domingo, 26 de novembro de 2023

Árvores, mais árvores

Árvore em Jaboatão dos Guararapes

Apesar dos negacionistas climáticos, a recente onda de calor pela qual passamos não deixa dúvidas: a crise climática, ou emergência climática, está aí. Segundo o Inpe, em 60 anos os dias com ondas de calor no Brasil pularam de sete para cinquenta e dois. Como o estudo cobriu o período 1961-2020, atualmente esses valores já podem ser maiores. 

O calor excessivo maltrata e, como se viu no show da Taylor Swift, pode provocar mortes. Toda essa nova realidade traz enormes desafios, para os quais ainda não estamos preparados. A adaptação envolve desde buscar novas regras para eventos que produzam aglomerações a relocar moradias situadas em áreas sujeitas a inundações e ao avanço do mar.

Além da adaptação, serão também necessárias ações chamadas de mitigação. São aquelas que buscam reduzir as emissões dos gases de efeito estufa ou capturá-los. O plantio de árvores é uma ação duplamente benéfica, já que capta CO² da atmosfera e fornece sombra e umidade, ajudando a baixar localmente a temperatura. Nossas cidades precisam de mais parques, mais praças e mais ruas arborizadas. Arborizar intensamente as cidades é tarefa urgente!

No Rio de Janeiro, os bairros da Zona Sul e da área litorânea da Zona Oeste, apesar de sempre poderem melhorar, são razoavelmente arborizados. Certas ruas de Ipanema e Copacabana são cobertas por um dossel contínuo de árvores, uma coisa linda de se ver do alto. Mas, ao nos dirigirmos à Zona Norte e aos bairros interiores da Zona Oeste, a arborização urbana vai rareando, havendo diversas ruas em que não existe uma única árvore. Não à toa, são nesses bairros onde ocorrem as mais altas temperaturas. Segundo a Sociedade Brasileira de Arborização Urbana, a cidade tem um déficit de aproximadamente um milhão de árvores. Cordovil, Santa Cruz e Bangu seriam os bairros onde essa carência é mais aguda.

Se, no quesito arborização urbana, a situação da Cidade do Rio de Janeiro não é boa, quando se olha para a Baixada Fluminense ela é de deserto quase total. A Casa Fluminense divulgou o estudo Mapa da Desigualdade 2023 que traz as medições de áreas verdes por habitantes. Apesar de não ser igual ao índice de arborização urbana, tais informações dão pistas sobre a situação da mesma. São João de Meriti é o município em pior situação, com menos de um m² de área verde por habitante. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o índice mínimo seria de 36 m² por habitante. Nilópolis conta com apenas 1,29, Belford Roxo com 5,36 e Queimados com 19,36 m². Já a Cidade do Rio de Janeiro conta com 49,61 m², um índice alto, mas enganoso, por conter as áreas florestadas da cidade. 

O primeiro plano diretor para a Cidade do Rio de Janeiro, realizado na década de 1920 pelo francês Alfred Agache, previa um sistema de parques para a Zona Norte. Em relação ao Patrimônio o plano seria desastroso, mas os diversos parques propostos teriam sido muito benéficos para aquela área. Sem o plano Agache, é preciso um plano que amplie drasticamente as áreas de parques nos bairros da cidade, especialmente naqueles mais quentes. Parques mais generosos do que o Parque de Madureira que, apesar de bem-vindo, é estreito, já que ocupa a antiga linha de transmissão da Light. 

Atualmente, o processo de arborização das ruas da cidade ocorre de forma quase artesanal. Há empresas contratadas para fazer esse plantio, mas o ritmo não é o adequado a uma situação de emergência climática. Há a reposição, um pouco deficiente, das árvores que caem e há o plantio de novas mudas em espaços já disponíveis. No entanto, menos de 30 mudas são plantadas a cada dia. Se a cidade fosse bem arborizada, isso não seria um problema. Mas, no ritmo atual, ainda levaremos quase 150 anos para que, talvez, vejamos a cidade razoavelmente suprida de árvores. E ainda há que se lembrar que o crescimento das mudas é lento e o vandalismo é alto. Uma inflexão radical no ritmo de arborização da cidade se faz urgente. 

