quinta-feira, 25 de julho de 2024

Hora de começar a pensar no voto

Estamos em fins de julho, quase agosto. Já, já começam as campanhas para prefeitos e vereadores. Um começo oficial porque, na prática, os pré-candidatos estão todos aí, se movimentando nas ruas e na Internet. Apoios para a hora do corpo a corpo vão sendo conquistados, doações vão sendo amealhadas e alianças vão sendo costuradas. Alianças essas que, às vezes, deixam o eleitor perplexo. É a política senhores!

Normalmente prestamos mais atenção aos candidatos a cargos majoritários, que nesta eleição são os de prefeitos. Esquecemos de olhar os que vão propor e votar as leis, além de aprovar ou desaprovar as propostas dos prefeitos. Muitas vezes, a vereança é a porta de entrada na política. Despercebidos, ali surgem futuros governadores, senadores, e até presidentes. 

Pouco conhecidos no início da carreira, podem crescer como líderes regionais ou nacionais, podem tornar-se déspotas corruptos, ou podem acomodar-se no pequeno espaço de poder que conquistaram, manobrando os votos de seus currais eleitorais. Os desvios de caráter e de conduta são propiciados pela pouca atenção a eles dispensada, tanto pelos eleitores, quanto pela mídia, mais ocupada com assuntos de Brasília. 

No entanto, são tantos os problemas de nossas cidades! Grande desigualdade de renda, de condições de moradia e de ocupação dos espaços urbanos são alguns dos problemas que nos infelicitam e, infelizmente, nos caracterizam como nação. Até hoje não foram tratados seriamente, muitas vezes servindo como pretexto para mais enganação. A bica d'água prometida na comunidade se sofisticou e pode estar travestida de um conjunto habitacional nas lonjuras de alguma área sem qualquer infraestrutura ou no posto de saúde novinho, mas sem médicos. 

Alguns prefeitos aprenderam a torcer o Estatuto das Cidades a seu bel prazer. Tornam instrumentos de política urbana pensados para o bem coletivo em artifícios para beneficiar grupos de eleitores ou os de sempre, os especuladores imobiliários. No Rio de Janeiro isto virou o arroz com feijão da administração municipal. Como poucos se dão ao trabalho de esmiuçar o que se passa e os vereadores se sentem livres para aderir à lambança, perdem as cidades, sua paisagem e seu Patrimônio. 

Poucos se dão conta da fonte de riquezas contida na especulação com a terra urbana e com a manipulação das legislações de uso do solo urbano. Fortunas se formam. O cidadão percebe efeitos colaterais, como a perda da vista de sua janela, uma verticalização excessiva, a destruição da memória das cidades, a piora no trânsito e a incapacidade de resposta da pouca infraestrutura de saneamento já instalada. Mas ele não se dá conta de que o vereador que ele ajudou a eleger pode estar vinculado a isso.

Além de todos os problemas antigos, temos agora um novo: a ameaçadora crise climática. Ela está aí, é uma cruel realidade para gaúchos, petropolitanos, cariocas e muitos outros. Mas ela não é tema de campanha da maioria esmagadora dos políticos. É senso comum que agir na prevenção é mais barato e salva vidas. Mas, o eleitor se lembrará de perguntar ao seu candidato se ele está atento a esse problema?

Certamente, em cada cidade há pessoas morando em áreas vulneráveis a grandes enchentes, a deslizamentos de terras e ao avanço do mar. Quase toda cidade está padecendo de crise hídrica, pela falta de chuvas. As ondas de calor intenso, agora mais frequentes, são potencializadas por ilhas de calor nas cidades. 

Há muito o que fazer com relação ao meio ambiente e com a urgência da crise climática. O prefeito continua liberando construções em encostas ou em beiras de rios? Ele continua a pavimentar tudo sem lugar para as águas pluviais se infiltrarem no solo? A legislação que os vereadores votam na sua cidade prevê uma área livre nos terrenos para o verde e a drenagem da água da chuva? O prefeito planta árvores ou, ao contrário, manda cortá-las? 

Seguir a maioria sem saber o porquê ou decidir de qualquer jeito não é a melhor opção. Daqui até outubro dá tempo de pesquisar bem e fazer uma boa escolha de candidato a vereador ou vereadora e de prefeito ou prefeita. Quem sabe dê tempo de se empolgar e até ajudar a distribuir uns santinhos?

Artigo publicado em 25 de julho de 2024 no Diário do Rio


Cidades da Chapada

Casa de Câmara e Cadeia de Rio de Contas - foto Roberto Anderson

A Chapada Diamantina é bem conhecida e procurada pelos turistas por suas belezas naturais. Lindas cachoeiras, uma topografia que apresenta cortes dramáticos nos altos platôs, morros de formas impactantes, além de vales circundados por encostas verdes, em que as rochas afloram em camadas, atraem muitos visitantes. 

Mas a Chapada é também pontilhada de cidades graciosas do período do ouro e do diamante, este último já no século XIX. Rio de Contas, Lençóis, Igatu, Mucugê, todas tombadas pelo Iphan, são algumas dessas cidades que valem muito a pena a visita. Há também o Capão, mais informal, hippie e acolhedor, com jeito de Mauá, uma boa referência para cariocas e paulistas.

Rio de Contas está junto ao rio Brumado, onde em 1710 se descobriu ouro. É uma cidade planejada, criada por provisão real de 1745, que recomendava um traçado regular e boa arquitetura. Mas sendo portuguesa, essa regularidade é relativa, com variação do tamanho das quadras, praças trapezoidais e a sabedoria da adaptação à topografia do terreno. 

A sua imponente Casa de Câmara e Cadeia se destaca isolada em uma pequena praça, sem estar alinhada com a mesma, nem com a praça maior à sua frente, e nem mesmo com a igreja matriz mais adiante, o que a torna ainda mais interessante. As longas ruas da cidade são ladeadas por casas e sobrados de cores vivas formando grupamentos muito bonitos. 

Casas de antigas famílias abastadas da região, algumas transformadas em hotéis ou repartições do serviço público, embelezam ainda mais o conjunto arquitetônico da cidade. Além disso, há a bela igreja matriz do Santíssimo Sacramento e a inacabada igreja de Santana, com sua alvenaria de pedra e cal exposta, que brilha iluminada à noite. 

Lençóis foi o maior produtor de diamantes do mundo na segunda metade do século XIX. Seu povoamento teve início a partir de 1845 com a descoberta dessa riqueza. A cidade logo se enriqueceu e, além dos garimpeiros, atraiu gente de várias partes. A ostentação proporcionada pelos diamantes e o coronelismo, inclusive com a perseguição à Coluna Prestes, são parte da história local. 

Hoje Lençóis é a principal cidade da Chapada Diamantina com muitos hotéis e restaurantes que, no centro histórico, ocupam as ruas, calçadas em pedras, com mesas e cadeiras, tornando o lugar bem animado. Sua arquitetura é rica e variada, com diversos sobrados neoclássicos e ecléticos onde, curiosamente, há uma frequência de portais e janelas ogivais. E, naturalmente, as de arco pleno, aquelas com um semicírculo, as de arco abatido, um meio caminho entre o semicírculo e a linha reta, e as de vergas retas. Apesar de ser uma cidade já do século XIX, há também casas com aquelas feições coloniais, com beirais e a simplicidade que tanto encanta.

