quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Quem já lucrou com o projeto Porto Maravilha?

Museu do Amanhã no Porto do Rio de Janeiro
Até agora, quem lucrou com o projeto Porto Maravilha? Em primeiríssimo lugar está o consórcio formado pelas empreiteiras Odebretch, OAS e Carioca (os presidentes das duas primeiras estão presos na operação Lava Jato), que capturaram um contrato no valor de R$ 7,6 bilhões para a execução de obras civis (entre as quais a demolição da Perimetral) e a administração daquela parte da cidade. Muito ganhou também a Fundação Roberto Marinho, que gerenciou o projeto de construção do Museu do Amanhã. Segundo o jornal O Globo, a obra custou R$ 215 milhões, ou seja, 3,3 vezes mais que os R$ 65 milhões anunciados no momento da apresentação do projeto. Mas ainda há que se incluir os custos museológicos. A Fundação recebeu uma porcentagem do total desses valores. E as organizações Globo passaram a ser ardorosas defensoras do projeto Porto Maravilha. O arquiteto Santiago Calatrava também ganhou. O projeto, em agosto de 2011, estava em R$ 29.658.100,00. No entanto, esse valor não incluiria a remuneração do próprio arquiteto, detalhe a ser melhor esclarecido. Como não poderia deixar de ser Eduardo Cunha também quis levar o seu. Segundo investigações da polícia, o deputado teria cobrado R$ 58 milhões em propinas para intermediar a liberação de recursos do FGTS para as empresas que buscavam investir naquela área.  

Quem perdeu? Com certeza a Caixa Econômica, que foi levada pelo governo Lula a investir R$ 3,5 bilhões na compra de Certificados de Potencial Construtivo - CEPACS da Área Portuária. Foram usados recursos dos trabalhadores (FAT e FGTS) que se tornaram micos na mão da Caixa, já que não ocorreram os investimentos imaginados. Perde também, e muito, a cidade, que vê um projeto tão longamente desejado - a recuperação da sua área portuária - se transformar num projeto de especulação imobiliária, que não preserva o Patrimônio local, expulsa quem lá já estava e cria uma área inóspita, sem muitos moradores novos e pontilhada de torres espelhadas.


quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Desastre ambiental em Mariana, hora de mudanças na extração dos recursos minerais

“Lira Itabirana”
de Carlos Drummond de Andrade

I
O Rio? É doce.
A Vale? Amarga.
Ai, antes fosse
Mais leve a carga.
II
Entre estatais
E multinacionais,
Quantos ais!
III
A dívida interna.
A dívida externa
A dívida eterna.
IV
Quantas toneladas exportamos
De ferro?
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?

O desastre ambiental em Mariana – MG, provocado pelo rompimento da barragem de Fundão, com danos na barragem de Santarém, da mineradora Samarco em 05 de novembro de 2015 é agora, tristemente, o maior da história nesse tipo de desastre. Todos sabemos que não foi um simples acidente, apesar da presidente da República, através do Decreto 8.572, de 13 de novembro de 2015, tê-lo incluído na categoria de desastres naturais, um verdadeiro disparate. Mesmo a alegação de que no dia anterior ao rompimento das barragens teriam ocorridos tremores de terra de 2.8 na escala Richter não é suficiente para dar causas naturais ao que aconteceu. Tremores de terra nessa escala não são uma novidade naquela área e a engenharia das barragens necessariamente deveria considerar esse fator de risco.

Havia um povoado abaixo da área de mineração, o distrito de Bento Ribeiro, ele próprio antigo centro de mineração no século XVIII. E mesmo assim foi dada a licença ambiental para a construção de várias lagoas de acumulação de rejeitos por cima da cabeça dos moradores, que a cada noite dormiam sem perceber o perigo a que estavam expostos. A quantidade de rejeitos vazada foi suficiente para destruir a vida no Rio Doce. Uma vez ocorrido o desastre, que matou várias pessoas, destruiu cidades, plantações e o rio, ficamos sabendo que a empresa, controlada pela Vale e pela australiana BHP, não tinha um plano de emergência confiável, nem formas viáveis de avisar à população abaixo, nem recursos técnicos ou financeiros para fazer frente a um desastre ambiental dessa magnitude. E nem um seguro capaz de cobrir a dimensão do risco da atividade que ali era exercida.

