Aldeia Maracanã em 2012 - foto Roberto Anderson |
Mas há também compromissos assumidos por governos anteriores que permanecem inatendidos. Entre eles, a restauração do antigo Museu do Índio no Maracanã e sua transformação em espaço cultural dedicado à cultura indígena do nosso país. Esse compromisso, assumido junto ao Ministério Público pelo ex-governador Sérgio Cabral, continua valendo e se transformou numa dívida do Estado do Rio de Janeiro que necessita ser saldada. Compromisso é compromisso e, lá atrás, a Secretaria de Estado de Cultura foi indicada como órgão executor dessa ação.
À época do governo Cabral, a então Secretária de Estado de Cultura chegou a ir ao Parque do Xingu e trouxe de lá lideranças indígenas muitíssimo respeitadas para discutirem o projeto num encontro no antigo Hotel Novo Mundo. Isso em nada resultou e os recursos usados nesse esforço midiático talvez pudessem ter sido melhor empregados na execução do projeto de restauração do imóvel, um item fundamental, sem o qual nenhuma obra pública se realiza.
O edifício que abrigou o antigo Museu do Índio, no Maracanã, não tem uma data de construção claramente definida, podendo ser do final do século XIX ou início do século XX. Erguido em terras doadas pelo Duque de Saxe, marido de D. Leopoldina, filha de D. Pedro II, sua destinação inicial foi um órgão ligado a pesquisas agrícolas. Ali o Marechal Rondon recebeu indígenas que, então, vinham de áreas quase inacessíveis do nosso país. Ali, também, Darcy Ribeiro trabalhou pela causa indígena e, a partir de 1953, criou o Museu do Índio, transferido em 1977 para Botafogo. Esse museu influenciou a criação de diversos outros museus etnográficos pelo mundo e foi premiado pela Unesco.
O imóvel, uma edificação eclética com características de prédio do serviço público do início do século XX, tem paredes sólidas e espaços generosos. Uma torre, revestida de pedras, é uma marca importante de sua feição. A cobertura se encontra danificada por falta de cuidados, assim como forros, escadas e esquadrias. Mas tudo isto é plenamente recuperável. No alto, junto à platibanda, a escultura enegrecida de uma águia assiste a decadência do imóvel.
Em 2006 o edifício e seu terreno foram ocupados por indígenas de diversas etnias, que construíram pequenas casas conformando a Aldeia Maracanã. Eles pretendiam criar ali um centro de difusão da cultura indígena. No governo Sérgio Cabral, o Estado do Rio de Janeiro comprou o imóvel com a intenção de demoli-lo, usando a desculpa de dar condições de evasão e circulação ao público do Estádio do Maracanã. No entanto, estudos comprovaram que essa alegação era falsa.
Em 2013, o governador expulsou os indígenas e apoiadores com a intervenção da polícia de choque e o uso de muita violência. Mas, logo depois, diante da repercussão negativa daquela situação, ele desistiu da demolição do imóvel. Fez, então, um acordo com os indígenas que lá residiam, que consistia na sua saída e na posterior restauração do imóvel para a consecução do sonhado centro de referência da cultura indígena. O imóvel foi também tombado pelo Estado do Rio de Janeiro e pela Prefeitura, o que, legalmente, exige a sua recuperação.
Como as obras não ocorressem, parte dos indígenas decidiu retornar, acampando no entorno do imóvel em condições ainda mais precárias. Esse grupo que ainda lá se encontra, tem um projeto de transformar o imóvel numa “universidade Indígena”. Já o grupo que saiu, e foi alojado no Minha Casa Minha Vida da rua Frei Caneca, permanece com a proposta anterior. O fato é que há dois grupos, que têm alguma discordância sobre métodos de ação e propostas para o imóvel, mas que necessitam ser igualmente ouvidos. O governo do Estado do Rio de Janeiro precisa sair da inércia atual e tomar iniciativas, antes que o imóvel se arruine de forma irremediável. E o Ministério Público precisa cobrar a execução do acordo.
Para se entender a validade do projeto proposto pelos indígenas, é interessante ver a resposta do antropólogo Mércio Gomes, que já dirigiu a Funai, a uma pergunta de jornalistas presentes a uma coletiva de imprensa no antigo Museu do Índio, à época das ameaças de expulsão. Ele comentou a reserva que ele e outros antropólogos tinham em compreender a existência de indígenas vivendo em cidades, já que a antropologia tradicional os vê em sua comunidade original, no meio rural ou florestado, e acredita que ali ele deva permanecer. No entanto, afirmou o antropólogo, os indígenas, ao invés de terem desaparecido como grupos étnicos autônomos, passaram a crescer em termos populacionais, reforçando os laços culturais que os unem. E eles vêm, individualmente ou em grupos, buscando obter maior conhecimento e melhores condições materiais de vida, aproximando-se das cidades. Há indígenas em universidades e em cursos técnicos, ou apenas trabalhando em profissões diversas nas cidades. Isto sem perder sua identidade indígena e o contato com seu grupo de origem.
A constituição de um grupamento de indígenas de várias partes do país no antigo Museu do Índio passou a se denominar Aldeia Maracanã. Após tantos embates e tanto tempo de luta, é plenamente justificável que aquele local venha a se transformar num ponto de referência da cultura indígena. Ele permitiria uma troca cultural maravilhosa, que muito enriqueceria cariocas, fluminenses e turistas. Já passou da hora do Governo do Estado do Rio de Janeiro cumprir essa promessa.
Artigo publicado em 03 de novembro no Diário do Rio.
Decreto de afetação do imóvel a atividades culturais indígenas
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