Igatu é uma pequena cidade encarapitada no alto de uma serra, à qual se chega por uma estrada de aproximadamente 6 km, de pedras irregulares, como certas ruas de cidades coloniais. Embora ela tenha sido pavimentada na década de 1950, às vezes tem-se a impressão de estar numa estrada do império romano. A cidade tem uma tradição de construção de casas e muros em pedra, o que a torna singular. 

Em Igatu a mineração de diamantes não só aconteceu em rios, como em uma grande caverna escavada na rocha, chamada de gruna. No auge dessa atividade, a cidade chegou a ter cerca de 9 mil habitantes e uma rica vida urbana. Exaurido o garimpo, veio a decadência, que provocou um grande êxodo populacional, deixando para traz casas, agora curiosas ruínas em pedra. Mais recentemente, a cidade recebeu novos moradores que abriram lojas de artesanato e restaurantes, em boa convivência com o comércio e a população local, de poucas centenas de habitantes. 

Mucugê é também do período da exploração dos diamantes, com história semelhante à de Lençóis, tendo se desmembrado do município de Rio de Contas. Na primeira metade do século XX, após a decadência da mineração, a cidade vivenciou a colheita intensiva da espécie local de sempre-viva, flor então usada em decoração. Mas essa atividade, feita de forma predatória, levou à extinção da mesma. Atualmente ela só existe por cultivo in vitro. 

Apesar de sua bela arquitetura, Mucugê é bem mais pacata que Lençóis. A agitação local se dá nas festas juninas e na festa literária local. Uma das atrações da cidade é o cemitério Santa Isabel, conhecido como cemitério bizantino. Uma obra do século XIX, suas tumbas são caiadas e têm curiosos ornatos, semelhantes aos de portadas e cúpulas de igrejas. O contraste do branco das sepulturas com a vegetação e as pedras da serra logo atrás tornam o conjunto ainda mais impactante. 

Um traço comum a essas cidades é a constante presença de formações musicais, com bandas centenárias e um bom trabalho de ensino de música. Rio de Contas tem um Clube Musical. Lençóis tem uma banda de instrumentos de sopro, a Sociedade Phylarmonica Lira Popular de Lençóis. E Mucugê tem duas formações musicais, uma delas, a Sociedade Musical Filarmônica 23 de dezembro, com 124 anos. Como elas têm sedes nos centros históricos dessas cidades, é possível ouvir da rua os seus deliciosos ensaios. 

A Chapada Diamantina é um lugar de muita história e cultura. Aliar percursos com o olhar atento às suas cidades aos seus parques naturais é a medida perfeita. 

Artigo publicado em 18 de julho de 2024 no Diário do Rio.

Cidadão serrano

 

Caboclos no Serro - foto Roberto Anderson

Não sou do Serro, em Minas Gerais, mas é quase como se fosse. Mãe, tios e tias, avós, bisavós, e até onde a genealogia oral alcança, todos são de lá. As histórias da família estão enraizadas nessa cidade, pontuadas de casos divertidos, personagens de apelidos improváveis, transgressões às normas de uma sociedade patriarcal e, claro, adesão às tradições e ao catolicismo, que a tudo permeia.

Em visitas esporádicas a essa cidade fui buscando raízes e reconhecendo os cenários das aventuras dos familiares. No Serro aprendi a subir em árvores. Tão grandes para mim, que tive a primeira sensação de desafio ao perigo. Lá me espantei com procissões em que mulheres carregavam pedras na cabeça em penitência. No Serro, cidade de casarões coloniais, dos áureos tempos da exploração do ouro, vi pela televisão o homem pisar na lua.

No Serro assisti à novela O Sheik de Agadir num dos poucos locais onde havia televisão. O morador franqueava a casa a boa parte dos moradores da cidade, que se espremiam nas poltronas e no chão da sala, onde reinava a TV.

No Serro conheci o "footing" da praça em que os rapazes andavam numa direção e as meninas em outra. Além dessa separação, havia uma mais difícil de entender para quem havia acabado de chegar: a classe média branca desfilava no lado de fora da praça e os trabalhadores negros circulavam por dentro, sem se misturar. Mais tarde o prefeito colocou uma TV na praça e o "footing" se congelou num aglomerado de cabeças voltadas para o aparelho. 

Na minha primeira festa de Nossa Senhora do Rosário no Serro, me misturei aos alegres caboclos, coisa que os locais, mais respeitosos, até hoje não fazem. Coisas de forasteiro deslumbrado com aquela espécie de carnaval religioso. Também pudera, os caboclos são o grupo mais vistoso da festa.

Em sua maioria negros, eles vestem camisas vermelhas e, no peito, um emblema da homenageada. Lenços na cintura, brincos, fitas coloridas pendendo da cabeça, grandes cocares e saiotes de penas também coloridas, batom vermelho na boca e desenhos a batom no rosto complementam a caracterização, além de colares, pulseiras, tornozeleiras de penas e tudo o mais que, na sua imaginação, represente os indígenas. 

Anteriormente eles usavam camisas de times de futebol, as mais coloridas, uma improvisação por falta de recursos, que foram substituídas pelas tais camisas vermelhas. Mas a animação segue a mesma e o grupo está mais numeroso. Eles dançam aos saltos, ao som de tambores e acordeom, marcando o ritmo com as flexadas dadas no arco de madeira que carregam, o que os torna inconfundíveis. 

São três os grupos que percorrem a cidade na festa do Rosário, subindo e descendo suas ladeiras, para visitar o casal real da festa, bem como os chamados juízes. Além dos caboclos, há os marujos, vestidos de marinheiros e comandados por almirantes que terçam suas espadas em lutas simuladas. Sua música é mais branca, com acompanhamento de violões, banjos, flautas, pandeiros, tambores e chocalhos.

E há os catopês, vestidos com cocares e mantos de xita com desenhos de flores. Sua música é mais ritimada, com tambores e reco-recos. Se nos dois outros grupos os negros da cidade representam outras etnias, nos catopês, apesar dos cocares de penas, eles parecem representar a si mesmos.

Depois de mais tempo do que desejaria, mais uma vez volto ao Serro. E como é bom voltar, especialmente na festa mais bonita da cidade, feita justamente pelos mais humildes. O Serro não é a mais vistosa nem a mais rica das cidades coloniais do Brasil. Mas é linda testemunha dos primórdios da corrida do ouro. Preciosa joia de família, que está nas fundações do meu ser.

Artigo publicado em 11 de julho de 2024 no Diário do Rio

 

A Conferência das Cidades do Rio


Aconteceu, no último fim de semana, a etapa da Cidade do Rio de Janeiro da Conferência das Cidades de 2024. Ela se deu na Área Portuária, mais precisamente na edificação que recebeu a nova graduação do IMPA. A etapa carioca é parte de um processo de conferências temáticas em escalas ascendentes, ou seja, do município à federação, adotado desde o primeiro governo Lula. Elas visam colher contribuições, com a participação popular, para os planos nacionais das diversas áreas, como cultura, saúde e meio ambiente. A Conferência das Cidades deve gerar contribuições para o Plano Nacional de Desenvolvimento Urbano - PNDU.