A Prefeitura precisaria também exigir que novas edificações reservassem espaços nas calçadas para o plantio de árvores, já que a tendência geral é tudo pavimentar. E seria interessante considerar aspectos paisagísticos, como a formação de conjuntos arbóreos com forte expressividade. A predominância de certas espécies em algumas ruas, como os paus-ferros da avenida Pedro II ou a aleia de sapucaias da Quinta da Boa Vista, cria belos efeitos, reforça a identidade desses lugares e conquista a simpatia dos moradores. 

Outro aspecto a ser considerado é a relação da arborização com monumentos e edifícios considerados Patrimônio. No Castelo, por exemplo, uma área densamente arborizada em frente à Igreja de Santa Luzia quase impede a sua visualização. Na Praça XV, junto ao Chafariz do Mestre Valentim, há alguns anos uma árvore tombou, danificando seriamente o mesmo. Pois outra árvore foi plantada no mesmo lugar, planejando-se o possível desastre de algumas décadas à frente. Até a República, a área do chafariz não era arborizada. Assim como não são desejáveis bancas de jornais na frente de bens tombados, não deve haver arborização que os esconda ou ameace.

Por fim, é bom lembrar que, se quisermos o bônus de pássaros na cidade, é preciso o plantio de acordo com as suas necessidades. Há pássaros que buscam sementes e outros que buscam frutos. A variabilidade das espécies a serem plantadas deve atender a isso: produção de sementes e de frutos. Queremos árvores, precisamos de mais árvores. Que venha o milhão de árvores que nos faltam!

Artigo publicado em 23 de novembro de 2023 no Diário do Rio.

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

Ao clube do coração, tudo

 

Estádio do Vasco São Januário - 1927 

Durante muitos anos, os arquitetos e urbanistas, e todos que se interessam pelos destinos das cidades brasileiras, lutaram pela melhoria das legislações incidentes sobre os espaços urbanos. Isto porque os interesses do capital imobiliário sobre o solo urbano impediam que predominasse uma ótica mais voltada para o bem comum, a justiça social, a preservação do Patrimônio e do meio ambiente. Finalmente, com o Estatuto das Cidades, a Lei n° 10.257, de 10 de julho de 2001, abriu-se a possibilidade de que tais princípios fossem incorporados ao direito urbano nacional.


O Estatuto das Cidades trouxe a definição da função social da propriedade, relativizando um pouco o conceito de propriedade e exigindo que o solo urbano, não importando quem seja seu proprietário, deva servir ao bem dos cidadãos que compartilham o mesmo espaço urbano. Assim, por exemplo, terrenos eternamente vazios, à espera de uma futura valorização deixam de ser aceitáveis. Os municípios passaram a ter instrumentos para induzir o seu aproveitamento. 


O Estatuto das Cidades instituiu diversos novos instrumentos de legislação urbana, como o usucapião urbano, a outorga onerosa do direito de construir, o IPTU progressivo, o parcelamento ou edificação compulsórias, o Estudo de Impacto de Vizinhança, e as operações urbanas consorciadas, as OUCs. Estas últimas devem estar de acordo com as definições do Plano Diretor, e devem ter como finalidade "alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental". Visam, portanto, obras públicas e melhorias no espaço público.


As intervenções conhecidas como Porto Maravilha são uma típica OUC. Os gabaritos dos terrenos daquela área foram elevados, gerando um novo potencial construtivo, o qual foi posto à venda para financiar as intervenções na estrutura urbana da Área Portuária. É possível discutir se a elevação dos gabaritos foi excessiva, se houve pouco cuidado com o Patrimônio e a paisagem local, e se as obras realizadas foram de qualidade. Mas, os recursos advindos das alterações nos gabaritos geraram recursos que vêm sendo investidos naquela própria área.


Tome-se agora o projeto de lei enviado pelo prefeito carioca à Câmara de Vereadores, que institui a OUC do Vasco da Gama (Projeto de Lei Complementar nº 142/2023). Ela é voltada para beneficiar um clube esportivo, que, por coincidência, é o clube do coração do prefeito. E ela tem vários senões que a caracterizam como uma operação não aceita pela legislação. 


Salvo algumas intervenções no espaço público exterior, a maior parte dos recursos auferidos pela operação serão usados para a ampliação do estádio do clube, uma entidade privada, e na melhoria do seu parque aquático. Vale lembrar que, atualmente, o Vasco da Gama é controlado pela 777 Partners, um grupo norte-americano. Nada mais distante do estereótipo de clube de origem popular cultuado pelos torcedores. 