Protesto na sede da Vale do Rio Doce em 16.11.2015 - Foto de Silvia Knoller
Mas a Samarco não era nenhuma empresa de fundo de quintal. E nem uma empresa hostil aos trabalhadores. Em 2014, pela oitava vez, ela foi incluída entre as 150 Melhores empresas pra se trabalhar no Brasil, de acordo com a pesquisa da Revista Você S.A. da Editora Abril.
Seria a produção desse risco um problema específico da mineradora Samarco ou um problema da forma como se realiza atualmente a mineração, especialmente no Brasil? Este é um setor que, desde o período colonial, nunca deixou de ter uma enorme importância na economia brasileira. Em 2010 as exportações minerais (incluindo combustíveis) responderam por 33% do total de exportações do Brasil, o que representou US $ 50 bilhões naquele ano (Instituto Brasileiro de Mineração). Assim, é enorme a capacidade da atividade de mineração de influenciar as políticas públicas, parlamentares e a sua regulação. Exemplo disso é o Código de Mineração, atualmente em discussão no Congresso que, se aprovado, afrouxaria a regulação sobre o setor e sobreporia o interesse da mineração ao do meio ambiente e da paisagem natural.

No Brasil, o Estado de Minas Gerais é conhecido, entre outras coisas, por sua riqueza mineral. A exploração do minério de ferro, que ali é abundante, tem provocado o desmonte de numerosas montanhas, alterando a paisagem e provocando a ira dos poetas. Sobre a destruição da Serra do Curral em Belo Horizonte, Carlos Drummond de Andrade escreveu:
Esta serra tem dono. Não mais a natureza a governa. Desfaz-se, com o minério, uma antiga aliança, um rito da cidade. Desiste ou leva bala. Encurralados todos, a Serra do Curral, os moradores cá embaixo. Jeremias me avisa: "Foi assolada toda a serra; de improviso derrubaram minhas tendas, abateram meus pavilhões. Vi os montes, e eis que tremiam. E todos os outeiros estremeciam. Olhei terra, e eis que estava vazia, sem nada nada nada".
Sossega minha saudade. Não me cicies outra vez o impróprio convite. Não quero mais, não quero ver-te, meu Triste Horizonte e destroçado amor (Triste Horizonte - 1976).

Em Mariana a Samarco buscava ferro e este vem misturado a outros minerais. O processo de separação é feito por peneiração, concentração e filtragem, onde é utilizada água. O ferro é carreado para aproveitamento fora da área de mineração e o rejeito é conduzido para barragens onde, com o tempo, é sedimentado e a água reaproveitada. Ao final da vida útil de uma barragem ela deve ser recuperada, recebendo uma cobertura de terra vegetal e o replantio de espécies locais. Mesmo com essa previsão de recuperação, todo o processo gera profundas alterações no meio ambiente e na paisagem. E as barragens podem ser altamente perigosas, como estamos descobrindo agora.

O assunto é bastante complexo e envolve duas questões de fundo. A primeira é a necessidade de internalização dos riscos da produção. Este é um processo que já vem ocorrendo há muito tempo na produção industrial. A poluição, antes considerada uma externalidade ao processo produtivo a ser dividida com toda a sociedade, passou a ser corrigida e, depois, prevenida. Hoje não é mais aceitável que a fumaça das fábricas polua a atmosfera ou que a água suja de processos industriais seja lançada em corpos hídricos. Atualmente caminha-se mais e mais para responsabilizar as empresas pela vida inteira dos produtos que fabricam, obrigando-as a recolhê-los ao fim de sua vida útil e dar novos usos aos materiais que os compõem.  