A Prefeitura do Rio foi responsável pela organização da Conferência e os seus técnicos envolvidos foram incansáveis neste trabalho. No entanto, apesar do interesse que esse tipo de discussão costuma gerar no meio acadêmico, houve uma participação relativamente pouco expressiva das universidades públicas. Entre as universidades privadas, somente a PUC-Rio teve uma delegação de peso. Já entre os movimentos sociais, houve uma grande participação dos movimentos pela moradia, mas menor presença de representantes de outras áreas do movimento popular, como o de favelas e de associações de moradores, por exemplo. Também foi gritante a quase ausência de mandatários do poder municipal, de vereadores e de políticos em geral. 

As discussões se deram por temas, como habitação, gestão democrática das cidades, mobilidade, saneamento, sustentabilidade, clima, segurança e gestão metropolitana. Para cada um desses temas foram convidados especialistas que levantaram questões pertinentes aos mesmos. Depois os participantes formularam propostas, que foram levadas à plenária final. 

Já no início da Conferência, a plenária tomou a delicada decisão de não eleger os membros não governamentais do Conselho Municipal de Política Urbana (Compur), conforme previa o novo Plano Diretor. Esse é um órgão criado pela Lei nº 3.957/2005, com função consultiva, em que, além da Prefeitura, participam entidades profissionais afins ao planejamento urbano, entidades empresariais e entidades comunitárias. Não é perfeito como instrumento de participação no planejamento da cidade, e muitas vezes foi ignorado, mas é um órgão conhecido e consagrado, com 20 anos de existência. As entidades profissionais e as associações de moradores sempre puderam questionar legislações e intervenções urbanas da Prefeitura que não passassem pelo Compur. Sem ele, a participação da sociedade se enfraquece nas discussões sobre a cidade.

Em substituição ao Compur, a maioria dos delegados da Conferência optou pela indicação à Prefeitura de seu desejo por um Conselho da Cidade, nos moldes do que existe no governo federal, ainda inexistente no Município. Não tendo ocorrido a indicação de componentes da sociedade civil para o Compur, cuja existência é prevista em lei, talvez tenha se criado um problema que a Prefeitura precisará decidir como sanar. O pior seria ficar sem nenhum órgão de participação nas políticas públicas municipais para a cidade. 

A etapa carioca da Conferência das Cidades mostrou ser um momento interessante para o encontro de lideranças populares e de parte dos diversos atores que pensam e atuam sobre políticas urbanas. Mas, seja pela forma como foi organizado, seja pela dificuldade de se obter objetividade nas discussões, a Conferência resultou em boas propostas, mas sem possibilidade de maior aprofundamento e discussão das mesmas. A plenária final da Conferência, seguindo essa limitação, optou por apenas referendar aquilo que veio dos grupos temáticos. 

A seguir, algumas das propostas aprovadas.

Saneamento que considere critérios técnicos, os riscos da mudança climática e a sustentabilidade ambiental. Drenagem que utilize soluções baseadas na natureza, aplicando-se o conceito de cidade esponja, e a renaturalização e a despoluição de rios urbanos, mantendo suas margens livres e vegetadas. 

Tarifa zero ou a redução significativa dos valores do transporte público, com a utilização de recursos dos fundos de mobilidade, além do estudo de outras fontes para o financiamento do Fundo Mobilidade Urbana Sustentável. Priorização do transporte sobre trilhos e novas ligações aquaviárias. E a garantia de que haja transporte público em diversas horas do dia, incluindo o período noturno, com intervalos regulares e razoáveis entre as composições, com abrigos cobertos nas paradas, que tragam informações via GPS da aproximação dos ônibus e de seus destinos.

 

Retomada de uma política de habitação social, com a elaboração do Plano Municipal de Habitação de Interesse Social, a ampliação dos recursos do Fundo Municipal Habitação de Interesse Social, e a garantia de, no mínimo, 1% dos recursos orçamentários do Município para essa política. Destinação prioritária de imóveis públicos para a provisão de moradias de interesse social. Construção de habitações sociais na cidade em locais providos de infraestrutura e serviços urbanos. Promoção de políticas de adensamento de áreas centrais e próximas aos centros urbanos, com desestímulo ao crescimento urbano espraiado, que ocupa áreas verdes e agricultáveis. 

Criação de um Programa de Locação Social e de um Programa de Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social, regulamentado por lei municipal. Inclusão do Condomínios MCMV Faixa 1 no orçamento da Prefeitura, com a criação de uma Superintendência dos Condomínios MCMV. Regulamentação do “Programa de Autogestão” previsto no Plano Diretor.

 

Retorno do licenciamento ambiental para o âmbito da Secretaria de Meio Ambiente. Implantação do Plano de Arborização Urbana (PDAU) com a adoção de programas de arborização urbana intensivos, especialmente nas zonas Norte e Oeste, com a definição de metas e de recursos para sua implantação. 

 

Gestão das calçadas das vias públicas pelo setor público, com o uso de recursos públicos, inclusive do IPVA, na sua manutenção, garantindo a acessibilidade universal. Concepção de planos de pedestrianização das cidades, com a busca ativa de áreas onde o espaço destinado aos pedestres seja ampliado com redução dos espaços dos automóveis. 

 

Criação de um órgão municipal que seja encarregado da inovação e da inclusão digital, e que fomente laboratórios e geração local de dados. E ampliação da rede de Ginásios Experimentais Tecnológicos.

 

Enfim, são muitas as propostas, e sua adoção certamente impactaria positivamente tanto o Estado, como o Município. Mas, o prefeito e o governador escutarão? 


Artigo publicado em 04 de julho de 2024 no Diário do Rio.


sexta-feira, 28 de junho de 2024

Onde está o guarda?


O Rio já teve guardas de trânsito. E alguns eram memoráveis. Eles tinham postos fixos, em cruzamentos de tráfego mais intenso de veículos, ou em portas de escolas. Assim, se tornavam conhecidos da vizinhança, que muitas vezes sabia seus nomes. Eles davam bom dia aos passantes, ajudavam os mais velhos a atravessar as ruas e paravam o trânsito para as crianças chegarem às portas das escolas.  

Alguns desses guardas foram temas de matérias de jornais e TVs, fosse pela gentileza que demonstravam com as crianças e os idosos, fosse pela coreografia que executavam, usando braços, torções de corpo e expressões faciais para dar passagem aos veículos que cruzavam em diversas direções. O apito que sempre traziam à boca marcava a sonoridade da cidade. 

Eles também sabiam ser temidos, especialmente quando sacavam suas cadernetas para anotar a placa de um veículo infrator. Ao ver o guarda se aproximar pelo retrovisor, motoristas parados em locais proibidos logo ligavam seus carros tentando sair dali. 

 

Alguns guardas eram acessíveis e, no caso de uma anotação, até valia à pena sair do carro e ir a pé até eles, uma demonstração de humildade, para explicar que o sinal havia fechado repentinamente, que o estacionamento em local proibido se devia a um caso de extrema necessidade, ou que a falta de documentos era em função da saída apressada para resolver um caso de doença na família. 