Para gerar esses recursos, é definido um potencial construtivo sobre um terreno já edificado. Tal edificação, por ser um estádio de futebol, tem uma área gramada, naturalmente livre. O que a operação proposta faz é imaginar que essa área gramada, e alguns espaços livres no entorno do estádio, seriam passíveis de receber edifícios, o que geraria um valor adicional ao complexo.


Como, obviamente, não se pode edificar no gramado do estádio e nem no seu entorno imediato, o projeto de lei propõe a transferência desse potencial construtivo, artificialmente criado, para outros bairros. Isto é denominado transferência do potencial construtivo, instrumento também previsto no Estatuto das Cidades. No entanto, a associação desses dois instrumentos numa mesma operação é perversa, porque um bairro fica com os recursos auferidos, e seus possíveis benefícios, enquanto outros recebem a pressão de um maior adensamento. 


A venda dessa metragem quadrada virtual irá impactar alguma outra área da cidade e os lucros serão transformados num estádio maior, capaz de gerar mais renda para o clube. Não está no Plano Diretor a indicação de que a ampliação do estádio do Vasco da Gama é benéfica para a cidade. Não há previsão no instrumento Operação Urbana Consorciada que outras áreas fora do perímetro da mesma sejam impactados por pretensas melhorias na área da OUC. Não há no projeto de lei previsão de controle compartilhado com representação da sociedade civil, como previsto no Estatuto das Cidades. 


Se houver uma expansão da moda de beneficiar clubes de futebol com a admissão de um potencial construtivo sobre seus gramados, poderemos ver os bairros da cidade impactados pelo que poderia ser construído no gramado do Flamengo, do Fluminense, do Bonsucesso, e de outros tantos que existem por aí. Além disso, é possível que venha aí o novo estádio do Flamengo, no terreno do antigo gasômetro, pertencente à Caixa Econômica, sobre construções que mereceriam ser preservadas. E depois, quem sabe a venda do potencial construtivo do gramado do novíssimo estádio.


A verdade é que o Estatuto das Cidades, elaborado com tantas esperanças positivas, está sendo torcido e retorcido para abrigar operações fora do interesse geral. Por maior que seja a torcida de um clube de futebol, ela não é o conjunto da população, fator que deveria nortear os projetos urbanos.


Vale lembrar que, quando dois botafoguenses ocuparam o governo do estado e a prefeitura, respectivamente Marcelo Alencar e Cesar Maia, um terreno na Praia de Botafogo, ganhou a possibilidade de receber um edifício. Isso permitiu que a mineradora Vale devolvesse ao Botafogo a sede de General Severiano, que ela havia adquirido do mesmo clube, e aceitasse em troca o terreno então valorizado no Mourisco. Como se vê, a paixão pelos clubes do coração opera milagres na legislação urbana.


Artigo publicado em 16 de novembro no Diário do Rio.


terça-feira, 14 de novembro de 2023

Como o Rio perdeu uma universidade

Em 2021 o prefeito Eduardo Paes promoveu a desapropriação do campus da antiga Universidade Gama Filho-UGF. Infelizmente, um pouco tarde, já que essa foi uma ação pedida ainda na década passada, pela maioria dos deputados estaduais, por professores e por estudantes. Visavam tentar salvá-la como instituição de ensino. No último fim de semana, depois de anos de abandono, quatro prédios da Gama foram implodidos pela Prefeitura, entre eles o edifício sede, projetado pelo arquiteto Edison Musa, e as instalações do antigo teatro Dina Sfat. Parte do campus deverá ser transformado num centro de educação e cultura da Fecomércio, e a outra parte num parque municipal.

A UGF teve sua origem no Colégio Piedade, comprado em 1939 por Luís da Gama Filho, futuro Ministro do Tribunal de Contas do Distrito Federal, depois de uma carreira política. Muito antes disso, Gama Filho foi motorista de caminhão e vendedor de querosene. Em 1951, com a abertura do curso de Ciências Jurídicas, teve início a história da universidade. Em 1965, surgiu o curso de medicina e logo vieram os de engenharia, arquitetura, comunicação social, odontologia, serviço social, educação física, além de cursos de mestrado e MBA. 

