terça-feira, 18 de abril de 2023

Reviver o Centro 2 ?

Torre Cândido Mendes
Todos, ou quase todos, desejamos a recuperação do Centro, a sua revitalização, a volta da sua atratividade e potência como ponto focal das energias da metrópole. Na década de 1990 isso avançou com a recuperação dos espaços públicos e um maior ordenamento urbano. Mas, após o esvaziamento trazido pela pandemia e o crescimento do trabalho remoto, tais medidas não são mais suficientes. 

O Centro padece de equívocos advindos da concepção, muito cara a urbanistas de um passado recente, de que a separação de funções no espaço urbano, entre elas morar e trabalhar, era algo positivo. Assim, ele que já tinha perdido habitantes durante as reformas do período Pereira Passos, passou décadas sem poder receber novos moradores, em função de uma legislação que seguia aquela concepção. Foi preciso que a jornalista americana de urbanismo, Jane Jacobs, mostrasse que estas eram ideias erradas, que levavam à morte das cidades. Só aí se buscou corrigir essa distorção. Bem sabemos o quanto o nosso Centro é morto e perigoso durante a noite. 

O estrago estava feito, mas o Centro ainda tinha vitalidade durante o dia. Após a pandemia, até esse resquício de vitalidade anda fraco. A solução lógica é atrair moradores para lá, o que vem se tentando há quatro décadas. E por que não vem dando certo? Por várias razões. Primeiramente porque é difícil mudar a percepção de que o Centro não seria um bom lugar para se morar. Nada mais equivocado, já que o Centro é um lugar bem servido de infraestrutura de saneamento e de transportes, bem como com excelentes opções de equipamentos culturais. Há problemas de segurança, mas são resolvíveis. 

Outra razão seria a baixa rentabilidade da transformação de uso de imóveis comerciais em residenciais, via retrofit. É uma operação mais cara do que a construção de novos imóveis, mas é a que seria predominantemente possível no Centro. Uma razão adicional seria o alto custo da terra urbana, já que há poucos terrenos disponíveis, os quais permanecem em estoque por décadas a fio. E também a fragmentação da propriedade dos edifícios passíveis de serem renovados. Por fim, é importante lembrar do desinteresse do mercado imobiliário, que dispõe de muitíssimas oportunidades de investimentos mais rentáveis na Barra da Tijuca, no Recreio e mesmo na Zona Sul, por exemplo. 

Para problemas complexos, há sempre um conjunto de soluções e a Prefeitura optou por adotar aquelas mais palatáveis do ponto de vista do mercado imobiliário: o caminho dos incentivos. A Prefeitura poderia regular a oferta de licenciamentos para novas construções de acordo com os interesses da cidade e com o disposto no Plano Diretor, que indica áreas da cidade a serem mais incentivadas e outras menos. Mas, a Prefeitura, agora se sabe, atendeu sugestões do mercado imobiliário e criou um plano de incentivos à ocupação residencial no Centro, o Reviver Centro. 

Usando de forma criativa, para não dizer à beira da ilegalidade, os instrumentos de política urbana, a Prefeitura concedeu direitos construtivos, que alteram gabaritos vigentes, em bairros fora do Centro a quem investisse nesse último. Outros instrumentos, como isenções fiscais e redução de exigências de áreas e equipamentos nas edificações também foram usados. Isso tudo, sem que os demais setores da sociedade, além do mercado imobiliário, fossem ouvidos. 

No entanto, o Reviver Centro ainda não produziu os efeitos que pretendia. Até o momento foram concedidas 23 licenças de construção, mas apenas três novas construções foram realizadas, perfazendo 606 novas unidades. O padrão das unidades projetadas é do tipo estúdio, com área em torno de 30 m². Definitivamente não são voltados para a atração de famílias, estando mais vocacionados à locação por temporada, ou simplesmente como investimentos, o que pode aprofundar o esvaziamento do Centro. 

Como o programa, com todos os incentivos já criados, não avançou no ritmo desejado, a Prefeitura encaminhou à Câmara de Vereadores uma nova proposta: o Projeto de Lei Complementar 109/2023, o Reviver 2. Os incentivos ao mercado imobiliário agora seriam turbinados, com possibilidade de transferência de 100% da área construída no Centro como potencial construtivo para os bairros, situados nas Zonas Sul e Norte, além de Barra e Recreio. Caso a nova construção no Centro tenha uma porcentagem de unidades para locação social, essa transferência de potencial construtivo passa para 120% da área ali construída. Além dessa proposta desfigurar os planos locais, ela constituiria um mercado paralelo de potenciais construtivos, já que a propriedade dos mesmos pode ser passada adiante. Em breve teremos a bolsa de potenciais construtivos, uma peculiaridade carioca.