 

Tais argumentos, muito batidos, às vezes, surpreendentemente, eram capazes de reverter a anotação. Saber ouvir calado uma preleção fazia parte da tentativa de escapar de uma multa. O “seu” guarda era camarada e tudo terminava em juras de que a infração nunca mais ocorreria. 

 

Se os argumentos não tivessem a força necessária para anular a infração, uma ajuda financeira passada com discrição, em certos casos, também ajudava. Esses eram os venais que não aliviavam a punição, mas baixavam consideravelmente o seu valor, desde que o desembolso fosse imediato, e para eles. Essa prática, bastante generalizada, não era entendida, ou percebida, como corrupção, uma vez que esta era somente o que acontecia nos gabinetes dos políticos, e que todos, claro, condenavam.

 

De qualquer forma, no trânsito da cidade havia guardas de trânsito que buscavam reduzir a confusão a níveis suportáveis e que mantinham a rebeldia do motorista carioca em patamares aceitáveis. Hoje eles simplesmente sumiram. Os policiais que patrulham as ruas só se preocupam com crimes e seus celulares. Se não veem pequenos delitos, como a vandalização de uma cesta de lixo ou o roubo de fios, como veriam infrações de trânsito? 

 

Atualmente, câmeras controlam se o motorista invade as faixas exclusivas de ônibus, ou se passa acima da velocidade permitida em certos locais. Câmeras implacáveis que, num flash, capturam a imagem do veículo e já enviam a multa para o endereço do infrator. Mas elas só existem em locais específicos, em corredores de tráfego mais intenso. Nas demais ruas o carioca se sente livre para parar em locais proibidos ou em fila dupla, ou para subir em calçadas e invadir ciclovias. 

 

Há também o serviço terceirizado de guincho para recolhimento de veículos infratores a estacionamentos localizados nos locais mais inacessíveis da cidade, o pesadelo do motorista bandalheiro. Mas nada disso é capaz de coibir as infrações de trânsito, uma normalidade em terras cariocas. Elas prosperam como nunca, na certeza de que não surgirá no espelho retrovisor um guarda com sua temida caderneta.


Artigo publicado em 27 de junho de 2024 no Diário do Rio

sexta-feira, 21 de junho de 2024

As dunas verdes de Ipanema e Leblon

Olhando pelo prisma da conservação do meio ambiente, a recuperação de áreas de vegetação de restinga em praias urbanizadas Brasil afora já seria muitíssimo desejável. Porém, se olharmos pelo prisma da crise climática, uma realidade que já se faz presente entre nós de forma avassaladora e dramática, a restauração de dunas e desse tipo de vegetação no litoral é uma ação fundamental de defesa de nossas costas e das cidades que ali existem. A cada ressaca mais forte no Rio de Janeiro a água do mar invade as areias das praias litorâneas, se esparrama pelo asfalto, muitas vezes chegando até às garagens dos edifícios. Mas as dunas junto às calçadas de Ipanema, que há alguns anos foram refeitas e replantadas, resistem.

No entanto, elas praticamente haviam desaparecido. Por pouco tempo ainda existiram as dunas do vapor barato, uma formação artificial e temporária que durou enquanto o emissário submarino de Ipanema era construído. Elas se tornaram um marco na cultura da cidade e deixaram saudades. Depois, a praia de Ipanema permaneceu sendo um grande areal, como a de Copacabana. Sem vegetação rasteira, um ou outro coqueiro tentando sobreviver na areia quente, uma aflição.

Em 2009 teve início o projeto de recuperação de uma faixa de vegetação de restinga ao longo da calçada da praia. Seis mil metros cúbicos de areia foram remanejados para reconstituir junto às calçadas as dunas desaparecidas. Oito espécies nativas de restinga, como o feijão da praia, a perpétua e o capricho, foram utilizadas, num total de 38 mil mudas em 28 canteiros, que perfazem 10 mil m² de área plantada. O Instituto-E é o responsável pelo projeto, que já dura quinze anos com apoio financeiro da Osklen. Nesse longo período, quase um milagre em se tratando de política pública, foram despendidos R$ 2.800 milhões. Recentemente, o AirBnB e o Janeiro Hotel (antigo Marina) entraram como novos apoiadores dessa bela iniciativa, permitindo a sua continuidade e, quem sabe, a sua expansão.

Isso só foi possível graças ao sistema de adoção de áreas públicas por empresas ou pessoas físicas que, tanto a Fundação Parques e Jardins, como a Secretaria de Meio Ambiente (Smac) praticam. É um sistema muito vantajoso, em que não chega a haver uma concessão da área pública. Esta é uma questão muito em voga, especialmente com o discutível Projeto de Emenda à Lei Orgânica do Município do Rio n° 22/2023, do Vereador Pedro Duarte, do Partido Novo, que propõe que seja permitida a concessão ou cessão à iniciativa privada de parques e praças da cidade. Diferentemente da concessão, no sistema de adoção, como o das dunas de Ipanema, a cada dois anos o Instituto-E assina novo termo de adoção com a Smac, que mantém amplo controle sobre o que se faz, aprovando todas as ações a serem implementadas.

Apesar das dimensões do projeto, em termos de área de praia ocupada ele é mínimo. São faixas relativamente estreitas junto às calçadas, com as redes de vôlei colocadas no limite das áreas vegetadas, como se estivessem pressionando por sua redução. Da mesma forma, bombas de captação de água do lençol freático para resfriamento da areia das quadras de vôlei são instaladas nas suas bordas, o que não deve ajudar. No carnaval de 2011, superblocos de carnaval geraram o pisoteamento e vandalização dos canteiros pela imensa massa de foliões. O Bloco da Preta foi um dos que foi multado em função do ocorrido. Mas, chamados a tomar conhecimento do estrago causado, vários blocos participaram do processo de recuperação da vegetação.

Hoje as dunas de Ipanema e Leblon, com suas vegetações de restinga, estão plenamente consolidadas. Já se pode ver uma grande quantidade de mudas de coqueiros e outros arbustos crescendo por entre a vegetação mais rasteira. E já há registro de retorno de parte da fauna desses ecossistemas, como o besourinho-da-praia, o gafanhoto grande, a barata-do-coqueiro, o sabiá-da-praia, a coruja-buraqueira e a perereca. 

Voltando ao tema do aquecimento global, há simulações extremamente preocupantes sobre os efeitos da elevação do nível do mar no litoral carioca. Se a temperatura do planeta subir 2º C, situação que tende a ocorrer pela falta de ação dos países mais emissores de gases do efeito estufa, haverá perda de faixas de areia no Leblon, em Copacabana, no Flamengo e na Barra, além da inundação das pistas do Aeroporto Santos Dumont e nas áreas perto da Rodoviária. Mas, se o processo de aquecimento global entrar em descontrole e o aumento da temperatura global chegar a 4º C ou mais, aí vão se embora boa parte das praias, a Cidade Universitária, a Barra da Tijuca inteira, além de diversos bairros na Zona Norte e na Baixada Fluminense.

