terça-feira, 20 de maio de 2014

Mobiliário urbano carioca, ainda uma carência



Abrigo de ônibus da era Chagas Freitas

A oferta mais ampla de mobiliário urbano padronizado na Cidade do Rio de Janeiro é algo relativamente recente. No início do século XX, foram instalados em diversas praças os gloriosos bancos Paris, nunca igualados em qualidade. E também diversas linhas de postes em ferro fundido, ou arcos para sustentação de luminárias, que eram o símbolo do progresso que a iluminação pública trazia. Muito apreciado era o “colar de pérolas de Copacabana” formado pela linha de postes com iluminação a vapor de mercúrio, instalados em 1936, e que seguiam a curvatura da orla.  

Depois, pareceu que a administração pública da cidade se esqueceu de como equipamentos assim eram importantes. A sua qualidade caiu muito, e foram feitas diversas improvisações. Exemplo disso, eram os pavorosos abrigos de ônibus instalados no período em que Chagas Freitas governou o Estado. Eles traziam inscritos no concreto o nome do governador. Abrigar o cidadão do sol e da chuva era uma benesse do mandatário! Somente alguns anos depois, no governo Brizola, surgiram os abrigos pré-fabricados em concreto, projetados por João Figueiras Lima, o Lelé, e produzidos pela antiga Fábrica de Escolas, projeto também daquele período. Alguns desses abrigos ainda resistem por aí, até mesmo com outros usos, como na Praça Ben Gurion, em Laranjeiras.

Como a querer recuperar o tempo perdido, o projeto Rio Cidade, concebido pelo então Secretário de Urbanismo, e depois prefeito, Luiz Paulo Conde, derramou uma profusão de modelos de postes, de abrigos de ônibus, de bancos, de lixeiras e de jardineiras na cidade. Cada eixo escolhido para receber uma intervenção passou a ter sua própria linha de mobiliário urbano. Postes tortos, fradinhos com bolas metálicas atarraxáveis nas pontas (que rapidamente foram furtadas), luminárias de luz indireta, bancos de concreto, havia de tudo.

No entanto, logo se percebeu que faltava uma economia de escala nessa fórmula. A cada abrigo ou poste necessitando de reposição, se fazia necessária a sua produção de forma quase artesanal. Por serem poucas unidades, produzi-los encarecia demais o processo. Assim, na gestão do próprio Conde como prefeito, foi realizada uma licitação para a implantação de um conjunto de itens de mobiliário urbano na cidade por empresas especializadas, que substituíram a maioria desse mobiliário anteriormente instalado. Para efeito dessa licitação, a cidade foi dividida em três grandes áreas e, desde então, passamos a conviver com abrigos de ônibus, painéis de publicidade e relógios digitais padronizados, frutos de design industrial.

Parte importante e integrante daquela licitação era a colocação de banheiros públicos em toda a cidade. Seriam banheiros dotados de tecnologia, com sistemas autolimpantes, que atenderiam uma secular queixa dos cariocas de todas as idades: a falta de banheiros públicos nas ruas. Porém, muito rapidamente, começaram os problemas e adiamentos. As empresas ganhadoras das licitações implantaram os abrigos de ônibus, dotados de espaços para a exploração de publicidade, assim como os relógios e, logicamente, os painéis publicitários. Mas os banheiros, ah os banheiros...

Logo surgiram notícias nos jornais de que havia problemas para sua instalação. Dizia-se, por exemplo, que era difícil conseguir que o órgão responsável fizesse as ligações de esgoto. Os poucos que foram implantados ficaram sem manutenção e passaram a apresentar problemas. Durante a pandemia acabaram lacrados e até hoje seguem inutilizados.  

Mas, antes disso, o cartunista Ziraldo, grande na sua arte, mas talvez não tão bom designer, levou ao prefeito a proposta de um mictório público simplificado. Alguns protótipos foram instalados com o nome de Unidade Fornecedora de Alívio – UFA. Em seguida, o prefeito anunciou a instalação de 100 unidades de UFA na cidade. Usou-se, inclusive, os recursos para a instalação dos banheiros da licitação de mobiliário urbano padronizado.

O grande problema com esses mictórios é que eles eram instalados de forma improvisada, aproveitando bueiros de águas pluviais, sem ralos nos pisos que drenassem os excessos da falta de pontaria masculina. Os pisos onde esses mictórios foram instalados logo se transformaram em lugares com aquele odor característico, incomodando um bocado. Deve ser por isso que também sumiram da paisagem da cidade. Enquanto isso, as empresas vencedoras das licitações de mobiliário urbano, aparentemente, ficaram desobrigadas de instalar os banheiros com boa tecnologia que faltavam. Continuam a explorar somente o filé mignon da coisa, ou seja, os equipamentos portadores de publicidade. E a população carioca, como sempre, permanece sem banheiros públicos.   

Mobiliário urbano é coisa séria, e dá a medida do conforto que a cidade oferece a seus usuários. E também precisam ser bem desenhados. Um visível retrocesso, por exemplo, são as torres de ventilação de câmaras subterrâneas de eletricidade. Antes feitas em ferro fundido decorado, agora são simples e feias chaminés em concreto. O Rio precisa de mais bancos de praça (que tal reproduzir os bancos Paris?), mais abrigos de ônibus, banheiros públicos, postes de iluminação decentes, quiosques, e coretos nas praças. Quando os teremos?

 artigo publicado no Diário do rio em 26 de maio de 2022.

UFA no Largo do Machado