Roberto Anderson e
Liszt Vieira
O Decreto que desapropriou a área do Gasômetro, na
periferia do centro da cidade, é uma agressão jurídica e urbanística à cidade e
seus habitantes. Um terreno pertencente à Caixa Econômica Federal, um bem
público, vai ser entregue a uma empresa privada, o Clube de Regatas do
Flamengo, para a construção de seu estádio, reforçando o fracassado dogma
neoliberal de privatizar o que é público.
Lembremos que a desapropriação por utilidade pública
torna público o que é privado, em benefício do interesse público. E que a
execução da benfeitoria pretendida com a desapropriação se dá sob a gerência do
poder expropriante. No caso, temos o inverso: uma empresa pública federal é
expropriada de um de seus bens, o que contraria a legislação sobre
desapropriações, recebendo um valor inferior ao que ela acredita valer o
terreno, para favorecer um único clube privado de futebol. A articulação
política para dobrar a Caixa Econômica é poderosa, refletindo a força do
Flamengo. Além do Prefeito, há autoridades em Brasília envolvidas nesse
processo.
Os custos das obras viárias e da infraestrutura
caberão à Prefeitura, os prováveis problemas serão sentidos por toda a
população, mas os benefícios serão privados. Tudo isso sem plano urbanístico,
afetando o Patrimônio, sem a devida prioridade à construção de escolas, postos
de saúde, saneamento, moradias etc.
Do ponto de vista urbanístico, os impactos com a
construção de um estádio para 80 mil pessoas serão consideráveis, trazendo
enormes problemas para o trânsito na área e no acesso à Ponte Rio-Niterói, e
perturbando o bom funcionamento da rodoviária e do recém-inaugurado Terminal
Gentileza. A uma distância de apenas 4 km do Maracanã, e não longe dos estádios
de São Januário e Nilton Santos (Engenhão), este novo estádio é um contrassenso
e uma ameaça à viabilidade econômica do Maracanã. Seria lamentável se o querido
Maracanã tivesse o destino de outros construídos para a Copa de 2014 e que
permanecem ociosos.
Além disso, não tem sentido reservar 90 mil m2 no
centro da cidade para uso de apenas 4 ou 8 horas por semana. É importante
salientar que o clube deseja comprar também um terreno vizinho, do outro lado
da avenida Pedro II, para construir um estacionamento. Assim, a área subtraída
a usos mais desejados, como moradia e serviços, seria bem maior. O terreno,
apesar de esforços já realizados de descontaminação das substâncias tóxicas da
antiga fábrica de gás, muito provavelmente ainda segue contaminado.
Não há estudos de impacto ambiental e de vizinhança.
Toda essa operação está sendo feita embalada numa enganadora propaganda
eleitoral de “revitalização” do centro da cidade. Mas o que vitaliza uma área é
a vinda de novos habitantes e o comércio e serviços que os seguem.
O Prefeito tem feito um uso distorcido do Estatuto das
Cidades em projetos de operação urbana consorciada e acaba de sancionar a lei
mais valerá, que admite a burla da legislação urbana mediante pagamento. Uma
visão muito particular do que seja o bem comum. Enfim, em nome do seu interesse
eleitoral e de alguns políticos, vai ser construído um elefante branco, sem
nenhuma justificação técnica, acarretando enormes prejuízos à cidade.
Um prefeito, que nem sempre acertou em suas nomeações
para o governo municipal, deve repensar seus valores de como administrar uma
cidade. Seu populismo eleitoral pode até render ganhos a curto prazo, mas o
caos urbano que vai deixar como legado irá certamente conspurcar sua imagem
política no futuro.
Roberto Anderson Magalhães, arquiteto, ex-diretor do
INEPAC e professor da PUC-Rio
Liszt Vieira, membro do Conselho da Associação
Terrazul e da Coordenação do Fórum 21. Foi Coordenador do Fórum Internacional
de ONGs durante a Conferência Rio-92.
Artigo publicado no Jornal O Globo de 09 de agosto de 2024.
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