Nesse ambiente opressor, revolucionário era ter opiniões contrárias a tudo que ali estava, mesmo que não fosse possível externá-las. E saborear intensamente a alegria de estar vivo. Ir à praia encontrar amigos que sempre estariam lá pelas dunas do píer. Rir, falar de cinema, experimentar drogas, dançar a noite toda nas festas, cujos endereços caiam nas mãos, sem que soubéssemos quem eram os donos das casas.
Em tal roteiro de vida, fazia parte assistir o show da Gal no Teresa Raquel. Era um dos momentos em que todas aquelas sensações se concentravam na sua figura sensual. Uma grande flor nos cabelos, uma saia colorida e rodada, um top bordado e o umbigo de fora, Gal era fatal. Corria pelo palco, dava pulinhos e cantava músicas de um Brasil que pouco conhecíamos, mescladas àqueles sucessos de Caetano e Gil.
Gal então sentava próxima à beira do palco, pegava o violão e cantava minha honey baby, de Vapor Barato. Afastava a saia, o violão entre as pernas, que se entreabriam languidamente no ritmo da música. E nós, o seu público, mas também seus companheiros de viagem, embarcávamos no sonho. No sonho de que a felicidade existia, de que a nossa juventude era pra sempre, de que a liberdade existia.
Gal era a baiana que não havia sido expulsa do país pelos militares e que sobrevivia conosco àquele ambiente sufocante. Meio ingênua, meio malandra, usava a sua voz, o seu jeito de ser e a sua arte para nos falar da beleza e do tesão de existir. Gal foi a mulher da nossa jovem vida. Obrigado.
Artigo publicado no Diário do Rio em 10 de novembro de 2022.
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