Então, é preciso pressionar os governantes para que tomem medidas contra o aquecimento global. É preciso torcer para que haja juízo suficiente que evite a catástrofe. Enquanto isso, podemos ir recuperando as dunas e as vegetações de restinga, além dos manguezais, do litoral brasileiro. Os projetos de Kongjian Yu, o arquiteto que formulou o conceito de Cidade Esponja, englobam a recriação de barreiras naturais no litoral para barrar o avanço dos mares. Exatamente como as nossas dunas recriadas e revegetadas.

Copacabana, com sua larga faixa de areia não inteiramente utilizada pelos banhistas, fruto de um engordamento artificial, bem que poderia ser a próxima praia a receber esse projeto. Lá, os coqueiros ainda sofrem nas areias quentes e desprovidas de vegetação.

Artigo publicado em 20 de junho de 2024 no Diário do Rio.

segunda-feira, 17 de junho de 2024

A aldeia

R. Cardoso Junior - foto Roberto Anderson

Minha aldeia está situada num vale. Isto não a difere de outras aldeias dessa grande cidade, que se esgueira entre montanhas, ora subindo-as, ora ocupando esses vales com tantos edifícios, que a gente se esquece da sua geografia. Na praia, um deles tem um apartamento que chega a custar R$ 38 milhões. Mas não se compara a um edifício especial na minha aldeia. Ele tem um botão 12 no elevador, que era capaz de produzir satisfeitos sorrisos gerais quando Cássia ali chegava.

Um rio corre na parte central desse meu vale. Mas não é possível vê-lo, escutar o barulho das suas águas batendo nas pedras, nem ver pássaros às suas margens. O rio desse vale foi canalizado, enterrado em tubulações. E ainda há a podridão que é jogada em suas águas. Esta é tanta que ele foi oficialmente destituído da sua condição de rio, e jogado na podridão geral da cidade, para ser carreado por tubos mar adentro, até ultrapassar as ilhas avistadas de Ipanema. 

 

Mas, quando chove forte, o rio se insurge contra as tubulações que o apertam, explode tampas de bueiros, descasca o asfalto e jorra para a superfície, lembrando que ele existe, e reclama o seu leito natural. Ele tem personalidade forte, como os habitantes desta cidade que ele os nomeia.

 

Na minha aldeia as pessoas se conhecem, ou dão a impressão de se conhecerem. Elas dão bom dia, se encontram nas rodas de samba e de chorinho, na feira e nos supermercados. Elas parecem ser um pouco mais relaxadas que as de outros locais da cidade. Talvez porque, apesar de verem passar caravanas de turistas em direção às atrações da cidade, sabem que eles não permanecerão. O povo daqui segue sendo mais ou menos o mesmo. Até os pedintes daqui, por anos a fio, são os mesmos.


Aqui ainda ecoa pelas ruas a voz grave do vassoreiro, o alto-falante do vendedor de pamonha, além do onipresente comprador de ferro-velho, que promete a tudo reciclar, embalado por um hino evangélico.

 

A minha aldeia, mesmo em tempos sombrios de exacerbação de falsos patriotismos e falsos moralismos, segue sendo o reduto mais fiel da esquerda. Um dia, daqui o pensamento progressista voltará a se expandir pelo Brasil afora, aquecendo corações e iluminando as mentes.

 

A minha aldeia tem nome de árvore frutífera, que se um dia abundou na região, hoje resiste apenas em certos canteiros de calçadas, onde abnegados plantadores de árvores cultivam algumas poucas mudas. O meu vale é até bem arborizado, mas sempre queremos mais. E ai de quem tentar arrancar uma árvore! O último comerciante forasteiro que fez isso foi obrigado a conviver com uma linda muda de ipê na sua calçada, replantada pela Prefeitura a pedido dos moradores. 

 

A minha aldeia tem história. Ela tem sobrados que estão aí desde quando suas antigas chácaras deram lugar a loteamentos. E tem palacetes das famílias ricas de outrora, de quando a cidade era o centro dos negócios e da política. Hoje tudo é passado, fantasmas que assombram o nosso presente empobrecido. Fantasmas leves, diga-se de passagem. 

 

Na minha aldeia parece não haver ricos. É uma grande classe média que frequenta os botecos, que come pratos feitos, que toma chopp e cerveja com gosto. Talvez por isso não haja bons restaurantes. Nada aqui é gourmet. Mas começa a haver uma abundância de farmácias, como se quisessem nos impor a característica genérica de outros bairros. 

 

Como só há uma via para entrar e sair do vale, o trânsito aqui está ganhando ares de Botafogo ou Jardim Botânico. Mas é possível sonhar com um futuro antidistópico em que o rio terá seu leito devolvido à luz solar e bondes circularão próximos às suas bordas. E em que os netos dos atuais moradores sigam curtindo um chorinho na praça. Então, laranjeiras florescerão.


Artigo publicado no Diário do Rio em 13 de junho de 2024.

domingo, 9 de junho de 2024

Um estádio no gasômetro

Era o ano de 2000 e o Gasômetro do Rio ainda estava em funcionamento. Mas já se sabia que, com a chegada do gás natural, suas operações seriam sustadas. A Prefeitura do Rio, então sob administração de Luiz Paulo Conde, preocupada com o futuro daquele terreno de 119 mil m², colocou-o como objeto do concurso de projetos "O Modelo Europeu de Cidades", promovido pela cidade de Santiago de Compostela (Espanha). Na época, o Instituto Pereira Passos dizia querer montar um banco de projetos para a região.  

Vinte e seis escritórios apresentaram propostas, tendo sido selecionadas três para a fase final. Entre estas, os projetos da arquiteta baiana Naia Alban e do arquiteto Washington Fajardo. Eles tinham em comum a preservação das antigas torres com tambores de armazenamento do gás, dando-lhes novas funções, como cinema, biblioteca, shopping e habitação. O projeto de Fajardo, numa visão respeitosa com o Patrimônio, ainda preservava os edifícios em tijolos aparentes lá existentes, construídos pelos ingleses no início do século XX.

 

É cada vez mais comum a reutilização de estruturas industriais, reconvertidas para outros usos. O próprio Gasômetro de Porto Alegre foi transformado em espaço cultural. Em diversos países existe a reutilização de tambores de gás e de silos de armazenamento de grãos, para fins habitacionais ou outros. E nas faculdades cariocas de arquitetura, incontáveis projetos foram desenvolvidos para o nosso gasômetro, justamente repensando novos usos para aquelas estruturas que por tanto tempo marcaram a paisagem daquele local.

 

Uma grande oportunidade se perdeu, mais uma. Atualmente as torres já não existem, demolidas não se sabe por que razão. Somente persistem os edifícios em tijolinhos, uma chaminé e uma curiosíssima torre metálica, semelhante a um castelo de água. Vizinho ao terreno, num ponto um pouco acima, se encontra o antigo Hospital Frei Antônio, conhecido como Lazareto, um belo edifício do século XVIII que domina a paisagem, e que um dia já esteve à beira do Mangal de São Diogo, um braço alagado do saco do mesmo nome que chegava até ali.

