O projeto propõe a construção de vias de circulação, áreas para comércio e equipamentos públicos, e 153 blocos de apartamentos com seis pavimentos cada. Estes blocos teriam apartamentos de dois e três quartos, totalizando 9.799 unidades residenciais. Mais de dois terços dessas unidades seriam de apartamentos de dois quartos. A projeção de ocupação seria escalonada, indo até 2040, quando os 20% das edificações restantes seriam construídas. Ao final desse processo, a população total prevista seria de 35 mil novos habitantes.
Comparando-se a outras áreas da cidade, o índice de aproveitamento do terreno - IAT de 1,0 não é alto. O projeto prevê que as áreas permeáveis venham a somar 70% da área total. Mesmo assim, é uma mudança drástica em relação à situação atual de permeabilidade quase total. Mais uma vez é importante lembrar que o terreno está situado numa APA e num refúgio da vida silvestre. E há que se ver se o projeto atende às exigências dos tombamentos dos morros próximos.
A Fazenda Parque Recreio, de propriedade dos herdeiros do empresário Pasquale Mauro, tem em sua história um grave incidente trabalhista. Em 2008, cerca de 70 pessoas foram encontradas em situação análoga à escravidão. A ação conjunta do Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro, da Superintendência Regional do Trabalho e da Polícia Federal constatou essa situação de servidão por dívida, salários não pagos, alojamentos impróprios e carteiras de trabalho retidas.
A área do Recreio dos Bandeirantes vem se adensando rapidamente nos últimos anos, após um crescimento vertiginoso, e ainda em curso, da Barra da Tijuca. É um bairro quase no limite Sul do Município, que ainda guarda uma ocupação do solo pouco densa. Essa baixa densidade de ocupação já foi perdida em outras áreas da cidade, e não deveria interessar à cidade vir a perdê-la ali também. A possível ocupação da Fazenda Parque Recreio é um contrassenso já que, enquanto a Prefeitura licencia novos empreendimentos em áreas ambientalmente frágeis e distantes do núcleo da metrópole, a Zona Norte perde população em ritmo acelerado e a Área Central continua esvaziada.
O Relatório Mensal de Acompanhamento do Programa Reviver Centro, emitido pela Prefeitura do Rio de Janeiro, informa que de 2021, quando teve início o programa, até junho de 2025, 4.448 unidades residenciais foram licenciadas. Este número não significa unidades construídas, e representa menos da metade do que apenas o empreendimento Fazenda Parque Recreio pretende lançar. Um único empreendimento no Recreio é capaz de ultrapassar de forma avassaladora o que há anos se tenta conquistar no Centro. E há dezenas de outros empreendimentos assim, em curso ou programados, para a Barra e o Recreio. É evidente que nesse ritmo, e sofrendo a concorrência de centenas de lançamentos imobiliários em áreas não prioritárias para o adensamento populacional na cidade, o programa Reviver Centro não tem como ganhar impulso e alcançar o objetivo de trazer uma quantidade significativa de novos moradores para o Centro.
A Prefeitura do Rio de Janeiro se faz refém dos interesses do mercado imobiliário, comprometendo os seus próprios programas, como o Reviver Centro. Uma solução nunca aventada pela Prefeitura seria o congelamento, ou a restrição, do licenciamento de novos imóveis residenciais em áreas não prioritárias para adensamento populacional, conforme definido nos dois últimos Planos Diretores. Para quem tem dúvidas se isso é possível, basta ver o Decreto nº 56.457, de 25 de julho de 2025, que suspende por seis meses, prorrogáveis por igual período, o “licenciamento de construção, edificação, acréscimo ou modificação de uso” na área do Arpoador. Tal Decreto é motivado pelo interesse da Prefeitura em direcionar para aquela área a construção de hotéis.
Sem discutir a validade da proposta da Prefeitura para o Arpoador, o que interessa aqui é saber que é possível sim a Prefeitura definir uma política urbana e implementá-la, usando o instrumento do limite a novos licenciamentos. Isso significaria que a Prefeitura tomaria as rédeas do desenvolvimento urbano da cidade, deixando de estar ao sabor dos interesses do mercado imobiliário.
Não bastam belas palavras e juras de adesão a propostas de desenvolvimento sustentável. Permitir o crescimento espraiado da cidade, apenas para contentar o mercado imobiliário, é um erro grosseiro. É hora de implementar de verdade um programa de ocupação de vazios urbanos na Área Central do Rio de Janeiro e de recuperar a qualidade de vida na Zona Norte.
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