No entanto, no setor de extração de minérios os riscos continuam a ser divididos com toda a população. Os riscos das barragens de rejeitos são divididos com todos. Os riscos da exploração do pré-sal, que são imensos, e que podem atingir uma escala muito maior do que o que se viu no desastre de Mariana, são ignorados pela sociedade. Caso ocorra um acidente com um poço de petróleo em alto mar, a empresa petrolífera não terá recursos e meios de evitar uma catástrofe ambiental. Isso tem que mudar. Este não é mais o tempo de se correr atrás dos acidentes para corrigi-los. A tônica atual é a prevenção, é se colocar o princípio da precaução antes de tudo.  

A outra questão a ser discutida é que essas operações de risco existem para atender a demandas por recursos naturais. Quem demanda? Todos que consumimos produtos em profusão. E o modelo de desenvolvimento econômico do país, para o qual são vitais os recursos obtidos com as exportações. E os países em crescimento acelerado, como a China, que movem céus e terras para terem acesso a esses recursos.

E aí se chega à discussão sobre a necessidade de desmaterialização da economia, ou seja, de diminuição do consumo de matéria e energia em termos relativos (por unidade de produto) e em termos absolutos. A movimentação de matéria em nível global já atinge proporções alarmantes, o que inclui também a sua extração. Bilhões de toneladas de materiais são extraídos todo ano de seus locais de origem, incluindo combustíveis fósseis, água, areia, cascalho, minério, rochas e madeiras. Grande parte nem chega a ser inserida no sistema produtivo, perdendo-se antes disso. E aquela que é utilizada, pouco tempo depois vai se transformar em rejeito. Vários autores focam suas análises ambientais nessa questão. Segundo Johnston e Pestel[1], mesmo os problemas relativos à exploração dos recursos energéticos não renováveis podem ser olhados através do foco da transferência de matéria na ecosfera. Assim, o efeito estufa, por exemplo, poderia ser reduzido à sua dimensão de transferência de matéria de seu lugar original, o subsolo, no caso dos depósitos fósseis de carbono, para a atmosfera, onde não podem ser absorvidos.

Preconiza-se então, entre outras medidas, uma aceleração no processo já em curso na sociedade pós-industrial de desmaterialização da economia. Isto inclui a descentralização da produção e a circulação da informação, com vistas a reduzir os deslocamentos pendulares e aqueles deslocamentos que possam ser substituídos pela transmissão de informações. Segundo Emilio Gerelli[2], nos países ocidentais mais industrializados já há sinais evidentes de que esse processo teve início. Citando um trabalho de Jaenicke e outros pesquisadores alemães[3], o autor afirma que o periodo áureo da desmaterilização teria sido entre os anos 1970 e 1985, quando registrou-se nessas economias uma forte redução do consumo de aço, da produção de cimento, e no transporte de mercadorias, apesar de ter ocorrido aumento do PIB (Bélgica, Dinamarca, França, Alemanha Ocidental, Suécia e Grã Bretanha são classificadas num grupo com redução absoluta no consumo de aço, na produção de cimento e no transporte de mercadorias. Bélgica e Grã Bretanha apresentaram também redução do consumo de energia primária. Áustria, Finlândia, Japão, Noruega e Itália (1980-1990) encontram-se num segundo grupo com redução de apenas dois dos itens analisados). Isto foi possível graças à redução de input dos fatores materiais, substituídos por informação, conhecimentos e novas tecnologias.

Mesmo nos países em desenvolvimento, onde esse efeito ainda não ocorreu, o autor percebe que o processo de desenvolvimento vem se dando de forma mais econômica em termos de recursos materiais. Tais ideias estão claramente calcadas na visualização das possibilidades de ganhos com o teletrabalho, do início da década de 1990. Outros aspectos relacionados são a redução da taxa de obsolescência dos materiais e dos produtos, a questão da eficiência energética, a reciclagem e a reutilização de materiais.