 

Com o fim das operações da companhia de gás, constatou-se que o terreno tinha seu solo muito contaminado por décadas de contato com produtos químicos. Uma empresa de descontaminação chegou a ser contratada para esse serviço e espera-se que tenha tido sucesso. Parte do terreno do Gasômetro foi desmembrado para dar lugar ao terminal do BRT, o Gentileza, originalmente previsto para as imediações da Central do Brasil.

 

Agora o prefeito se bate para ver realizado o projeto de construção de um estádio do Clube Flamengo. Dizer que o prefeito se bate pelo projeto é bem apropriado, uma vez que ele até se dispõe a desapropriar o terreno para ver o projeto ser concretizado. Muito conveniente num período eleitoral, afinal trata-se da maior torcida do país, e agradar os dirigentes daquele clube, mesmo que o projeto não seja o ideal para a cidade, deve trazer dividendos. 

 

A Caixa Econômica, atual dona do imóvel não vem aceitando a oferta feita pelo clube, muito abaixo daquilo que ela considera ser o seu real valor. A mesma Caixa que foi chamada a socorrer o prefeito na época do leilão dos Certificados de Potencial Construtivo da Área Portuária, e que se mostraram um mau negócio, pode acabar tendo contrariadas as suas pretensões de lucro com o terreno. Isso numa transação que sequer tem interesse social ou esteja ligada à habitação, tradicionais investimentos associados à Caixa. 

 

A articulação política para dobrar a Caixa Econômica é poderosa, refletindo a força do Flamengo. Além do prefeito, há autoridades em Brasília envolvidas nesse processo, entre elas Arthur Lira, presidente da Câmara de Deputados, que indicou o atual presidente da Caixa, e o deputado Ciro Nogueira, presidente do partido Progressistas.

 

A localização de um estádio junto a um terminal de transportes, que congrega BRT, VLT e ônibus, é favorável àquele equipamento. Mas é preciso se perguntar se é o melhor uso para um terreno que se valorizou tanto, justamente pelos investimentos públicos em mobilidade. O fato é que um estádio de futebol naquele local é algo a ser questionado. Talvez não seja a melhor opção para a cidade que precisa trazer moradia e serviços para a Área Portuária e São Cristóvão, duas áreas com perda de vitalidade urbana. 

 

Estádios permanecem a maior parte do tempo ociosos, como elefantes brancos, não sendo o melhor uso para um terreno urbano. Um estádio ali fatalmente destruiria os bens de interesse para preservação que restaram no local. E deverá ser um imenso obstáculo à visualização do antigo Lazareto. É importante salientar que o clube deseja comprar também um terreno vizinho, do outro lado da avenida Pedro II, para construir um estacionamento. Assim, a área subtraída a usos mais desejados, como moradia e serviços, seria bem maior. 

 

O Rio tem um dos mais conhecidos estádios do mundo, o Maracanã, infelizmente drasticamente alterado na sua morfologia para a última Copa do Mundo do Brasil. Tem também o Nilton Santos (Engenhão), inaugurado em 2007 para os Jogos Pan-Americanos daquele ano. Mais recentemente, o prefeito enviou à Câmara de Vereadores um estranhíssimo projeto de lei que transfere o potencial construtivo do estádio do Vasco da Gama (como se o estádio já não fosse uma edificação) para outros locais, viabilizando com essa venda a ampliação daquele estádio. 

 

Com essa tendência de que cada clube tenha seu estádio, o Maracanã, que seria aberto a todos os clubes, pode acabar inviabilizado. Mas se o Flamengo, que tem capacidade financeira de erguer seu próprio estádio, quer seguir com esse projeto, que não seja ocupando um terreno com potencial de trazer mais benefícios à cidade. E nem usando o seu poder de fogo para fazer o interesse político ignorar análises técnicas. Em tempo, nos campos e nas quadras, o articulista torce pelo Flamengo.


Artigo publicado em 06 de junho de 2024 no Diário do Rio.


segunda-feira, 3 de junho de 2024

Precisa privatizar?

Projeto proposto para o Jardim de Alah pelo grupo concessionário

O Projeto de Emenda à Lei Orgânica do Município do Rio n° 22/2023, do Vereador Pedro Duarte, do Partido Novo, muito coerentemente com as diretrizes privatistas daquele partido, propõe que seja permitida a concessão ou cessão à iniciativa privada de parques e praças da cidade. Assim, seria levantado um obstáculo legal que veio à baila quando ocorreu a concessão do Jardim de Alah. É bom reparar que o texto do projeto de lei se refere também à cessão, ou seja, a entrega da propriedade, mesmo que por tempo limitado. Há toda uma corrente de pensamento (ou será de interesses?) favorável à concessão de bens públicos à iniciativa privada, como se o poder público fosse incapaz de geri-los. Agora se chegou ao paroxismo de tentar permitir a privatização de todo o litoral do país!  

Em vários estados avançam propostas de entregar a gestão de escolas públicas à iniciativa privada. No Paraná, a proposta é que escolas privadas gerenciem escolas públicas. O evidente conflito de interesses, e o risco de se afundar ainda mais o ensino público para acabar com a concorrência, sequer é lembrado. Em São Paulo, 33 novas escolas serão gerenciadas por 25 anos por parcerias público-privadas. Em Minas Gerais, não só a administração, como a parte pedagógica de três escolas públicas foi entregue a uma entidade privada sem fins lucrativos. 

Nos Estados Unidos, nessa área de educação, dois modelos de privatização se destacam. Um é a concessão de bolsas (vouchers) para que alunos possam pagar as mensalidades das escolas privadas, algo semelhante ao Prouni. No outro, chamado de escolas charters, o poder público financia escolas privadas. No entanto, o relatório Escolas Charters e Vouchers, produzido em parceria pelas organizações Dados para um Debate Democrático na Educação (D3e) e Todos pela Educação, concluiu que, apesar de alguns ganhos individuais, o impacto do modelo na aprendizagem geral foi baixo ou nulo.

 

No Rio há casos já centenários de concessão à iniciativa privada, como o Pão de Açúcar e o bondinho do Corcovado.  Aparentemente, são casos de sucesso, apesar dos preços para acesso àqueles pontos turísticos serem inacessíveis ao carioca de baixa renda. Já a concessão do Jardim de Alah vem gerando diversos atritos com a vizinhança local. Os excessos do projeto, com intervenções arquitetônicas no parque, têm anulado os possíveis benefícios propostos. 

 

A Prefeitura do Rio, já há muitos anos, conta com um sistema de apadrinhamento de áreas públicas, especialmente praças e parques, em que particulares ou empresas adotam essas áreas. Em troca de poder exibir seu nome ou marca, o adotante se responsabiliza por várias tarefas que seriam do poder público. Um caso bem-sucedido é a adoção das dunas vegetadas de Ipanema, onde a vegetação de restinga já havia quase desaparecido e foi replantada. Nesses casos a ingerência particular é menor. 

 

Mais recentemente, houve a concessão do Parque da Catacumba, e não há registros de maiores reclamações. No entanto, a memória é curta e devemos relembrar que até recentemente hospitais e UPAs do estado do Rio de Janeiro estavam cedidos a Organizações Sociais, as OS, que geraram ineficiência e denúncias de corrupção. As unidades estaduais foram totalmente reassumidas pelo Estado em 2020. Na Cidade do Rio de Janeiro, apesar da promessa do prefeito em reduzir as concessões a OS, em função de vários problemas também ocorridos, na verdade elas aumentaram.

