sexta-feira, 23 de março de 2012

Uma experiência, aparentemente banal, num dia comum de março de 2012 em trens do Rio de Janeiro

Trem da Central do Brasil

A viagem de ida ao Engenho de Dentro – Pego o trem "quentão" que vai para Japeri. É um trem sem ar condicionado, tão grafitado que os vidros das janelas não deixam ver o exterior. O trem sai da plataforma com lotação média, já que na parte da manhã a maior parte dos passageiros viaja no sentido oposto, dirigindo-se ao centro do Rio. Mal a viagem começa e o trem para, não muito distante da Central. Não há avisos que expliquem o que está acontecendo. Depois de algum tempo alguns passageiros jovens e mais exaltados forçam as portas para abri-las, ameaçando quebrar o vagão. Os demais passageiros aparentemente reprovam tal atitude, mas não se movem para impedir, nem mesmo quando os jovens tentam arrancar barras de metal do bagageiro. O trem volta à estação e os passageiros mudam para o trem parado do outro lado da plataforma. Não se ouve avisos que expliquem a movimentação dos passageiros, mas eles todos se mudam entre os dois trens uma, duas, três, quatro vezes. Sigo-os. Finalmente o trem parte e a viagem até o Engenho de Dentro transcorre sem mais problemas.

A viagem de volta à Central – Já sentado num banco da plataforma, ouço o serviço de alto falante anunciar que em aproximadamente dois minutos um trem com ar condicionado adentrará a estação. Esse anúncio é repetido diversas vezes ao longo de uns quinze minutos. Finalmente o trem com ar condicionado chega e está um pouco cheio. Os passageiros na plataforma embarcam, mas o trem não parte. As portas se abrem e se fecham inúmeras vezes, sem que se compreenda a razão. Não há avisos que esclareçam o que se passa. Muito tempo depois, ouve-se um aviso de que o trem estará em vistoria. Os passageiros descem para a plataforma. O trem apita e só uma parte dos passageiros consegue novamente embarcar, já que as portas dos vagões se fecham bruscamente. Mas o trem ainda não parte. As portas se abrirão e fecharão ainda muitas vezes antes que o trem siga viagem. Os passageiros olham seus relógios. Um, que leva quentinhas, avisa pelo celular que vai se atrasar. Por fim o trem parte e todos mantêm a expressão de estarem vivendo uma situação de plena normalidade do serviço de trens dos subúrbios do Rio de Janeiro.


terça-feira, 13 de março de 2012

Um teatro para a dança



A dança no Brasil é uma arte com imensas possibilidades de inclusão social e de iniciação da juventude no mundo artístico. Para o Rio de Janeiro ela é também uma oportunidade de difusão da cidade mundo afora. Mas o que falta fazer para que isto seja uma realidade mais palpável? Inicialmente, há a questão dos espaços para a dança. No início da década de 1980, tomou corpo a briga dos profissionais por um teatro para a dança, pois nunca havia espaços para a mesma nas pautas dos outros teatros. Quando muito, a dança era relegada a sessões em horários alternativos, como segundas e terças-feiras, ou semana santa e período natalino.

Quando a Funarte passou a reservar o Teatro Cacilda Becker para a dança, deu-se um grande passo. Em 1991 o Cacilda abrigou o Olhar Contemporâneo da Dança, evento do qual se originou o Panorama da Dança que cumpriu a importante função de ir ocupando novos e maiores espaços.

Após isto, o projeto de apoio municipal a companhias, que já não mais existe, mesmo com pouca clareza quanto aos critérios de distribuição dos recursos, deu sustentação a uma extensa rede de profissionais. A idéia do Centro Coreográfico foi caudatária de todo este ambiente que se criou e que passou a exigir novos desafios. Ele não seria apenas mais um espaço para a dança, mas um espaço qualificado, que irradiasse novas idéias e que acolhesse os profissionais e seus projetos. Seriam também necessárias verbas para as suas iniciativas, como o recebimento de companhias para residência temporária, conexões com outros espaços teatrais, formação de plateias, hospedagem de artistas de outras cidades, etc. Com recursos, suas produções ganhariam em qualidade e abrangência. Mas não foi bem o que ocorreu.

O projeto original do Centro Coreográfico previa a construção de um teatro para a dança, que não se realizou. Se hoje já é bem maior o espaço para a dança nas pautas dos teatros da cidade, a programação de dança ainda é amplamente minoritária. Além do mais, não se pode dizer que todas as linguagens são contempladas nessa nova distribuição de espaço. Se isto ainda ocorre, é evidente que o projeto de um teatro público para a dança no Rio continua válido. A cidade de São Paulo se prepara para edificar o seu.

