Plano de adaptação de Milão à pós Covid-19 |
Vai passar!
As coisas voltarão ao normal. É o que dizemos a nós mesmos quando nos incomodamos
com o isolamento social. Sim, vai passar, mas não será rapidamente, e sim em
etapas, sujeitas a retrocessos. E não voltaremos ao antigo normal, que diga-se
de passagem, não era nada perfeito, mas a um novo normal. O novo distanciamento
social, menos rigoroso, ainda imporá limites aos encontros e banirá por um
longo tempo as aglomerações. Isto afetará o modo como deveremos nos comportar
nos espaços públicos e como circularemos. A OMS recomenda, sempre que possível,
preferir o caminhar e a bicicleta, como meios de locomoção. Seria um desastre
para nossas cidades se a alternativa aos meios de transporte coletivos fosse o
retorno ao automóvel. E é preciso que possamos lavar as mãos com frequência,
hoje em dia uma opção inexistente em nossas ruas e praças.
Esse novo
normal, por transitório que seja, exige a adaptação das cidades em tempo
recorde, como nas construções dos hospitais de campanha. Uma boa resposta vem
do chamado urbanismo tático. Nascido do interesse em reverter a ordem das
intervenções urbanas, de cima para baixo, ou seja, do poder público para as
comunidades, o urbanismo tático é a expressão da iniciativa local, com
intervenções rápidas e baratas, capazes de alterar usos de trechos dos espaços
públicos. Exemplos disso são os “parklets”, que são as transformações de vagas
de automóveis em espaços de estar junto às calçadas. Ou as ocupações de trechos
do asfalto com pinturas, que já vinham sendo feitas em Barcelona, por exemplo.
Ou mesmo as nossas tradicionais ruas de lazer aos domingos, muito comuns na
Zona Norte, quando o poder público reconhece o fechamento de ruas pelos
moradores para jogos e brincadeiras.
Urbanismo tático em Barcelona pós-Covid-19 - foto Adriana Sansão - PROURB-UFRJ |
As técnicas
do urbanismo tático, agora praticadas pelo poder público, têm sido aplicadas em
cidades como Milão e Barcelona, em regime de urgência, para receberem o
público, que vai seguindo as fases de relaxamento do isolamento social. Pistas
de rolamento têm recebido pinturas de piso e mobiliário urbano, para serem
usadas como extensão das calçadas. A ideia é que andemos afastados uns dos
outros. Rapidamente, ciclofaixas têm sido criadas, inclusive com os sentidos de
direção distantes entre si, para evitar proximidade entre ciclistas. Novos
pontos de bicicletas de aluguel e bicicletários também estão sendo implantados,
para que aconteça a desejada prioridade ao transporte cicloviário.
Urbanismo tático em Barcelona pós-Covid-19 - foto Adriana Sansão - PROURB-UFRJ |
Até que tudo
se acalme, atividades, antes exercidas em locais fechados, deverão acontecer em
espaços abertos. Nos parques de Milão estão sendo criadas áreas para exercícios
físicos e áreas para concertos e apresentações teatrais ou musicais. Ruas
próximas a praças têm sido fechadas ao trânsito de veículos, para aumentar as
áreas das mesmas. E surgiram pontos de controle de acesso de frequentadores a
esses locais, visando evitar aglomerações. Em Barcelona até os espaços dos
frequentadores das praias foram demarcados.
É aí que nos
perguntamos, e o nosso Rio de Janeiro? O prefeito, contrariando o seu comitê
científico, quer reabrir logo a cidade, para dar satisfações ao presidente
negacionista. Para eles, trata-se da volta ao antigo normal, negligenciando os riscos
evidentes de reaceleração do contágio. Nenhuma cidade reabriu em meio a uma
curva ascendente de contágio, como está sendo proposto aqui. E não se sabe, até
o momento, de preparativos dos espaços da cidade para a reentrada do público
nas ruas, parques e praias.
Alguém imagina
ser possível voltar a transitar em segurança nas calçadas das avenidas Rio
Branco ou Nossa Senhora de Copacabana, cheias de pessoas se esbarrando, como
sempre? E nas ruas do Saara? O que dizer das praias em dias ensolarados? Assim
como se perdeu um tempo precioso de preparação para a pandemia, que há muito se
anunciava, agora estamos perdendo tempo na preparação da cidade para o novo
normal, por transitório que ele seja. O momento de preparação dos espaços
públicos é agora. Já o de reabertura deveria ser um pouco adiante.
Roberto
Anderson Magalhães é arquiteto e urbanista, professor de Urbanismo na PUC-Rio, e foi candidato
a vice-prefeito da Cidade do Rio de Janeiro nas eleições de 2016.
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