 

Outro exemplo malsucedido foi a concessão do Porto Maravilha. O consórcio de empresas que executou a maioria das obras seria responsável pela limpeza, iluminação e outros serviços tradicionalmente públicos. Mas a queda de receitas da Caixa Econômica com a venda dos Certificados de Potencial Construtivo, por falta de demanda para construir, levou ao não pagamento pelos serviços e à sua posterior reestatização. 

 

Não é possível seguir com essa lenda de que a iniciativa privada faz melhor porque não é bem assim. Na maioria das vezes, o poder público, capturado por interesses privados, deixa a administração e a conservação desses bens públicos se deteriorar para então convocar a iniciativa privada salvadora. Esse é o caso do Jardim de Alah. O parque, que já vinha sendo malcuidado, foi usado como canteiro de obras do metrô e como área de guarda de caminhões da Comlurb. Finda a obra, não houve recuperação. Até os pisos dos banheiros usados no canteiro de obras foram deixados no local. Ninguém se responsabilizou pela recuperação da área e a prefeitura encontrou uma ótima justificativa para a concessão à iniciativa privada.

 

Ainda no Rio de Janeiro, a Fundação Parques e Jardins, que outrora cuidou de todas as praças e parques da cidade, foi sendo amputada de suas funções. Atualmente, o cuidado com as praças é com a Comlurb. A poda de árvores urbanas, idem. O cuidado com os parques é com a Secretaria de Meio Ambiente. E os jardineiros da Fundação há muito passaram da idade da aposentadoria, sem novos concursos e contratações à vista. Aí fica parecendo plausível privatizar parques e praças. Mas não deveria ser. 


Artigo publicado em 30 de maio de 2024 no Diário do Rio.

domingo, 26 de maio de 2024

A Leopoldina e o TAV

Há muito tempo o Brasil fez uma opção equivocada pelo transporte rodoviário, em detrimento do transporte sobre trilhos. Os mesmos grupos de pressão que agiram para a quase extinção dos bondes no Rio de Janeiro, e em outras cidades, também atuaram para substituir o transporte, em longas distâncias, de passageiros em trens, por transporte em ônibus. O sistema foi sendo abandonado, perdendo qualidade e usuários, até parecer lógico fechá-lo. No Rio de Janeiro, entre várias linhas, desapareceram a ligação que circundava o fundo da Baía de Guanabara, a que levava a Mangaratiba, e a que servia a diversas outras cidades do Vale do Paraíba e da Região dos Lagos. Também deixaram de existir o trem Vera Cruz, para Belo Horizonte, o Santa Cruz, que ligava o Rio a São Paulo, depois renomeado como Trem de Prata, e o trem que ia para Vitória.

Desde o Império, a malha ferroviária brasileira veio recebendo investimentos, tendo crescido até 1957, quando atingiu 31 mil km. Depois foi abandonada, e desapareceram diversas ligações entre as cidades do país. Era possível, por exemplo, ir de trem de Bauru a Corumbá, no extremo Oeste do país, uma viagem belíssima que atravessava o Pantanal.

Apesar da malha ferroviária ter sido sucateada em muitíssimos trechos, o fim do transporte de passageiros por trens nem sempre significou o seu fim. A privatização da rede ferroviária no governo Fernando Henrique Cardoso privilegiou o transporte de cargas. Então, parte considerável da malha ainda existe e até foi ampliada, apesar de, com seus 30 mil km, ainda ser menor do que um dia já foi. Mas, o foco tem sido no transporte de cargas. As estações centenárias do caminho foram abandonadas, tendo sido muitas delas destruídas. Tal situação ainda perdura, mas há a possibilidade de começar a mudar.

Com o advento dos trens de alta velocidade, os TAV, a partir de 2007, a ligação entre Rio e São Paulo voltou a ser cogitada. No segundo governo Lula, a então ministra Dilma Roussef chegou a afirmar que o chamado trem-bala ficaria pronto para a Copa do Mundo de Futebol de 2014. A ligação entre as duas cidades se daria em 90 minutos. No Rio de Janeiro, o ponto de partida do TAV seria a Estação Barão de Mauá, também conhecida como Leopoldina, edifício histórico, projetado pelo arquiteto Robert Prentice e construído em 1926. Dali, anteriormente, partia a Linha Auxiliar da Central do Brasil e o antigo trem para São Paulo.

Por diversas razões, tal projeto não se concretizou. Mas ele não deixou de ser absolutamente estratégico para a Cidade do Rio de Janeiro. Um trem regular de alta velocidade ligando o Centro do Rio e o aeroporto Tom Jobim à maior metrópole do país é de suma importância para a economia carioca, e fluminense, e deveria ser encarado com a devida importância por governantes e por quem pensa o futuro da cidade.

Ocorre que o mesmo governo federal que ainda cogita a implantação desse sistema, repassou a estação Leopoldina à Prefeitura sem qualquer exigência de preservação da possibilidade que aquela estação um dia receba o TAV.  No projeto anunciado pelo prefeito do Rio para a ocupação da área, o leito da antiga ferrovia seria ocupado pela Cidade do Samba 2, inviabilizando a chegada do TAV. É bom lembrar que, partindo desse local, os carros alegóricos precisariam dar uma volta imensa pela Área Portuária, já que não poderiam passar sob o viaduto ferroviário da avenida Francisco Bicalho.

Outras ocupações já vêm sendo realizadas no antigo percurso do trem e é bem provável que ele precisasse chegar de forma subterrânea na antiga estação. Mas, se a linha no trecho mais próximo à Leopoldina for edificada, nem mesmo o percurso subterrâneo seria viável. Não só esse trecho mais próximo precisaria ficar livre, como também alguma área para a manobra dos trens, mesmo que subterrânea.

O TAV parece um projeto relegado ao esquecimento, e é comum ver referências jocosas ao projeto na imprensa. Mas essa não é a realidade dos fatos. Em 2021 foi constituída a empresa privada TAV Brasil. Em 2023, ela recebeu da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) a autorização para a construção e exploração por 99 anos do TAV Rio-São Paulo. O início da operação seria em 2032. Como o mesmo governo federal, que trabalha com a hipótese do TAV, anula a possibilidade de haver uma estação carioca para recebê-lo?

Talvez a resposta esteja no imediatismo das decisões de cunho exclusivamente financeiro. A Estação Leopoldina encontrava-se sob a responsabilidade do governo federal. Sucessivas ações exigindo a sua restauração haviam condenado a União a realizar tais obras. Um projeto chegou a ser encomendado ao escritório do arquiteto Rodrigo Azevedo. É aí que surge a proposta da Prefeitura do Rio de receber todo o imenso terreno da estação, comprometendo-se a arcar com os custos da restauração. Algum burocrata de Brasília deve ter considerado uma boa ideia se ver livre daquela obrigação.

