo comércio lembra o da Saara, sediado, no entanto, em
maravilhosos edifícios de arquitetura tradicional chinesa. Outra rua comercial
de pedestres é a Estrada Nanquim Leste, com belos prédios do início do século
XX e letreiros iluminados à noite. As principais ruas da cidade são pontuadas
por lojas das marcas internacionais de consumo de luxo. Por serem tantas, é de
se imaginar que haja essa demanda, apesar da maioria das pessoas usarem roupas
básicas e confortáveis.
As calçadas de Xangai são muito bem pavimentadas,
muitas delas com placas de granito. Há sempre guias para deficientes visuais e
rampas de acessibilidade. O asfaltamento das vias é praticamente perfeito, sem
buracos ou lombadas, mesmo com as temperaturas sendo altas no verão. Há
banheiros públicos por toda parte, geralmente bastante limpos. Os parques da
cidade são bem arborizados, com plantas variadas entre pedras e espelhos
d'água, como são os jardins orientais. Os canteiros das calçadas são igualmente
muito bem cuidados, com arbustos podados e flores. E ninguém parece preocupado
em ser roubado. Para quem mora no Rio de Janeiro, tudo isso é de chamar muita
atenção, não é mesmo?
Xangai tem uma arquitetura impressionante, tanto a do
passado, que inclui influências dos estrangeiros que lá estiveram com seus
projetos coloniais, quanto a dos arrojadíssimos arranha-céus contemporâneos.
Cinéfilos têm viva a memória do sky-line de Nova Iorque visto a partir do
Brooklyn. É sim uma bela visão. Mas, aquela que se tem dos arranha-céus de
Pudong, a área de negócios de Xangai, vistos a partir do Bund rivaliza com a
visão de Woody Allen. Elevando-se do outro lado do rio Huangpu, próximas entre
si, estão, entre outras, as torres Pérola do Oriente (de TV), a de Xangai, a
quarta maior do mundo com seus 128 andares, a Jim Mao e a do World Financial
Center, também conhecida como abridor de garrafas.
Mas não só o outro lado do rio apresenta esse
espetáculo arquitetural. A margem do Bund é pontuada por edifícios excepcionais
do século XX, marcadamente ecléticos de diversas inspirações e Art-déco. São
edifícios de design inglês e americano, tão interessantes e variados, que essa
orla do rio é conhecida como Museu da Arquitetura Internacional. Destacam-se,
entre outros, o antigo Cathai Hotel, o Asia Bulding, o American Club, o
Shanghai Club, o Union Building e o HSBC Bulding.
Com esse rico passado, Xangai tem uma ação importante
de preservação do seu Patrimônio. Por toda parte há imóveis sinalizados com
placas da municipalidade, cobrindo desde a arquitetura tradicional chinesa à
arquitetura estrangeira e híbrida lá criada. Para preservá-los, a engenharia de
Xangai é capaz de realizar prodígios.
Em 2023, uma área edificada de 4.030 m2 e pesando
8.270 toneladas, na localidade de Zhangyuan, foi temporariamente deslocada por
robôs hidráulicos para a construção de estruturas subterrâneas. Eram
edificações do início do século XX, no estilo Shikumen, uma mescla da
arquitetura ocidental com a tradicional arquitetura Jiangnan, que configuravam
a melhor área preservada desse tipo de construção. Elas foram movidas à
velocidade de 10 m por dia. Agora, em 2025, após o fim das obras subterrâneas,
as edificações foram movidas de volta ao seu antigo local
No entanto, projetos de renovação urbana vêm
acontecendo na cidade, destruindo parte desse passado. As autoridades
municipais buscam reduzir a carência de habitações através da renovação de
vizinhanças inteiras. É o que ocorreu, por exemplo, em Laoximen (Velha Porta do
Oeste). Ali, edificações do início do século XX foram esvaziadas para serem
demolidas e substituídas por modernos edifícios de apartamentos. Isso está
ocorrendo também na imensa área com pequenas edificações relativamente antigas,
já esvaziadas, próximas à turística área da Cidade Velha.
Xangai é uma das estrelas do acelerado desenvolvimento
da China. Empresas internacionais de diversas áreas lá se instalaram. Em
extensão, o metrô da cidade é o segundo maior do mundo e o primeiro em número
de passageiros anuais. Uma ida aos seus subúrbios comprova que se constrói
muito por ali. Gruas marcam a paisagem, com diversos prédios residenciais em
construção. Há muitas empresas lá instaladas. Linhas de transmissão de energia,
às vezes triplas, também atravessam o campo, havendo cultivo até junto às bases
das torres.
O mundo está mudando rapidamente e novos polos de
poder já surgiram. Xangai, assim como outras grandes cidades da China está
mostrando isso para quem quiser ver.
Artigo publicado no Diário do Rio em 31 de julho de 2025.