Muitos bons profissionais dessas áreas lá se formaram. Seus cursos eram bem considerados. Na educação física, por exemplo, a Universidade teve grande projeção, já que investiu em esportes de alto rendimento, participando de campeonatos estaduais e federais. 

Em 2010 a UGF foi comprada pelo Grupo Galileo, que também se tornou proprietário da UniverCidade, e mais tarde foi acusado de ter desviado milhões de reais. Em 2011, a universidade chegou a anunciar investimento de 17 milhões de reais na área esportiva. No entanto, dois anos depois a qualidade do seu ensino foi questionada pelo MEC, o que impediu a entrada de novos alunos e a elaboração de novos contratos do Fies e de financiamento de bolsas do Prouni. 

Em 2014 ocorreu o descredenciamento da Universidade pelo MEC, um golpe mortal, que levou ao seu fechamento. As avaliações mais detalhadas das instituições de ensino superior pelo MEC foram ações bem-vindas, mas, muitas vezes, como também ocorreu com a Santa Úrsula, ajudaram a empurrar para o abismo instituições que já vinham com problemas financeiros.

O encerramento das atividades da Gama Filho provocou gigantescos problemas para os alunos às vésperas de se formar, para os que, mesmo formados, ainda não tinham recebido seus diplomas e para os demais, que precisaram buscar a conclusão de seus cursos em outras instituições. A universidade era importante demais para o bairro de Piedade e para a Zona Norte. Para aquela área, ela tinha o peso simbólico que a PUC tem para a Zona Sul. Seus milhares de alunos movimentavam negócios no bairro, que entraram em crise com o fechamento da instituição.

Buscando uma solução para o enorme problema que se formava, em 2014 o então deputado Jorge Bittar propôs a desapropriação da estrutura da Gama para a criação de uma universidade pública. Naquele mesmo ano, o deputado Paulo Ramos apresentou projeto nesse sentido, que foi vetado pelo governador Pezão. 

Em 2016, ano em que o Tribunal de Justiça decretou a falência do grupo Galileo, a Alerj aprovou novo projeto permitindo ao governo desapropriar o campus da Gama Filho, ainda com o intuito de torná-lo uma universidade pública. O projeto era da autoria dos deputados Paulo Ramos e Waldeck Carneiro e seria uma solução que, além de atender o interesse público, era aceita pelo grupo mantenedor da instituição.

Como nossos governantes são bem obtusos, o governador Pezão, demonstrando o seu desinteresse nesse tipo de solução, voltou a vetar o projeto de lei aprovado na Alerj. Esse segundo veto do governador foi derrubado pelos deputados, mas mesmo assim o governo não tomou nenhuma providência. Naquele ano, o atual prefeito do Rio estava no seu segundo mandato, portanto já bastante experiente. Mas, tampouco se moveu para evitar o fechamento da universidade.

É difícil aceitar que uma cidade como o Rio de Janeiro, e o Estado do Rio, tenham podido assistir ao fechamento de uma universidade, ainda mais uma do porte da Gama Filho, sem que os governantes nada tenham feito. Agora veio mais uma implosão. A do viaduto da Perimetral gerou uma área de lazer, mas a absurda implosão da antiga fábrica da Brahma só gerou um elefante branco plantado junto ao Sambódromo. O futuro parque e o centro de recreação e cultura poderão trazer benefícios a Piedade e vizinhança, e serão melhores do que um terreno abandonado. Mas, nunca terão o potencial de transformação de vidas que uma universidade tinha. 

Artigo publicado no Diário do Rio em 10 de novembro de 2023.

sábado, 4 de novembro de 2023

O passado favelado do Leblon

Alterações no entorno da Lagoa Rodrigo de Freitas - Atlas Canabrava

 

Ipanema e Leblon se alternam na posição de bairros com o maior valor do m² na Cidade do Rio de Janeiro. Se o primeiro convive com o conjunto de favelas Pavão, Pavãozinho e Cantagalo, o Leblon é um bairro sem nenhuma comunidade do gênero. Mas, nem sempre foi assim. Engana-se quem só conhece o seu presente glamoroso, cenário das tramas novelescas que retratam a burguesia carioca. Aqui, os bairros da classe média quase sempre têm alguma favela por perto.