A Estação Leopoldina já foi repassada à Prefeitura. Mas esta pode ser chamada à realidade para que perceba a importância de não inviabilizar o projeto do Trem de Alta Velocidade. Há terreno suficiente para a execução de projetos de interesse da Prefeitura, resguardando-se a possibilidade de que o TAV um dia chegue até à Leopoldina. O próprio prédio da estação tem andares suficientes para acomodar diversas atividades. Haverá cariocas com bom senso para convencer o prefeito?  

Artigo publicado em 23 de maio de 2024 no Diário do Rio

sexta-feira, 17 de maio de 2024

Vivendo o aquecimento global

O Rio Grande do Sul está debaixo d’água. Informação tão avassaladora, que mesmo vendo imagens em profusão é difícil acreditar que 85% do território daquele Estado esteja passando por tal calamidade. É um evento que se estende no tempo. Já muitos dias se passaram e as previsões são de muitos dias ainda sob as águas. Os gaúchos sofrem. Os demais brasileiros também sofrem e se solidarizam. Correntes de arrecadação de donativos são formadas. Mas há também larápios que roubam as casas que os moradores foram obrigados a deixar para trás. E criadores de mentiras nas redes sociais para proveito político e monetário. Uns são solidários, outros canalhas.

Com o passar do tempo, a busca por razões e responsáveis vai se impondo. A necessária união não pode ser pretexto para o esquecimento. A devastação ambiental do Rio Grande do Sul já vem de longe, como mostram dados do MapBiomas, uma rede de ONGs e empresas de tecnologias, que utiliza imagens de satélite. Entre 1985 e 2022, o Estado perdeu aproximadamente 3,5 milhões de hectares de vegetação nativa, que ajudava a reter as águas das chuvas. Isto equivale a 22% de toda a cobertura vegetal existente em 1985, sendo que um terço dessa perda se deu na bacia hidrográfica do Guaíba, a área mais afetada pelas atuais enchentes. A maior perda de vegetação natural foi nas chamadas formações campestres, tradicionalmente utilizadas na pecuária extensiva. Nesse mesmo período houve um crescimento de 366% na área destinada ao plantio de soja, que avançou não só sobre áreas desmatadas, como sobre antigas pastagens.

O atual governador também ajudou na devastação, ao alterar a legislação ambiental do Estado. Antes, a forte influência de ambientalistas locais, como José Lutzenberger, havia criado um importante arcabouço de regulamentações em prol do meio ambiente. Porém, 480 pontos do Código Ambiental do Rio Grande do Sul foram alterados, alinhando-o com as políticas nefastas do ex-presidente Bolsonaro. A partir daí, passou a vigorar o autolicenciamento, sem que os projetos dos empresários sejam analisados por qualquer técnico da área ambiental. Foi também permitido o corte de árvores no bioma pampa e o uso de agrotóxicos não permitidos nos países de onde se originam.

Porto Alegre, após a grande enchente de 1941, construiu um sistema de diques e bombas para proteger a cidade. No entanto, o prefeito não cuidou das comportas, que deixaram a água penetrar, nem das bombas, que deveriam jogar a água para fora. Também não investiu no sistema de Defesa Civil. Isso, depois de vários eventos dramáticos em 2023, que deixaram dezenas de mortos em cidades vizinhas, à beira dos rios, que ficaram destruídas.

No governo anterior, os políticos da direita negacionista produziram um desmatamento recorde na Amazônia e o afrouxamento das leis ambientais do país. O então ministro destruidor do meio ambiente falou claramente em aproveitar a pandemia para desfazer essa legislação, o tal “passar a boiada”. O agronegócio, sempre cuidando de extrair o máximo da terra, colocou um exército de políticos no Congresso Nacional para garantir que ninguém os perturbasse.

E há também a ação do homem comum, que cultiva suas lavouras até quase as margens dos rios, suprimindo as matas ciliares, e nas encostas, desmatando-as. O mesmo estudo já citado, do MapBiomas, indica que entre 1985 e 2022 houve um crescimento de 145% nas áreas urbanizadas do Estado.  Cidades foram criadas em áreas de várzeas, esquecendo dos ensinamentos dos antepassados portugueses, que sempre construíram em áreas altas. Um dia os rios poderiam retomar o que perderam...

Sobre tantas ações descuidadas, paira a crise climática, que veio se anunciando pelas vozes dos cientistas, por enchentes aqui e ali, por deslizamentos de encostas, por marés sempre mais montantes, até chegar ao paroxismo do que acontece hoje no Rio Grande do Sul. Mesmo assim, há os que não a veem a crise, ou preferem negá-la para não se desculpar com tantos a quem já enganaram.       

Passou a hora de repensar tudo, todo o modelo de desenvolvimento até aqui utilizado. O presidente da República, muito acertadamente, já chamou a atenção para a impossibilidade de se reconstruir as cidades devastadas no mesmo local onde estavam. A crise climática, que se ressalte, tem como maiores responsáveis os países desenvolvidos, coloca para o Brasil, e para o mundo, duas ações fundamentais a partir de agora: mitigar e adaptar.

Mitigar os efeitos da crise climática significa adotar ações que reduzam os efeitos do aquecimento global, como por exemplo, o fim do desmatamento. Mas é também a necessidade de ações em larga escala de reflorestamento. Árvores sequestram carbono, um dos grandes vilões do aquecimento global. Se conseguirmos reflorestar grandes áreas desmatadas na Amazônia, estaremos contribuindo fortemente para a regulação do clima.

É preciso reflorestar em todos os biomas. Minas Gerais, por exemplo, é um estado devastado pelo desmatamento. Por onde se vá há morrotes desmatados, onde sobram áreas de pastagens improdutivas, onde o gado já não vai. Um largo trabalho de reflorestamento naquele Estado, fará ressurgir áreas de mata atlântica e de cerrado, onde nascem vários cursos d’água. Não se deve esquecer das margens dos rios, das áreas de nascentes, dos topos de morros. Há muito o que fazer também nas cidades brasileiras, em grande parte áridas e sem cobertura vegetal. Os prefeitos precisam aderir a um amplo programa de arborização urbana.

O outro verbo que precisaremos conjugar ativamente é adaptar. Adaptar especialmente as áreas urbanas aos novos desafios trazidos pelos eventos climáticos extremos. Nas cidades litorâneas, é preciso mapear onde o mar deverá subir com o já inevitável aumento do nível dos oceanos. E realocar as populações dessas áreas, porque o custo de protegê-las com obras de engenharia é proibitivo. As habitações em várzeas sujeitas a alagamentos dos rios e em morros sujeitos a deslizamentos, geralmente de populações mais pobres, também precisarão ser realocadas. Tudo isso tem um alto custo financeiro, mas que sempre será menor do que o custo de perda de vidas. E as obras de engenharia precisarão ser resistentes a alagamentos e enxurradas. 

Por fim, é preciso mudar a representação popular nas casas legislativas. Não é mais possível eleger representantes que atuem contra o meio ambiente, o que em última análise é agir contra as vidas das pessoas. Nem mais um passo atrás na proteção do meio ambiente. Ao contrário, precisamos avançar, construindo um arcabouço de leis e regulamentações que nos preparem para viver os desafios da nova era, o antropoceno, quando o homem alterou drasticamente os sistemas naturais do planeta Terra. 

Artigo publicado em 16 de maio de 2024 no Diário do Rio.