Nas primeiras décadas do século XX, professoras de
ballet russas, e de outros países do Leste europeu, chegaram ao Brasil por
diferentes razões. Podia ser a fuga do regime soviético, um amor no Rio de
Janeiro, ou a esperança de refazer a vida no Novo Mundo. Traziam consigo o
profundo conhecimento de uma arte que havia sido bem codificada por anos de
desenvolvimento em terras eslavas. Haviam dançado as principais obras do
repertório clássico para plateias exigentes de vários países e guardavam na
memória as suas sequências coreográficas. Anotações e livros completavam a
bagagem cultural que traziam aos trópicos.
Buenos Aires era quase uma réplica do ambiente
europeu, tornando a adaptação mais fácil. Lima, La Paz, Bogotá talvez fossem
terrenos muito áridos a desbravar. O Rio era o exótico conquistável. Muita
beleza, muito calor, pouca cultura, mas, sendo a capital, possuía uma elite
desejosa de ver suas filhas aprimorando-se na arte do ballet, além do piano e
do bordado. Superando o estranhamento com o novo país, e com garra, elas
abriram seus estúdios e passaram a formar gerações que movimentaram o mundo da
dança brasileira.
Sempre fumando, um pouco irritadas com os pianistas
que conseguiam, davam várias aulas por dia. A contagem do tempo musical podia
começar em russo, passar pelo francês e terminar em sete e oito. Estabeleciam
aqui a disciplina característica dessa arte. Crianças aprendiam a somente
entrar em sala com seus coques perfeitos e fazendo reverência para as mestras.
A fama que haviam conquistado se estendia para lugares distantes do país, de
onde grupos vinham aprender com elas nas férias escolares.
Ao encontrarem um talento a ser lapidado, dedicavam-se
a ele com afinco. Que essa promessa não ousasse buscar sua formação em outras
paragens! O ciúme era inevitável. Adolescentes temiam o julgamento sobre sua
fraca evolução, a reprovação pelos quilos a mais ou pela falta de musicalidade.
"Burra para o ballet" ou "você pode amar o ballet, mas ele não
ama você" eram sentenças que levavam ao pranto aquelas sobre as quais
recaiam.
Sem possibilidades de contatos frequentes com o mundo
da dança europeia, precisavam confiar na memória, e nas antigas anotações, para
remontar ballets no Theatro Municipal e para orientar suas discípulas. O tempo
passou e elas já não eram as estrelas no palco. Suas alunas mais dedicadas
haviam se tornado artistas talentosas que faziam seus olhos brilharem. Os
rapazes demoravam a se interessar pela dança, mas chegavam ao ponto de cumprir
bem o papel que então lhes era reservado, de suporte para as bailarinas. Já
estas, encantavam plateias e se tornavam estrelas reconhecidas pelo público,
pelas revistas e pelos políticos.
Por trás do sucesso dessas estrelas brasileiras, lá
estavam elas, as mestras já senhoras, com seus inconfundíveis sotaques e a
maneira direta de dizer as coisas. Hoje, essas pioneiras se retiraram. Algumas,
como Dona Eugênia, se foram deixando muitas saudades. Dona Tânia, aos 102 anos,
permanece lúcida, o oráculo a quem ainda recorrem tantos e tantas que formou. O
Rio deve muito a essas damas do ballet.
Artigo publicado no Diário do Rio em 20 de fevereiro de 2025.
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