sábado, 2 de agosto de 2025

Xangai

Xangai se tornou um porto aberto ao comércio com o Ocidente após a Guerra do Ópio, no século XIX. Em seguida, vários países colonialistas criaram concessões no seu território, nas quais os nacionais desses países ficavam fora da jurisdição chinesa. Ingleses, franceses alemães e americanos se estabeleceram na cidade, chegando a dominar ali um território quatro vezes maior do que o chinês, apesar de serem minoria. Também vieram para Xangai russos fugidos da Revolução Comunista e judeus, fugidos da Alemanha Nazista. Por fim, chegaram os japoneses, que dominaram tudo, subjugaram chineses e estrangeiros, e criaram um gueto para os judeus. Até serem derrotados, e ter início a grande saga do socialismo na China. 

Toda essa história marcada por humilhações, mas também por influências culturais diversas, explica um pouco o cosmopolitismo da cidade e o seu dinamismo. Em Xangai foi criado o Partido Comunista Chinês. Os nacionalistas de Chiang Kai-Shek elaboraram um plano urbano para a cidade baseado nas ideias da Cidade-jardim que, com a invasão japonesa foi abandonado. No processo de reabertura comercial da China, do início da década de 1980, Xangai teve um papel importante, com o estabelecimento ali, em 1990, da sexta Zona Econômica Especial do país, significando uma regulação mais orientada para o mercado.

As ruas de Xangai são vibrantes, com muito movimento. Ao contrário de Beijing, com suas larguíssimas avenidas, a trama de ruas de Xangai comporta também ruas mais estreitas, com variação de direções e de ambiência. Permanece o sistema de ocupação do interior das quadras com vilas, algumas de muito boa arquitetura.

Há muitas ruas de pedestres nas áreas comerciais, como na Cidade Velha, cujo comércio lembra o da Saara, sediado, no entanto, em maravilhosos edifícios de arquitetura tradicional chinesa. Outra rua comercial de pedestres é a Estrada Nanquim Leste, com belos prédios do início do século XX e letreiros iluminados à noite. As principais ruas da cidade são pontuadas por lojas das marcas internacionais de consumo de luxo. Por serem tantas, é de se imaginar que haja essa demanda, apesar da maioria das pessoas usarem roupas básicas e confortáveis. 

As calçadas de Xangai são muito bem pavimentadas, muitas delas com placas de granito. Há sempre guias para deficientes visuais e rampas de acessibilidade. O asfaltamento das vias é praticamente perfeito, sem buracos ou lombadas, mesmo com as temperaturas sendo altas no verão. Há banheiros públicos por toda parte, geralmente bastante limpos. Os parques da cidade são bem arborizados, com plantas variadas entre pedras e espelhos d'água, como são os jardins orientais. Os canteiros das calçadas são igualmente muito bem cuidados, com arbustos podados e flores. E ninguém parece preocupado em ser roubado. Para quem mora no Rio de Janeiro, tudo isso é de chamar muita atenção, não é mesmo?

Xangai tem uma arquitetura impressionante, tanto a do passado, que inclui influências dos estrangeiros que lá estiveram com seus projetos coloniais, quanto a dos arrojadíssimos arranha-céus contemporâneos. Cinéfilos têm viva a memória do sky-line de Nova Iorque visto a partir do Brooklyn. É sim uma bela visão. Mas, aquela que se tem dos arranha-céus de Pudong, a área de negócios de Xangai, vistos a partir do Bund rivaliza com a visão de Woody Allen. Elevando-se do outro lado do rio Huangpu, próximas entre si, estão, entre outras, as torres Pérola do Oriente (de TV), a de Xangai, a quarta maior do mundo com seus 128 andares, a Jim Mao e a do World Financial Center, também conhecida como abridor de garrafas.

Mas não só o outro lado do rio apresenta esse espetáculo arquitetural. A margem do Bund é pontuada por edifícios excepcionais do século XX, marcadamente ecléticos de diversas inspirações e Art-déco. São edifícios de design inglês e americano, tão interessantes e variados, que essa orla do rio é conhecida como Museu da Arquitetura Internacional. Destacam-se, entre outros, o antigo Cathai Hotel, o Asia Bulding, o American Club, o Shanghai Club, o Union Building e o HSBC Bulding.

Com esse rico passado, Xangai tem uma ação importante de preservação do seu Patrimônio. Por toda parte há imóveis sinalizados com placas da municipalidade, cobrindo desde a arquitetura tradicional chinesa à arquitetura estrangeira e híbrida lá criada. Para preservá-los, a engenharia de Xangai é capaz de realizar prodígios. 

Em 2023, uma área edificada de 4.030 m2 e pesando 8.270 toneladas, na localidade de Zhangyuan, foi temporariamente deslocada por robôs hidráulicos para a construção de estruturas subterrâneas. Eram edificações do início do século XX, no estilo Shikumen, uma mescla da arquitetura ocidental com a tradicional arquitetura Jiangnan, que configuravam a melhor área preservada desse tipo de construção. Elas foram movidas à velocidade de 10 m por dia. Agora, em 2025, após o fim das obras subterrâneas, as edificações foram movidas de volta ao seu antigo local

No entanto, projetos de renovação urbana vêm acontecendo na cidade, destruindo parte desse passado. As autoridades municipais buscam reduzir a carência de habitações através da renovação de vizinhanças inteiras. É o que ocorreu, por exemplo, em Laoximen (Velha Porta do Oeste). Ali, edificações do início do século XX foram esvaziadas para serem demolidas e substituídas por modernos edifícios de apartamentos. Isso está ocorrendo também na imensa área com pequenas edificações relativamente antigas, já esvaziadas, próximas à turística área da Cidade Velha.

Xangai é uma das estrelas do acelerado desenvolvimento da China. Empresas internacionais de diversas áreas lá se instalaram. Em extensão, o metrô da cidade é o segundo maior do mundo e o primeiro em número de passageiros anuais. Uma ida aos seus subúrbios comprova que se constrói muito por ali. Gruas marcam a paisagem, com diversos prédios residenciais em construção. Há muitas empresas lá instaladas. Linhas de transmissão de energia, às vezes triplas, também atravessam o campo, havendo cultivo até junto às bases das torres. 

O mundo está mudando rapidamente e novos polos de poder já surgiram. Xangai, assim como outras grandes cidades da China está mostrando isso para quem quiser ver.

Artigo publicado no Diário do Rio em 31 de julho de 2025.

 

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