Rocinha - foto Roberto Anderson |
A favela da Rocinha exemplifica bem essa dissonância entre o interesse do poder público em intervir e a pouca sintonia com os anseios dos moradores. Após uma série de episódios violentos envolvendo grupos armados na Rocinha em 2004 o poder público criou um Plano Diretor para aquela área. Mais tarde houve um maior avanço com a definição de um projeto de reurbanização para a comunidade, o qual foi incluído no Programa de Aceleração do Crescimento - PAC 1. Esta primeira fase de intervenções contou com R$ 60 milhões do governo federal e R$ 12 milhões do governo estadual e o autor do projeto foi o arquiteto Luiz Carlos Toledo.
O projeto de urbanização foi muito discutido com os moradores e incorporou várias demandas dos mesmos, como a construção de um hospital e uma creche. Entre as poucas propostas efetivamente executadas estão a passarela projetada por Niemeyer e o Centro Esportivo. No entanto, muitas outras não foram realizadas. A creche demorou a ser concluída e, no lugar do hospital, o governo acabou fazendo apenas uma UPA.
Os moradores queriam também um centro cultural, o saneamento do bairro e a construção de planos inclinados. A questão dos planos inclinados se transformou numa enorme queda de braço entre o governo estadual e os moradores e suas lideranças. O projeto de urbanização previa a construção de cinco desses equipamentos. Entre as vantagens apontadas pelos moradores e o arquiteto responsável estão as paradas mais próximas entre si, a possibilidade de levar bagagens e materiais de construção e também servir para a retirada do lixo da comunidade.
Em 2013 a Rocinha foi incluída no PAC 2. No entanto, aparentemente houve pouca discussão sobre como seriam aplicados os recursos da ordem de 1 bilhão e 600 milhões de reais. O governo do Estado do Rio, na época dirigido por uma turma que terminou presa, incluiu um teleférico no projeto e insistiu em sua instalação em detrimento dos planos inclinados anteriormente propostos.
O teleférico é um equipamento caro, com paradas distantes entre si, e com uma manutenção igualmente cara. Os dois sistemas implantados no Rio estão parados. Já os planos inclinados trabalham com uma tecnologia bastante conhecida e experimentada em diversos locais do Rio de Janeiro. Outras desvantagens do teleférico são a sua incapacidade de funcionamento em momentos de ventos fortes e tempestades, e a dificuldade de servir a cadeirantes ou a pessoas com problemas de mobilidade, já que trabalham em movimento contínuo. Além disso, há a ação oxidante da maresia, fortemente incidente na Rocinha.
As lideranças dos moradores consideraram que a opção pela execução dos planos inclinados, por serem mais baratos, liberaria recursos para o saneamento da comunidade, uma demanda urgente e muito justa. Mas, talvez, a forte visibilidade do projeto teleférico e o fato de servir como atração turística tenha levado o governo estadual naquela época a preferir essa opção. No final, nada foi feito.
Nos últimos anos, período em que os projetos de reurbanização da Rocinha ficaram parados, o arquiteto Luiz Carlos Toledo promoveu oficinas de discussão dos problemas urbanos daquele bairro com a participação de jovens moradores. Dessas oficinas devem ter saído muitas novas ideias interessantes. Se os brasileiros mostrarem juízo nas urnas, talvez chegue a hora de colocá-las em prática.
Artigo publicado em 27 de outubro de 2022 no Diário do Rio.
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