A Barra da Tijuca, por exemplo, cresceu guiada por um projeto urbanístico do poder público, na segunda metade do século XX, e pela ação do mercado imobiliário. Mas, esse crescimento foi acompanhado do surgimento de favelas no Recreio e em Jacarepaguá. Da mesma forma, Ipanema e a orla do Leblon cresceram a partir de loteamentos formais, respectivamente do fim do século XIX e do início do XX, mas acompanhados do surgimento de favelas nas áreas próximas à Lagoa Rodrigo de Freitas. 


Praia do Pinto, Largo da Memória e Ilha das Dragas foram favelas expressivas no Leblon, ou na sua fronteira com Ipanema, mas já não existem. No lugar da primeira, foi erguido o condomínio Selva de Pedra. O Largo da Memória é agora um terreno militar à espera de um empreendimento imobiliário. E a Favela das Dragas, que existiu diante do Clube Caiçaras, não deixou vestígios. 


Essa concentração de favelas na parcela Norte do Leblon talvez se explique pela dinâmica da ocupação do bairro e por sua geografia, agora muito modificada. De fato, a ocupação dessa área da Zona Sul se deu por dois vetores. Um, que vinha de Botafogo, passando por Copacabana, via Túnel Velho, chegando à restinga dividida ao meio pelas águas que extravasavam da Lagoa Rodrigo de Freitas. Nessa área surgiram os loteamentos que conformaram os dois bairros. O de Ipanema, com quadras mais alongadas no sentido da praia, e o do Leblon, com quadras mais longas no sentido mar-lagoa.


O outro vetor de ocupação saía de Botafogo em direção ao Jardim Botânico. Mas, logo encontrava obstáculos, como o próprio Jardim Botânico, e a lagoa, que alcançava aquele parque e a atual Praça Santos Dumont. Assim, a área nos "fundos" do Leblon era alagadiça e de difícil acesso. Quem, senão os mais pobres, toparia ocupá-la? É sabido que as áreas sujeitas a alagamentos ou deslizamentos são as que restam para a ocupação das famílias mais pobres.


A favela do Largo da Memória teve uma remoção precoce, em relação às demais remoções. Ela ocorreu em 1941, sob o comando do prefeito Henrique Dodsworth, nomeado interventor no Distrito Federal durante o Estado Novo. Uma parte dos seus moradores foi transferida para o Parque Proletário n° 1, na Gávea, onde hoje se encontra o estacionamento da PUC. Esses, depois, passaram a morar no conjunto habitacional Minhocão, de Affonso Eduardo Reidy. Outra parte dos moradores foi transferida para o Parque Proletário n° 3, junto à Praia do Pinto, vindo a ter uma pior sorte.


A favela da Ilha das Dragas já era ocupada desde a década de 1950, mas foi removida em 1969. Seus moradores foram transferidos para a Cidade de Deus e para a Baixada. O terreno onde existiu a favela desapareceu, mas o Clube Caiçaras cresceu...


A favela da Praia do Pinto abrigava uma população de 15 mil pessoas no momento em que desapareceu. Os planos para sua remoção já estavam em curso, quando ocorreu um incêndio de origem suspeita, em maio de 1969. Os barracos arderam como prédios em Gaza, o que apressou a sua remoção. Tal incêndio ocorreu um dia após o DOPS ter prendido as principais lideranças do local. Os moradores foram transferidos para conjuntos habitacionais em locais distantes de onde viviam, como Cordovil e a Cidade de Deus, assim como para abrigos da Fundação Leão XIII, órgão estatal que cuidava de desabrigados. Apenas uma parte dos moradores da Praia do Pinto conseguiu permanecer no Leblon, graças à iniciativa de Dom Helder Câmara de edificar a Cruzada São Sebastião.


Todas essas remoções foram acompanhadas de aterros da Lagoa Rodrigo de Freitas e de áreas pantanosas no seu entorno, gerando terrenos que foram entregues a clubes recreativos que lá estão até hoje. Muito antes disso tudo, foi no alto Leblon que existiu, no final do século XIX, o chamado Quilombo do Leblon, uma chácara produtora de flores que abrigava escravizados fugidos. Se no presente o bairro é chic, no passado foi uma área bastante popular. Mas quem quer lembrar?


Artigo publicado em 02 de novembro de 2023 no Diário do Rio.