foto: Roberto Anderson |
O atual Plano Diretor da Cidade do Rio de Janeiro foi
aprovado pela Lei Complementar nº 111/2011. Conforme determina o Estatuto das
Cidades, ele deve ser revisado a cada dez anos e avaliado a cada cinco. Como já
se passaram nove anos, a Prefeitura deu início a essa revisão e, muito
provavelmente, caberá à próxima legislatura votar as propostas encaminhadas
pelo Prefeito. É possível acompanhar esse processo no link https://plano-diretor-pcrj.hub.arcgis.com/
É hora, então, de se pensar em alguns princípios gerais que
deveriam nortear essa discussão. Questões como sustentabilidade, áreas de
proteção ambiental, áreas de cultivo, equidade de acesso a serviços e
equipamentos públicos, mistura social no território, oferta de emprego e
fortalecimento de centralidades não têm como ser evitadas numa concepção mais
contemporânea e democrática do planejamento urbano.
Um ponto importante a ser discutido é o que se relaciona com
a noção de “cidade compacta”. Contrariamente a um liberalismo até aqui vigente quanto
à ocupação do território, que nos legou cidades espraiadas, hoje se defende a
contenção do crescimento urbano, com o desestímulo à ocupação de áreas ainda
não urbanizadas. O crescimento urbano descontrolado é um processo danoso, por
consumir áreas verdes ou agricultáveis, por encarecer o fornecimento de
infraestrutura para longas distâncias, e por “pular” áreas vazias dentro do
território já servido de infraestrutura. Isto favorece a especulação
imobiliária e cobra um alto preço à municipalidade. O Estatuto das Cidades
trouxe novos mecanismos, como o imposto progressivo e a edificação compulsória,
que podem induzir a reentrada desses terrenos no mercado imobiliário. O plano
Diretor deveria estabelecer essas diretrizes.
Por falar em Estatuto das Cidades, muitos de seus
instrumentos, para serem aplicados, necessitam entrar nas legislações
municipais e serem regulamentados. Exemplo disso é o Relatório de Impacto de Vizinhança,
até hoje não regulamentado na Cidade do Rio de Janeiro. A revisão do Plano
Diretor é um bom momento para isso.
A discussão sobre centralidades também é muito apropriada.
Dois autores de planos anteriores acreditaram que poderiam deslocar a
centralidade principal da cidade. O Plano Doxiadis, da década de 1960, pensou
um segundo centro em Santa Cruz. Mais tarde, o Plano Lucio Costa para a Baixada
de Jacarepaguá imaginou a criação de um centro metropolitano naquela área, em substituição
ao atual. Nenhum dos dois teve sucesso nesse ponto, uma vez que não se desloca
artificialmente um centro principal da cidade.
O Rio de Janeiro é uma cidade policêntrica e um maior
equilíbrio entre esses centros é mais do que desejável. Isso significaria mais
investimentos na requalificação dos mesmos, incentivos à instalação de
empresas, visando mais ofertas de empregos, e implantação de mais equipamentos
de cultura e lazer. Assim, os deslocamentos diários em direção aos centros de
emprego, poderiam ser bastante reduzidos.
Há um outro ponto importante e difícil, que a revisão do
Plano Diretor deveria enfrentar, o da mistura social nos bairros da cidade. É
um objetivo que levanta objeções e entraves criados pelo mercado imobiliário,
que seleciona áreas da cidade para a ocupação por famílias de renda mais alta.
No entanto, uma maior mistura social no território urbano traria diversidade,
mais compreensão e tolerância, e maior equidade na qualidade dos serviços
urbanos. É um objetivo que a Lei de Solidariedade Social na França buscou
alcançar. Também a revisão do Plano Diretor de São Paulo agregou alguns
instrumentos nesse sentido.
A atual administração vem propondo alterações na legislação
que proíbe construções acima da cota 100, ou seja, nas encostas, e de
loteamentos nessas áreas. Isso afeta diretamente o nosso maior patrimônio, que
é a nossa paisagem. O fato de haver invasões em áreas de preservação ambiental não
pode ser combatido com o reconhecimento dessa prática. As florestas urbanas do
Rio tornam nossa cidade única e amada!
Por fim, o Plano Diretor em vigor considera que todo o
território da cidade é área urbana. Essa caracterização fragiliza a manutenção
de áreas de plantio, tradicionalmente existentes, por exemplo, em Guaratiba,
Santa Cruz e Campo Grande. A abertura do Túnel da Grota Funda, que liga a
cidade a Guaratiba, pode dar início a um processo de urbanização descontrolada
daquela área, com o fim dos pequenos sítios. Seria muito positivo que a revisão
do Plano Diretor reconsiderasse essa questão.
Os pontos aqui comentados não esgotam a discussão sobre as
diretrizes de desenvolvimento urbano que queremos para nossa cidade. Mas
devemos nos familiarizar com essas questões e buscar compreendê-las. As
legislações vigentes refletem pensamentos e propostas que, nem sempre, vêm ao
encontro do interesse da sociedade. Se vencermos a barreira da desinformação, já
estaremos mais aptos a participar desse debate e, quem sabe, vencê-lo.
Roberto
Anderson Magalhães é arquiteto e urbanista, professor de Urbanismo na PUC-Rio, e foi candidato
a vice-prefeito da Cidade do Rio de Janeiro nas eleições de 2016.
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