Então, seja caminhando no sentido de se inserir o princípio de precaução nas operações de extração mineral, e de se internalizar os custos de previsão dos riscos dessa operação e de recuperação do meio ambiente em caso de desastres, seja caminhando no sentido de reduzir a necessidade que a sociedade como um todo tem da exploração desses recursos naturais, é preciso mudar radicalmente a maneira como se lida atualmente com a questão da mineração e da exploração desses recursos. Como ficou evidente no terrível desastre em Mariana, não há mais espaço para se continuar como se nada estivesse errado.



[1] JOHNSTON, Peter e PESTEL, Robert. – “Sustainability in an Information Society”, In: Telework ´95  - Telework Practice and new employment opportunities – Proceedings of the 2 nd European Assembly on Teleworking and new way of working – Auditorium della Tecnica Confederation of Italian industry, Rome, 1995, pp. 195-200 (p.196).
[2] GERELLI, Emilio. Società post-industriale e ambiente. Roma: Editori Laterza, 1995 (pag. 21).
[3] M. Jaenicke, H. Moench, T. Raneberg e U.E. Simonis. “Structural Change and Environmental Impact”, In: Intereconomics, jan e fev 1989.

domingo, 1 de novembro de 2015

Quinta do Caju

Pescadores da Quinta do Caju
Quinta do Caju, área de colonização portuguesa, já foi um importante ponto de pesca, antes da poluição da Baía de Guanabara. Os moradores pioneiros construíram casas em madeira, que se tornaram uma característica do local. No entanto atualmente há poucas remanescentes.



Mico?

O governo federal levou a Caixa a se associar ao prefeito do Rio, investindo R$ 3,5 bilhões em CEPACS da Área Portuária. Foram usados recursos dos trabalhadores (FAT e FGTS) que se tornaram micos na mão da Caixa. A Caixa ainda não conseguiu vender 57% desses papéis. Dos 43% negociados, a própria Caixa entrou como parceira dos empreendimentos. E 35% dos papéis vendidos estão estocados a espera de tempos melhores.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

BRT Transbrasil: Patrimônio em risco na área da Central do Brasil

A prefeitura do Rio de Janeiro vem implantando linhas de BRTs pela cidade, o que é positivo do ponto de vista da mobilidade. Claro que sempre é possível se discutir se a opção pelos ônibus articulados é a de maior capacidade e a que melhor atende à cidade. A mais recente linha anunciada é o BRT Transbrasil, que virá pela Avenida Brasil e adentrará o Centro do Rio. O Consórcio Porto Novo, composto pelas empresas OAS e Odebrecht, comprometidas na Operação Lava-Jato, e ganhador da licitação para realizar as intervenções na Área Portuária, assumiu a execução das obras da primeira etapa desse BRT. Espera-se que tenha havido nova licitação...

Traçado do BRT Transbrasil


Para chegar à Presidente Vargas, o BRT Transbrasil passará pela Rua Rivadávia Corrêa, ainda na Área Portuária e, após atravessar o Túnel João Ricardo, alcançará a Rua Bento Ribeiro, em frente à Estação Central do Brasil. No entanto, para chegar a essa rua o BRT promoveria um arrasa quarteirão em todo o lado par da mesma. Os estudos apontam a necessidade de demolição de 44 imóveis, sendo 24 deles protegidos pela Lei que criou a Apac SAGAS (Lei 971/1987). São imóveis de feição eclética, que variam de um a três pavimentos, e compõem muito bem a imagem daquela área nos arredores da Central do Brasil.



A gestão da Apac SAGAS é do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade-IRPH, órgão da própria Prefeitura. É preciso saber se o IRPH concorda com este arrasamento proposto e, até mesmo se já deu essa autorização. É importante, também, verificar se uma eventual alteração na lista de imóveis preservados não teria que ser submetida à Câmara de Vereadores. É verdade que esta última vem aprovando todas as demandas do Prefeito, mesmo as mais absurdas e danosas para nossa cidade.   

O projeto BRT Transbrasil está estimado em mais de R$ 2 bilhões. É um custo bastante alto e deve ser exigida total transparência. A cidade precisa saber se a concessão para a realização das obras segue os princípios do interesse público e se a destruição desses 24 imóveis preservados pela Lei SAGAS encontra-se realmente em discussão.