Não satisfeita, a Prefeitura pretende lançar mão no Centro de uma medida extrema, já proposta para os terrenos nas bordas da Avenida Brasil: a liberação de qualquer limitação de altura dos edifícios, o gabarito. Assim, a faixa de ruas situadas entre a avenida Rio Branco e a Praça XV, além de um trecho próximo à avenida Beira Mar, poderia receber prédios em que o céu seria o limite. Essas áreas essas se encontram junto à Apac do Corredor Cultural e a diversos bens tombados.

Não é correto simplesmente demonizar prédios altos, eles podem ter o seu lugar. Mas é fundamental haver um estudo da volumetria resultante, de como afetam a paisagem. Como mau exemplo, basta ver a fricção indesejada entre a torre Cândido Mendes e as edificações do Convento do Carmo e do Paço Imperial. A paisagem do Rio é o nosso maior bem físico e não pode ser destruída por decisões apressadas. A área onde se pretende liberar os gabaritos para melhor atender ao mercado imobiliário é pródiga em belos prédios art déco e em prédios modernistas, além de contar com algumas igrejas barrocas. O antigo Escritório Técnico do Corredor Cultural tinha planos de propor proteções para esses imóveis. Com a liberação indiscriminada de gabaritos, os mesmos e suas ambiências estariam ameaçados. Também não devem ser esquecidos os efeitos de novas edificações de grandes alturas sobre a infraestrutura existente. Quem anda pelo Centro sabe que volta e meia o sistema de esgoto mostra a sua fragilidade, expelindo suas entranhas para as ruas. E que a drenagem é também bastante falha. 

Outro aspecto que não parece estar sendo considerado pela Prefeitura é o potencial de transformação de uso comercial para residencial, ou de construção de novas edificações, pelo projeto Minha Casa Minha Vida. Em sua primeira versão o projeto provocou a construção de vários conjuntos habitacionais distantes das áreas urbanas das cidades, um imenso equívoco. Mas na versão atual há propostas de correção desses erros e as áreas centrais esvaziadas são candidatas a receber os novos projetos. Acreditar e investir nessa possibilidade pode ser mais produtivo do que o turbinado projeto de incentivos ao mercado imobiliário proposto no Reviver 2.

Apesar dos problemas já apontados, o projeto Reviver Centro, em sua versão original, continha diversas intenções louváveis, que ainda não foram implementadas. Entre elas, podemos citar a criação de um estoque de unidades habitacionais para locação social, o incentivo à mistura social e à sustentabilidade ambiental das edificações, o incentivo ao uso do topo das edificações por atividades de uso coletivo, a qualificação dos espaços públicos, a implementação de um Distrito do Conhecimento no Centro, e o patrulhamento 24 horas pela Guarda Municipal. Além disso, a Prefeitura lançaria mão de instrumentos de edificação e utilização compulsórias, visando combater a ociosidade de terrenos e edificações, e da arrecadação de imóveis inscritos na dívida ativa ou em estado de abandono. Essas seriam formas de aumentar a disponibilidade de imóveis para o projeto. 

Nada disso foi feito e não foram criados meios de acompanhamento do projeto e aferição do cumprimento de metas. A Prefeitura, mesmo não tendo avançado muito na sua primeira versão, aposta agora no Reviver 2. Já a Câmara de Vereadores, que aprovou a primeira versão do projeto, não averiguou a sua efetividade, mas pode vir a aprovar essas importantes modificações. E haja benefícios e incentivos a recalcitrantes empresas do mercado imobiliário... 

Artigo publicado no Diário do Rio em 13 de abril de 2023.

quinta-feira, 13 de abril de 2023

Era melhor tratado o metrô do Rio

Escada de acesso à estação Glória do Metro do Rio
A construção das primeiras estações da Linha 1 foi com escavação a céu aberto. Não havia tatuzão na década de 70, pelo menos no Brasil. A cidade sofreu um bocado com gigantescas valas rasgadas da Praça Onze à Glória. Depois vieram as estações que ligaram a Tijuca a Botafogo. Durante as obras, muitas lojas foram à falência, com anos de poeira na porta, os pedestres passando apertados em currais de madeira nas calçadas. Mas a promessa era ter um serviço de primeiro mundo. 