A Prefeitura do Rio de Janeiro tem uma responsabilidade importante no fomento à dança, através de subvenções à criação, produção e circulação de trabalhos dos artistas da dança carioca. E ela deveria considerar a possibilidade de construção de algo mais sólido do que apenas editais de curta duração, nem sempre capazes de suprir as necessidades de um trabalho de longo prazo.

Foto: cadeira em Cuba

sábado, 10 de março de 2012

Em nome das Olimpíadas

Área do futuro campo de golfe e área a ser edificada na APA Marapendi

Em 20 de março de 2012, a APA Marapendi completa 20 anos. Ela situa-se entre a Barra e o Recreio e corresponde a uma área de 932 hectares - o equivalente a quase sete Jardins Botânicos -, sendo um dos últimos remanescentes verdes na orla carioca. Visando preservar a área, as regras para edificação no local são bastante restritivas: a cada 40 mil metros quadrados, só 10% podem ser edificados. Por isso mesmo, ela sempre sofreu uma forte pressão imobiliária pela alteração dessas regras.
Usando a oportunidade criada com o clima de "tudo pode" gerado pela proximidade com as Olimpíadas de 2016, o Prefeito Eduardo Paes anunciou no dia 07 de março de 2012 a construção de um campo de golfe olímpico (a modalidade voltará às Olimpíadas, depois de 112 anos) na Reserva de Marapendi em terrenos da RJZ Cirela. Como contrapartida à construção do campo de golfe na Reserva, a Prefeitura do Rio vai permitir a construção de 23 prédios comerciais e residenciais, de até 22 pavimentos, em 7% da área. É uma alteração forte na legislação, feita de forma pontual. Terá passado pela Câmara?.
A legislação anterior limitava as construções em até seis andares - com a nova proposta, além de se ampliar o leque de apartamentos, a construtora terá ainda a prerrogativa de ter imóveis com vista para o mar. Outra questão que merece ser discutida é a adequação dos gramados de um campo de golfe à intenção de se preservar uma área de restinga com sua vegetação característica. Parecem objetivos muito contraditórios. De mais a mais, que cidadãos cariocas poderão usufruir desse equipamento e como será possível aos demais cidadãos usufruir das belezas da área sem que isto prejudique eventuais partidas em curso?

segunda-feira, 5 de março de 2012

O doce Patrimônio Imaterial




Prefeito confraterniza com vendedores de mate





A noção de Patrimônio está sempre evoluindo e sendo repensada. Ao longo do tempo esta evolução foi no sentido de ampliar a sua abrangência. A passagem do conceito de patrimônio histórico para o de patrimônio cultural permitiu agregar bens da arquitetura vernacular e artefatos produzidos artesanalmente ou em escala industrial. Também foram agregados os bens naturais, como montanhas, árvores e quedas d’água.

Uma das últimas expansões se deu com o reconhecimento do chamado Patrimônio Imaterial, significando que festas, formas de culto, saberes e atividades também são importantes para a memória de um povo e para a sua cultura. No entanto, aquilo que deveria ser apenas uma maior abrangência da visão sobre Patrimônio transformou-se num manancial de atitudes eleitoreiras para os políticos. Governantes que se sentem cobrados por sua inação em relação à deterioração do patrimônio edificado passaram a fazer tombamentos em série de bens imateriais. Deputados e vereadores passaram a invadir a seara dos órgãos de tombamento, promulgando leis de tombamento de bens imateriais a torto e a direito.

Por envolver pessoas que estão afetivamente ligadas às atividades agora valorizadas, tais atos têm uma grande capacidade de retorno político. E geram a falsa impressão de que muito se faz pelo Patrimônio. Enquanto concordava com a alteração da legislação que impedia a construção do espigão da Eletrobrás junto aos Arcos da Lapa, o Iphan-RJ promovia o tombamento das rodas de samba. Após demolir a Cervejaria Brahma no Catumbi, bem anteriormente protegido, o Prefeito Eduardo Paes se esmera em salamaleques diante dos vendedores de mate de praia, agora considerados Patrimônio imaterial. Em que isto alterará as vidas desses vendedores para melhor, é difícil saber. Talvez venham a ser alvos mais visados das operações de ordem urbana da Prefeitura.

Sem dúvida, é muito provável que vários dos bens imateriais que vêm sendo reconhecidos o mereçam. Mas é o suspeitíssimo novo interesse por parte dos governantes e políticos em geral por bens que não demandam restauração ou conservação que deve nos levar a colocar nossas barbas (e as do Patrimônio material) de molho.