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Hind Rajab |
Penso nas crianças que não crescerão, naquelas que não se tornarão jovens, que não viverão o primeiro amor. Penso nos jovens que não chegarão a ser adultos, naqueles que não cursarão uma universidade, que não formarão uma família. Penso nos adultos que não mais saberão o que é a felicidade, eternamente marcados por suas perdas e pelo que viram e sofreram.
Penso nas crianças sobreviventes, mutiladas, órfãs e traumatizadas. Penso na falta de abrigo de suas noites futuras. Penso nas escolas destruídas que não as recepcionarão. Penso no ódio contido que amargará suas existências. Penso no amargor que esse ódio impotente gestará.
Penso nas mesquitas detonadas, suas cúpulas tombadas sobre os escombros. Penso nos cafés que não mais existem, nos jovens alegres e nos casais enamorados que não mais frequentam a orla. Penso no desaparecimento da própria orla.
Penso na terra cinza, calcinada, o que sobrou das explosões de bombas. Penso no que virou Rafah. Penso na terra marcada pelos traços de edificações arrasadas. Penso nas estrelas de Davi sulcadas nos terrenos aplainados, marcando um novo domínio.
Penso nos moradores dos edifícios residenciais jogando seus pertences pelas janelas porque é exíguo o prazo dado para evacuarem o lugar em que sempre moraram. Penso nos edifícios vindo abaixo com as histórias de vida dos novos deslocados.
São tantas as imagens, tantas crianças tremendo, seus pequenos corpos cobertos pela poeira dos destroços. São tantas crianças sem seus pequenos membros. São tantos mortos. Gostaria que fossem apenas construções de inteligência artificial. Mas são reais. São retratos de sofrimentos reais.
Penso em Hind Rajab, a menina de apenas cinco anos que estava num carro com seus pais, tios e primos fugindo da cidade de Gaza. O exército israelense bombardeou o carro em que ela se encontrava, matando toda a sua família. Penso em Hind usando o celular por horas, pedindo ajuda e dizendo que tinha medo. Penso nos paramédicos que, em vão, tentaram ajudá-la e que também foram mortos. Penso na ONG que leva o seu nome e que denuncia crimes de guerra. Penso nas centenas de voluntários que tentam levar alguma ajuda aos famintos de Gaza.
Penso em mais uma flotilha de internacionalistas que busca quebrar o cerco a Gaza e levar remédios e comida aos palestinos famintos. Barcos frágeis tentando transpor uma barreira de fogo em torno de Gaza. Penso em Thiago Ávila, em Greta Thunberg e em outros tantos que já foram presos antes e sabem que serão presos novamente. Penso no forte sentimento de solidariedade ao outro que os move.
Me emociono com qualquer judeu da Diáspora que se manifesta e que diz: não em meu nome! Porque todo esse mal é feito, pretensamente, também em seu nome. Me solidarizo com a sua perda da mítica Israel. Porque o país real mostrou-se indigno das escrituras.
Um genocídio é um genocídio. Foi o silêncio das outras pessoas que permitiu a existência dos anteriores. Foi o silêncio de cidadãos de bem que permitiu o Holocausto. É o silêncio dos nossos contemporâneos que permite a monstruosidade do que ocorre em Gaza.
Artigo publicado em 11 de setembro de 2025 no Diário do Rio.