E ele veio. Não importava que não fosse muito longe. Era o lugar mais limpo da cidade. A todo momento uma funcionária passava o esfregão no chão preto de plurigoma, aquele piso emborrachado com bolinhas, que brilhava de tão limpo. Contagiados, ou intimidados com tanta limpeza e cuidados, os cariocas, sempre anárquicos, eram outros ao entrar no metrô. Nem uma guimba de cigarro era jogada no chão, nem um papel de bala. E havia proibições, como não viajar sem camisa.

As primeiras estações foram projetadas pelos arquitetos Sabino Barroso, Jaime Zettel e José Leal, que haviam sido colaboradores de Oscar Niemeyer. Os materiais eram os mais nobres possíveis: parapeitos e paredes de mármores, painéis de paredes revestidos de vidrotil, uma espécie de pastilha de vidro, de cores variadas, degraus de granito preto. Nada do brutalismo do concreto aparente que caracterizava o metrô de São Paulo. Talvez o metrô do Rio tenha sido o último suspiro da nobreza perdida com a transferência da capital para Brasília. 

Depois vieram novas estações, cada uma com uma cara, de acordo com o governo do momento. Escavadas na pedra, em concreto aparente, com pinturas murais de artistas pouco conhecidos, ou painéis de azulejos homenageando a mãe de Jesus, numa total falta de projeto unificador. Com uma jogada de mestre da destruição do planejamento, o ex-governador Cabral criou algo monstruoso, jogando a Linha 2 dentro da Linha 1 e desprezando a projetada ligação do Estácio com a Praça XV. Uma plataforma fantasma, abaixo da plataforma em uso na Estação Carioca e destinada a essa ligação, permanece inutilizada, atestando o desperdício de recursos públicos. 

Em 1997, o metrô foi concedido ao consórcio Opportrans, concessão depois assumida pela empresa MetrôRio. Aparentemente, um dos maiores propósitos era auferir lucros, sem muita preocupação com a qualidade do serviço. Vieram os envelopamentos dos vagões com propagandas, que dificultam a visibilidade de dentro para fora, e as adesivações de pilares, degraus e de todos os espaços disponíveis. E vieram quiosques em profusão, agora até com pregão de pão de queijo na estação Largo do Machado. As antigas estações, elegantes e bem projetadas, foram transformadas em verdadeiros mafuás. 

A nova concessionária, em sua grande sabedoria arquitetônica, julgou que a arquitetura dos colaboradores de Niemeyer não era boa o suficiente. E saiu fazendo as intervenções mais estapafúrdias. Paredes de vidrotil? Tinta branca nelas e painéis que as escondam com faixas de acrílico supercoloridas. Programação visual sóbria? Vieram decalques infantilizantes de sandálias havaianas e sorvetes. Agora, as escadas da estação Glória ganharam uma tinta vermelho-bombeiro. Nesse caso, para fazer a propaganda da ESPM. Uma escola que ensina design sendo agente e cúmplice do desrespeito a um projeto arquitetônico, que tem autoria.

O metrô do Rio virou um lugar confuso, barulhento, sujo e com ar de improvisação provinciana. Os percursos nas estações são dificultados pela imensa quantidade de estandes de venda. A manutenção das estações deixa a desejar, assim como sua limpeza. E o bilhete do metrô não está integrado a outros meios de transporte sem adição de valor. O carioca, ao dar uma volta por São Paulo, não apenas encontra um sistema de metrô infinitamente mais amplo, mas também mais organizado. Até o hábito dos passageiros paulistas de esperar o fim do desembarque dos demais passageiros, para iniciar o próprio embarque, é invejável. 

Durante a campanha, o atual governador prometeu expandir o metrô e terminar a estação Gávea, atualmente propositalmente inundada para não colapsar. No entanto, depois de eleito, não voltou a falar no assunto. Seria muito bom que o metrô fosse expandido. Apesar de ser um equipamento estadual, nunca ultrapassou as fronteiras do Município do Rio de Janeiro, nunca adentrou a Baixada, por exemplo. Mas, além de ampliar o sistema, seria também importante ouvir os usuários e respeitar a boa arquitetura das primeiras estações. E que as próximas estações tenham projetos de boa qualidade. 

Artigo publicado no Diário do Rio em 06 de abril de 2023.