segunda-feira, 29 de julho de 2013

Expansão urbana no Campus Fidei

Campus Fidei em Guaratiba

O discurso oficial da Prefeitura é de revalorização das áreas centrais. Mas sua prática é de permitir que o mercado expanda indefinidamente a cidade em direção a áreas verdes da periferia. A Área Portuária, com seus terrenos públicos, se transforma num espaço para investimentos internacionais em prédios espelhados. E recursos públicos serão utilizados para urbanizar um manguezal em Guaratiba e lá deixar uma população de pobres sem acesso a qualquer infraestrutura decente. Se o Papa efetivamente lá estivesse passado, um novo condomínio surgiria para ser vendido a peso de ouro. Como só deu lama...


quinta-feira, 4 de julho de 2013

O Cemitério dos Ingleses na Gamboa


Localizado na Rua da Gamboa, o Cemitério dos Ingleses (Fig. 1 e 2) é o mais antigo a céu aberto da Cidade do Rio de Janeiro, o que exclui as áreas de sepultamento anteriormente existentes junto ou dentro das igrejas católicas. Ele foi criado após o tratado de amizade entre D. João VI e o Reino Unido em 1810, sendo destinado a receber os súditos ingleses que chegavam ao Brasil após aquele tratado, e que aqui faleciam. Já em 1823 a beleza do seu sítio, em pequena elevação arborizada junto ao mar, era notada por Maria Graham em seu “Diário de uma viagem ao Brasil”:

“Fui hoje a cavalo ao cemitério protestante, na praia da Gambôa, que julgo um dos lugares mais deliciosos que jamais contemplei, dominando lindo panorama em todas as direções. Inclina-se gradualmente para a estrada, ao longo da praia. No ponto mais alto há um belo edifício constituído por três peças: uma serve de lugar de reunião ou, às vezes, de espera para o pastor; uma de depósito para a decoração fúnebre dos túmulos; e a maior, que fica entre os dois, é geralmente ocupada pelo corpo nas poucas horas (pode ser um dia e uma noite), que neste clima podem decorrer entre a morte e o entêrro. Em frente ao edifício ficam as várias sepulturas e os vãos monumentos que erguemos para relevar nossa própria tristeza. Entre estes e a estrada, algumas árvores magníficas.”     

Fig. 1 - Cemitério dos Ingleses em 2013.

Fig. 2 - Cemitério dos Ingleses em 2013.

Em 1985 o Cemitério foi tombado pelo Estado do Rio de Janeiro, justamente por suas qualidades paisagísticas. O inventário realizado pelo Inepac ressaltou a arborização e as campas baixas, muitas delas apenas cobertas por vegetação (Fig. 3). No entanto, o entorno que tanto encantou Maria Graham já não existe. O mar foi afastado por aterro, no qual foi criado um pátio da Rede Ferroviária. Após a desativação do pátio ferroviário, parte do terreno hoje se encontra ocupada pela Cidade do Samba, cuja arquitetura pouco inspirada se ergue como um paredão, vedando a visão do horizonte à frente do cemitério (Fig. 4). Excessivamente próxima também, está a estação do Teleférico do Morro da Providência, cujas dimensões impactam negativamente a ambiência daquele Patrimônio(Fig. 5).


Fig. 3 - Cemitério em 1984 com campas cobertas por vegetação.

Fig. 4 – Cidade do Samba à frente do cemitério


Fig. 5 – Teleférico junto ao muro do cemitério

Aos fundos do Cemitério dos Ingleses, casas do Morro da Providência, que já alcançam vários pavimentos, foram construídas coladas ao seu muro, inclusive utilizando o mesmo como paredes (Fig. 6). Além disso, é possível ver lixo jogado por cima do muro (Fig. 7), e há relatos de que o esgoto de algumas dessas casas é vazado para dentro de cemitério.


Fig. 6 – Favela junto ao muro do cemitério.

Fig. 7 – Lixo proveniente da favela dentro do cemitério

Ao longo do tempo, o Cemitério dos Ingleses alterou também sua feição. Houve uma contínua progressão da pavimentação de caminhos e espaços livres e a cobertura das sepulturas com placas de cimento ou pedra (Fig. 8). As novas sepulturas são mais altas que as antigas. Algumas permanecem, de forma absurda, sem revestimento, com a alvenaria de tijolo aparente (Fig. 9). Muitas árvores deixaram de ser repostas após serem cortadas ou caírem. Assim, é possível notar algumas clareiras, especialmente junto às divisas do terreno. 


Fig. 8 – Maior pavimentação de caminhos e campas

Fig. 9 – Sepultura sem revestimento

Para efeito de comparação, vale à pena observar sítios semelhantes, como o Cemitério dos Ingleses em Recife (Fig. 10), cujas sepulturas permanecem pouco cobertas, ou como cemitérios do Reino Unido, alguns tão antigos como o Cemitério dos Ingleses do Rio de Janeiro. Ali é possível perceber a presença de extensas áreas verdes, maior espaçamento entre as sepulturas, menor altura das mesmas, ou mesmo a inexistência de sua marcação poligonal, com o afloramento apenas da lápide ou do monumento em memória do falecido (Fig. 11-19).  


Fig. 10 – Cemitério dos Ingleses de Recife

    Fig. 11 – Cemitério de Aperton – Reino Unido 

Fig. 12 – Cemitério de Southern-Manchester – Reino Unido

Fig. 13 – Cemitério de Brighton an Preston – Reino Unido        

Fig. 14 – Cemitério de Bronte Parsonage - Reino Unido  

Fig. 15 – Cemitério de Brookwood - Londres – Reino Unido (1852)

Fig. 16 – Cemitério de Brookwood - Londres – Reino Unido (1852)

Fig. 17 – Cemitério de Brookwood - Londres – Reino Unido (1852)

Fig. 18 – Cemitério de Brookwood - Londres – Reino Unido (1852)

Fig. 19 – Cemitério de Kensal Green - Londres – Reino Unido (1852)

Um estudo de Jenifer White sobre cemitérios ingleses informa que lá, somente após 1650, os sepultamentos passaram a ser feitos fora de igrejas. Na falta de um modelo, os primeiros cemitérios seguiam o paisagismo de parques privados, com a capela tomando o lugar das casas senhoriais. A partir de 1815, o cemitério francês de Père Lachaise, com seus monumentos mortuários, passou a influenciar os cemitérios ingleses. Esta influência, no entanto, não os fez perder a presença de elementos naturais, numa rememoração da natureza idealizada pelo romantismo, tão cara aos parques de estilo inglês.   

Para que o Cemitério dos Ingleses volte a se destacar por suas qualidades originais, seria importante a implementação do projeto de paisagismo já elaborado para o mesmo, que indica áreas onde a pavimentação deveria ser retirada, áreas a serem ajardinadas ou gramadas, e um plano de manejo das árvores existentes, com previsão de sua reposição e plantio de novas unidades. Outra providência importante, se possível, seria a retirada de boa parte das coberturas das sepulturas mais recentes, tornando-as simples, e por que não, belos canteiros ajardinados. O Rio de Janeiro teria de volta, então, um lugar aprazível para passeios meditativos e apaziguantes.

Artigo publicado no Diário do Rio em 12 de outubro de 2023.