Mais uma vez a sociedade civil do Rio de Janeiro se organiza para combater a lei dos puxadinhos. No fim do mês passado, a Federação das Associações de Moradores do Rio de Janeiro entrou com uma representação contra a Lei Complementar 281/2025 no Ministério Público do Rio de Janeiro. É a famigerada lei da Mais Valia, pela qual, em se pagando, construções irregulares podem ser legalizadas. Essa lei já foi abatida diversas vezes, seja por pressão da sociedade, seja por decisão judicial. Mas, sempre há um prefeito disposto a ressuscitar tal barbaridade. O último foi Eduardo Paes.
Crivella já o tinha feito, e sua lei foi derrubada
pela Justiça, que a considerou inconstitucional. A lei daquele prefeito ainda
inovava, criando a legalização do malfeito antes mesmo de sua execução. Era a
chamada "mais valerá", em que, ainda na fase de projeto, era possível
legalizar aquilo que contrariava os parâmetros urbanísticos. E não é que o
prefeito Eduardo Paes copiou Crivella, tanto na Mais Valia, quanto na Mais
Valerá? A fome arrecadadora desses prefeitos os leva a vender a qualidade de
vida dos cariocas e a sua paisagem.
A representação da Federação das Associações de
Moradores se baseia em aspectos da Lei dos Puxadinhos que alteram o Plano
Diretor, uma lei maior da cidade. Essa situação fere a hierarquia entre as
normas que compõem a ordem jurídica do Município. Segundo jurisprudência
estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal, há uma hierarquia superior do Plano
Diretor em relação às demais leis municipais relativas ao uso do solo. Estas
devem estar de acordo com o Plano Diretor, não podendo alterá-lo.
A lei dos puxadinhos de Eduardo Paes permite, por
exemplo, a intensificação, sem limites, do uso não residencial nas zonas
Residencial Multifamiliar 1 e 2. Conquanto a mistura de usos seja interessante,
a lei permitiria a quase exclusão do uso residencial, já que deixaria de haver
limites. A lei do prefeito Paes permite ainda que se ultrapasse os limites de
gabaritos dos bairros em até dois pavimentos. Se o Plano estabeleceu
limites, como poderia uma lei inferior alterá-los?
A representação da Federação das Associações de
Moradores chama a atenção também para a possibilidade das edificações mais
baixas de uma quadra subirem suas alturas até à altura das edificações que já
são mais altas, mesmo que tais alturas não mais sejam permitidas na legislação.
Isso representaria a revogação de limitações estabelecidas posteriormente à
construção das edificações mais altas. Tal permissão poderá criar uma onda de
demolições em massa para a reconstrução de edifícios mais altos, sem atentar
para os limites ambientais e paisagísticos.
A lei dos puxadinhos ainda altera definições dos
limites das zonas urbanas estabelecidas pelo Plano Diretor, o qual só poderia
ser avaliado após cinco anos e revisto após dez anos. Essa intervenção no Plano
Diretor com leis pontuais tem sido a regra da Prefeitura do Rio de Janeiro nas
últimas administrações. Ela cria uma anarquia jurídica, já que leis inferiores
estão alterando uma lei maior. Cria também imprevisibilidade e o favorecimento de
projetos privados apadrinhados. Uma decisão favorável da Justiça ao pleito da
Federação das Associações de Moradores poderá restabelecer alguma ordem nesta
confusão que se tornou a administração municipal da Cidade do Rio de Janeiro.
Artigo publicado em 14 de agosto de 2025 no Diário do Rio.